Ataque aos altos salários do Judiciário é jogada da direita que a esquerda parece endossar

01 fevereiro 2025 às 21h00

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Os salários dos magistrados brasileiros são “altos” e, em alguns casos, “imorais” (para usar a linguagem corrente)?
Em alguns casos, os ganhos, para além dos salários, podem ser considerados altos, talvez até “imorais”. Mas não em todos os casos.
Uma Justiça “mais” imparcial — usa-se “mais” porque há dúvida sobre a imparcialidade, quiçá de maneira injusta, na maioria das vezes — é importante para todos os cidadãos. Quer dizer, os magistrados precisam tratar todos como cidadãos, com direitos iguais, independentemente das classes sociais.
Juízes precisam ganhar bem, para serem autônomos e isentos. Dizer isto não é contemporizar com os magistrados. Trata-se de realismo.
As sociedades aqui e ali pegam alguém, digamos assim, para “judas”. Os nazistas apontaram os judeus como “causa” dos problemas econômicos da Alemanha. Uma mentira que, cristalizada como consenso na terra de Martin Heidegger, se tornou a “verdade” das ruas. Muitos alemães, talvez a maioria, aceitaram e até defenderam a teoria da conspiração imposta pela extrema direita germânica, quer dizer, por Adolf Hitler, Heinrich Himmler, Joseph Goebbels e outros.
No Brasil, os magistrados — a Justiça — se tornaram “culpados” de muitas coisas, sobretudo de ganhar exageradamente bem.

A crítica aos juízes é tão perfeita — tão boa — que ninguém discorda. Pelo contrário, a imprensa, numa onda moralista extremada, endossa o coro dos articuladores da “campanha”.
Campanha? Pois sim: os que atacam o Judiciário não estão preocupados com os altos salários dos magistrados.
Na verdade, a denúncia dos altos salários é mero pretexto para tornar a desqualificação da Justiça — dos magistrados — justificável. Para torná-la palatável. Aceitável. Consensual à, quem sabe, turba.
A história dos altos salários e vantagens extras surgiu primeiramente nos jornais e revistas? Talvez sim (o principal jornal da direita no país se consolidou como carcará dos magistrados). Talvez não. Há casos excessivos e, como tais, precisam ser investigados e denunciados.
A irmandade entre o bolsonarismo e a esquerda
Porém, insistindo, o que há por trás da campanha contra os magistrados? Simples: querem desmoralizar a Justiça.

Mas quem, exatamente, quer destruir a imagem da Justiça? A extrema direita bolsonarista. Quem mais ganha com a desmoralização da imagem dos magistrados são os políticos extremistas.
A extrema direita tem sido contida pelos processos julgados por magistrados idôneos e defensores da democracia — como os ministros do Supremo Tribunal Federal Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes, Edson Facchin, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barros. É a realidade (mais) real.
Então, se a Justiça é “a” principal barreira ao golpismo — às operações contra a democracia —, é “preciso” desmoralizá-la. Como? Criando uma onda moralista — potencializada e anabolizada pelas redes sociais — para firmar a tese de que os magistrados constituem uma “casta” de privilegiados e, portanto, precisam ser combatidos.
Por que a onda contra os magistrados funciona? Porque, num país em que a maioria ganha mal, quase todos tratam quem ganha bem como uma espécie de “inimigo”. O bolsonarismo potencializa isto muito bem nas redes sociais. Por sinal, age com habilidade e inteligência ao operar para enfraquecer aquela que barrou a escalada autoritária nos últimos anos.
Da extrema-direita espera-se tudo, claro. Entretanto, ao fazer coro contra os magistrados, parte da esquerda pode acabar se tornando aliada indireta do bolsonarismo. Nas redes sociais e em grupos de WhatsApp recebe-se frequentemente, de gente de esquerda, um abaixo-assinado contra os altos salários e privilégios de juízes. (O ideal talvez seja uma campanha contra os baixos salários.)
A esquerda está tomando emprestada a corda da extrema direita para se enforcar. Parece não perceber que o moralismo, de matiz ideológico — sob o disfarce da onda moralista (o “bem”, por assim dizer) —, não tem a ver com altos salários.
O que se prepara, talvez no futuro próximo, é um ataque ainda mais brutal ao sistema judiciário (quer dizer, à democracia). A tentativa de desmoralização é só o primeiro passo.
O moralismo é uma maneira de conquistar o apoio e o aplauso da sociedade. Tal populismo é perigoso, mas ninguém quer enfrentá-lo. Porque é muito difícil, quase impossível, confrontar a força do “rebanho”. Os ataques chegam rapidamente, multiplicados e, para atemorizar, de baixo nível verbal. Então, é “preferível” ficar silente ou endossar o pensamento que se tornou hegemônico.
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