Crise no Cerrado: projeções indicam devastação ambiental e risco de extinção total até 2064

02 junho 2024 às 16h52

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Por José Aluízio Ferreira Lima e Altair Sales Barbosa
O artigo principal “O Cerrado Brasileiro e o seu Futuro” é na realidade formado por três artigos interligados formando um todo coeso. O primeiro artigo “Situação Atual e o Futuro Próximo do Cerrado” tem como base estudo usando recursos estatísticos e de Big Data Analytics e busca descrever, a partir do chamado Índice de Integridade do Cerrado, derivado de uma proposta da Organização das Nações Unidas (ONU)*, modificada e adaptada para este estudo, a situação atual e a futura do Cerrado Brasileiro num horizonte de 40 anos. É um artigo bastante extenso.
O segundo artigo fala sobre o surgimento de sistemas artificiais, subnaturais como consequência da mudança nos sistemas naturais do Cerrado, mostrando consequências bastante interessantes, tanto no aspecto negativo como no positivo. Mostra que a fitofisionomia e a geomorfologia do cerrado podem ser muito distintas do esperado, provavelmente produzindo um sistema biogeográfico muito diferente do original. Como o Sistema Biogeográfico do Cerrado perdeu toda sua originalidade evolutiva natural o que restará não será o Cerrado, mas apenas uma região geográfica que certamente continuará sendo chamada de Cerrado. É um novo Sistema Biogeográfico totalmente distinto do original.
Já o terceiro artigo, tendo como lema o “ceticismo esperançoso” – aplicado também nos outros artigos – mostra algumas possibilidades e estratégias de transição para o Sistema Biogeográfico do Cerrado do formato atual e com integridade reduzida para um inevitável novo Sistema. Mitigação e inovação estarão presentes, pois é preciso que o novo sistema seja capaz de garantir o suporte à vida em todo as suas formas. Ver nota explicativa [1]
Finalmente cabe destacar que os recursos de inteligência artificial foram utilizados sem restrição, mas com rigorosa supervisão científica e técnica dos autores. Ver nota explicativa [2]
*[1] O Índice de Integridade da Biodiversidade (BII) da ONU é uma ferramenta desenvolvida para medir a integridade ecológica e a saúde da biodiversidade de um ecossistema. O BII é uma métrica quantitativa que ajuda a avaliar até que ponto a biodiversidade de uma região se mantém funcional e resiliente diante das pressões ambientais e das atividades humanas.

Preâmbulo
O Cerrado é frequentemente descrito como um “sertão monótono”, uma visão que não apenas subestima sua extraordinária complexidade ecológica, mas também obscurece sua importância crucial tanto para a biodiversidade quanto para os recursos hídricos do Brasil. Este sistema biogeográfico, que é a savana mais rica e úmida do planeta, possui uma diversidade de angiospermas – as plantas com flores – que supera até mesmo a da Amazônia em um território que é metade do tamanho deste último. O Cerrado sustenta quase 70% das bacias hidrográficas do Brasil e é lar de 5% da biodiversidade mundial, destacando-se como um sistema biogeográfico de valor inestimável.
Apesar de sua rica biodiversidade e papel ecológico fundamental, o Cerrado é o sistema mais ameaçado do país, principalmente devido à expansão da agropecuária em larga escala. Abrangendo 23% do território nacional e quase 2 milhões de quilômetros quadrados, este sistema se estende por estados como Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Piauí, Paraná, São Paulo e o Distrito Federal. Contrariando a percepção de um ambiente desolado e uniforme, o Cerrado é um celeiro de vida, abrigando 12.599 espécies de plantas e pelo menos 2.653 espécies de animais vertebrados, muitas das quais são endêmicas.
Além disso, o Cerrado desafia a noção de monotonia com sua impressionante variedade floral, contando com 12.274 espécies de flores, superando a Amazônia que possui 12.103 espécies. Este sistema não é apenas um conjunto de arbustos desinteressantes e árvores tortas como muitos podem imaginar, mas um sistema biogeográfico vibrante e essencial que desempenha um papel fundamental no equilíbrio ambiental e na sustentabilidade do Brasil. É imperativo que a visão sobre o Cerrado seja redefinida, reconhecendo sua beleza singular e seu valor intrínseco, e que medidas urgentes sejam tomadas para proteger e preservar este sistema vital antes que suas riquezas únicas sejam irreversivelmente perdidas.
Introdução
O pressuposto abstrato é um Sistema Dinâmico Complexo que em termos reais ou práticos se consolida como o Sistema Biogeográfico do Cerrado, nada abstrato. Esta abstração inicial permite que entendendo o Cerrado como sistema, dinâmico e complexo seja possível buscar insights que não seriam possíveis utilizando outro tipo de abordagem.
O Cerrado se apresenta como uma totalidade ou sistema operando como uma unidade, simples ou composta, no seu ambiente de existência. Ao designar um sistema biogeográfico como “cerrado” estou distinguindo uma totalidade e num primeiro momento não distingo a sua organização, estrutura ou partes. É distinguido em sua totalidade como “cerrado” por suas características muito próprias e diferentes dos outros sistemas biogeográficos. Então, o Cerrado pertence à classe dos sistemas biogeográficos brasileiros e é único dentre este conjunto. É um sistema pois é sempre visto como totalidade que opera dentro de seu ambiente que é composto por outros sistemas com os quais está em acoplamento estrutural e realiza trocas de matéria e energia (atmosfera, clima, incidência solar, subsolo, áreas de transição, dentre outros sistemas que podem ser considerados pertencentes ao seu ambiente). Em decorrência, por ser um sistema, o Cerrado possui propriedades emergentes distintas das propriedades individuais dos seus componentes.
Pressuposto 1 – Então, o Cerrado será tratado como um sistema onde uma alteração em uma das partes, num efeito cascata, provoca mudanças nos outros componentes e nas relações entre eles com repercussão em todo o sistema.
Um sistema possui uma organização e uma estrutura. A organização define a identidade do sistema. Ao formular o conceito de Sistema Biogeográfico do Cerrado se define a identidade do sistema que esclarece a sua organização. É um sistema com propriedades muito peculiares e que eu chamo de Cerrado. A estrutura é formada pelos componentes do sistema e a relação entre eles. Por exemplo, no Cerrado, é possível identificar em função dos interesses do estudo, vários componentes – vegetação, solo, água, clima, população, agentes econômicos, dentre uma infinidade de componentes que podem ser distinguidos. É quase como consequência que surgem as relações entre estes componentes: o elemento água está diretamente relacionado de forma complexa com o solo, a vegetação, o clima e assim por diante. Neste caso podemos afirmar que um sistema é dinâmico quando pode alterar continuamente a sua estrutura sem perder sua organização. Mas determinados tipos de modulações e sua intensidade podem provocar mudanças na estrutura do sistema e podem vir a afetar a integridade do sistema. Neste caso o sistema atinge o seu “limite de resiliência”. Ver nota explicativa [3]
Pressuposto 2 – um sistema é dito dinâmico quando pode mudar continuamente sua estrutura sem perder sua organização ou identidade, desde que não atinja o seu “limite de resiliência”. O Sistema Biogeográfico do Cerrado é um sistema dinâmico e por consequência possui um “limite de resiliência” além do qual perde a sua integridade e funcionalidade.
Um sistema complexo é composto por uma grande quantidade de componentes distintos que interagem de formas que influenciam tanto o comportamento individual quanto o comportamento geral do sistema. Esses componentes podem ser bastante diversos, incluindo diferentes tipos de entidades, como agentes, células, indivíduos, ou mesmo algoritmos, dependendo do contexto do sistema.
Estas interações são frequentemente não lineares, o que significa que pequenas mudanças podem resultar em respostas desproporcionais ou inesperadas, levando a dinâmicas como comportamentos emergentes ou retroalimentação que não são diretamente previsíveis pela análise de suas partes isoladas. Isso pode resultar em dinâmicas surpreendentes.
Tais dinâmicas destacam a importância das interações entre componentes em sistemas dinâmicos complexos e a dificuldade em prever o comportamento do sistema baseando-se apenas no entendimento de suas partes individuais. A não linearidade é fundamental para a entender a complexidade dos sistemas e destaca a dificuldade em prever o comportamento desses sistemas apenas baseando-se em análises simplistas dos componentes isolados. A complexidade surge exatamente dessa interação rica e muitas vezes imprevisível entre partes que, isoladamente, não podem ser bem compreendidas.
Pressuposto 3 – o Sistema Biogeográfico do Cerrado é um “sistema dinâmico complexo” e como tal apresenta:
- a) Diversidade e interações complexas entre seus componentes;
- b) Imprevisibilidade;
- c) Fenômenos emergentes e muitas vezes inesperados; e
- d) Limite de resiliência.
Neste artigo e nos subsequentes o Cerrado será tratado como um sistema dinâmico complexo. O motivo? É o efeito cascata e suas consequências. Em sistemas dinâmicos complexos, as interações entre componentes são tão emaranhadas, intrincadas e entrelaçadas que uma mudança em um componente pode desencadear uma série de alterações em outros componentes, conhecido como efeito cascata. Este fenômeno ocorre porque os componentes não operam de forma isolada; eles estão interconectados através de uma rede de relações que podem ser diretas ou indiretas. O impacto de uma alteração pode variar em magnitude e ser imprevisível devido à complexidade das conexões e à natureza não linear das interações. Este tipo de interdependência requer uma análise cuidadosa das relações sistêmicas para entender como as alterações em uma parte podem afetar o todo.

Para iniciar algumas definições são necessárias. Seguindo a plataforma do MapBiomas para o Cerrado será considerado, em termos de dimensão e importância, as seguintes classes para as áreas de vegetação nativa e outras fisionomias: são duas grandes classes com as subclasses consideradas relevantes para o Cerrado.
Tabela 1 – Classes

Figura 1 – Cerrado – Classes

Figura 2 – Cerrado – Fitofisionomias clássicas

Como visto, a classe Floresta é a principal, tanto em termos de dimensão como em importância e é a base das estatísticas, estudos e projeções neste estudo. Este agrupamento – Formação Florestal e Formação Savânica* – representa 84,7% da vegetação típica do Cerrado. Ao longo do texto este grupo receberá alguns nomes tais como: vegetação nativa, vegetação natural, dentre outros relacionados. A conversão do solo também será utilizado no sentido de retirada da vegetação nativa e sua substituição por espécies exógenas, sejam espécies agrícolas, pastagens ou outras. Implica também mudança na sua estrutura por aragem ou compactação e claro, mudança na sua composição química e biológica. Nos termos do pressuposto – o Cerrado será tratado como um sistema onde uma alteração em uma das partes, num efeito cascata, provoca mudanças nos outros componentes e nas relações entre eles com repercussão em todo o sistema – será tomado como verdade que mudanças em dois componentes essenciais do sistema biogeográfico do Cerrado, vegetação e solo, terá impacto significativo nos outros componentes, na relação entre estes componentes e por consequência no sistema enquanto totalidade. Ver bota explicativa [4]
Então a primeira providência é estudar como evolui a “cobertura do solo” no Cerrado ao longo dos anos, mais especificamente, de 1985 a 2022 com dados do MapBiomas. Estas estatísticas permitem verificar como a variação na cobertura do solo avança ao longo deste período. Utilizando uma curva de regressão linear que se ajusta perfeitamente aos dados reais é possível ver como tem evoluído o processo de uso do solo do Cerrado bem como realizar projeções para anos futuros, se nada mudar nos atuais modelos de produção – agropecuário, mineral e outros – atualmente em voga no Cerrado. Ver nota explicativa [5]
*[2] A história do Cerrado brasileiro está intrinsecamente ligada à evolução do conceito de savana. De acordo com Aquino, Pinto, e Ribeiro - Evolução histórica do conceito de savana e a sua relação com o Cerrado brasileiro - o termo savana tem origem controversa e tem sido aplicado de várias maneiras ao longo do tempo. No contexto brasileiro, o Cerrado é considerado um "complexo vegetacional" com características de savana, mas também abrange formações campestres e florestais. A diversificação das definições de savana ao longo da história reflete a complexidade do sistema biogeográfico e sua importância ecológica e econômica. Encontrado em 30/05/2024: http://comciencia.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-76542009000100009&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
Gráfico 1 – Evolução da Vegetação Nativa – 1985-2022

O gráfico mostra uma análise de regressão linear da área florestal ao longo dos anos, de 1985 a 2022 com série histórica do MapBiomas para retirada da vegetação nativa no Cerrado . A linha azul representa os dados reais da área florestal, enquanto a linha tracejada vermelha representa o ajuste da regressão linear. A linha de tendência vermelha mostra uma queda contínua na área florestal desde 1985 até 2022. A regressão linear se ajusta bem aos dados reais, indicando uma correlação forte e negativa entre o tempo e a área florestal. Isso sugere que a diminuição da área florestal é consistente ao longo dos anos. A regressão indica que a área florestal tem diminuído de maneira significativa e constante ao longo do tempo. Isso pode ser associado a fatores como desmatamento para a agropecuária, urbanização e outras atividades humanas que afetam negativamente a vegetação nativa do Cerrado. Ver nota explicativa [6]
Na realidade, o gráfico anterior, mostra apenas a realidade atual da cobertura do solo no decorrer de 37 anos, mas não nos dá nenhuma estimativa futura, por exemplo, para o final dos anos de 2024, 2064 e 2074. Antever o estado do sistema biogeográfico do cerrado com base nos dados históricos sobre o Cerrado é uma necessidade fundamental para o gerenciamento ambiental, econômico e humano desta parte do território brasileiro. Então, para os dados existentes a regressão linear com base nos dados é perfeitamente adequada.
Gráfico 2 – Regressão linear porcentual para área florestada

O gráfico mostra a projeção do percentual da área florestal de 1985 a 2064 com base em uma análise de regressão linear. Verifica-se uma tendência decrescente na área de vegetação nativa (área florestada). Surge um padrão linear que indica uma tendência constante de declínio no percentual da área florestal ao longo dos anos. A inclinação da linha de tendência sugere que, se as condições atuais persistirem, o percentual da área florestal continuará a diminuir de forma constante, possivelmente devido a atividades como agropecuária, urbanização e exploração de recursos naturais.
A projeção sugere que a área florestal pode se reduzir a valores muito baixos se a tendência atual continuar sem intervenções significativas. Para o ano de 2064, a linha de regressão linear projeta uma redução ainda maior do percentual da área florestal.
Concluindo. A curva do gráfico indica uma tendência preocupante de contínua diminuição do percentual de área florestal ao longo do tempo, projetando uma situação crítica para o futuro, desaparecimento do Cerrado, caso medidas planejadas não sejam tomadas para mitigar o desmatamento e preservar as áreas florestais atualmente restantes.
As estimativas para 2064, se nada mudar, é que dos 1.984.554 km² do Cerrado restarão de áreas de vegetação nativa apenas 441.364,81 km² ou aproximadamente 22,24%. Nota explicativa [5].
Detalhando:
- Em 1985, já restava somente 55,28% de vegetação nativa do Cerrado, ou seja, apenas 1.097.093 km² para uma área total estimada em 1.984.554 km²;
- Em 2000, quinze anos depois, a área de vegetação nativa do Cerrado representava apenas 48,01% da área total estimada em 1.984.554 km², ou seja, restaram de vegetação nativa do Cerrado somente 952.784,38 km²;
- Mais 15 anos depois, em 2015, só restavam 42,54% da vegetação nativa do Cerrado, que representava apenas 844.229,27 km², da área total do Cerrado estimada em 1.984.554 km²;
- Em apenas 7 anos, isto é, em 2022, o percentual residual da vegetação nativa do Cerrado caiu para 40,59%, ou seja, ficou reduzida a 805.530,47 km² do total inicial da área do Cerrado de 1.984.554 km². Objetivamente foram desmatados uma área de 1.179.023 km²;
- A estimativa para o final de 2024, o restante da área florestada do Cerrado será apenas 769.014,68 Km², ou seja, 38,75% da área original; e
- No médio prazo, a estimativas para 2064, daqui apenas 40 anos, se nada mudar, restará apenas 22,24% de toda a vegetação nativa do Cerrado, ou seja, 441.364,81 km². Este valor representa quase um quinto (1/5) de vegetação inicial. Terão desaparecidos 1.543.189,19 km² de vegetação original do Cerrado.
Ainda mais, em 2074, daqui a cinquenta anos, se as tendências atuais continuarem, as projeções indicam uma situação crítica para o Cerrado brasileiro. De acordo com os dados e a análise de regressão linear em 2074, restarão apenas 18% do Cerrado original. Isso representa uma redução drástica, sobrando aproximadamente 357.219,72 km² de área preservada do Cerrado em profunda fragmentação onde qualquer possível corredor ecológico terá desaparecido. E centenas de espécies silvestres terão desaparecido. Vegetais, animais, bactérias, fungos, ou seja, uma infinidade de vida varrida da face da Terra.
A estimativa para 2064 é que 1.543.189,19 km² da vegetação nativa do Cerrado tenha desaparecido e como consequência todo o processo de conversão do solo. Isto equivale a área dos seguintes países europeus que somam uma área aproximada de 1.555.283 km². São eles: França (551.695 km²); Alemanha (357.022 km²); Reino Unido (242.495 km²); Islândia (103.000 km²); Áustria (83.879 km²); Irlanda (70.273 km²); Croácia (56.594 km²); Eslováquia ( 49.035 km²) e Suíça (41.290 km²). Em cor amarela, a ilustração a seguir mostra a dramaticidade do fato.
Figura 3 – Mapa da Europa Ocidental mostrando equivalências de áreas

Esses países juntos compõem uma área que é representativa da Europa Ocidental em uma definição expandida, incluindo nações da Europa Central e do Norte para alcançar a área total desejada. Esta lista reflete uma variedade geográfica e cultural mais ampla, abrangendo desde os estados pequenos até nações maiores e geograficamente significativas como França e Alemanha, assim como a inclusão estratégica de países como Islândia e Croácia para cumprir o critério de área.
Uma questão surge. Se a reserva legal no Cerrado é na maioria das regiões de 20%, isto impedirá que a perda gradativa da vegetação ultrapasse este limite. Isto não é verdade, pois o estudo “Regularidade Ambiental das Áreas de Reserva Legal do Cerrado Brasileiro” publicado na Revista Caminhos de Geografia em fevereiro de 2022 mostra que no que se refere ao CAR (Cadastro Ambiental Rural) existe, segundo a pesquisa no universo de 905.837 imóveis rurais inscritos no Cadastro Ambiental Rural (CAR), existia um passivo de 6.472.564,26 ha ou 64.725,64 km². Este passivo citado no artigo equivale a 11 vezes a área do Distrito Federal que é de 5.760 km².
Segue as conclusões do excelente artigo citado (encontrado em https://seer.ufu.br/index.php/caminhosdegeografia/article/view/58017):
A concentração da estrutura fundiária no bioma foi evidenciada pelo agrupamento dos imóveis rurais em classes de área em módulos fiscais: a pequena propriedade ou posse rural, que possui até quatro módulos fiscais, representa 82,98% do número de imóveis rurais que fazem parte do estudo, e detém 18,83% da área total estudada, com uma área média de 40,56 ha, enquanto que a grande propriedade ou posse rural, aquela que possui acima de 15 módulos fiscais, representa 5,08% dos imóveis rurais estudados, e detém mais da metade da área total estudada (57,02%), com área média de 2.004,54 ha. Para atender ao percentual mínimo exigido pelo art. 12 da Lei nº 12.651/2012, seriam necessários 41.076.595,20 ha mantidos como Reserva Legal na área de estudo. Foram encontrados 34.604.030,95 ha delimitados no CAR como Reserva Legal pelos proprietários ou possuidores rurais, que correspondem a 84,24% da área mínima. 23,26% do total de imóveis rurais analisados não delimitou nenhuma informação de Reserva Legal no CAR. 32,25% do total de imóveis rurais analisados delimitar a Reserva Legal em percentual inferior ao exigido na Lei nº 12.651/2012. 44,49% do total de imóveis rurais analisados delimitou a Reserva Legal em percentual igual ou superior ao exigido na Lei nº 12.651/2012, totalizando 25.471.585,58 ha. Da área de Reserva Legal delimitada nos imóveis rurais que alcançaram a área mínima exigida pelo art. 12 da Lei nº 12.651/2012, 4.057.021,71 ha representam excedente à área mínima. O balanço entre o déficit e o superávit de Reserva Legal dentre os imóveis que delimitaram Reserva Legal no CAR resulta em um déficit de 2.562.332,44 ha, demonstrando que o mecanismo de compensação de Reserva Legal é insuficiente para solucionar todo o déficit identificado. O balanço entre o déficit e o superávit da Reserva Legal considerando todos os imóveis rurais, inclusive aqueles que não delimitaram nenhuma informação acerca da Reserva Legal, o passivo de Reserva Legal aumentaria para 6.472.564,26 ha para o bioma Cerrado.
… O artigo ainda afirma…
a fragmentação da maioria dos seus habitats naturais, acarretando, dentre outras consequências, em elevadas perdas de biodiversidade e aumento nas taxas de erosão dos solos, bem como assoreamento de mananciais e fragmentação da maioria dos seus habitats naturais, acarretando, dentre outras consequências, em elevadas perdas de biodiversidade e aumento nas taxas de erosão dos solos, bem como assoreamento de mananciais
Estas informações mostram que o controle das reservas legais via CAR tem problemas estruturais e de fiscalizações atualmente problemáticos. Isto é, a reserva legal como previsto em lei tem um passivo que não garante que 20% da vegetação natural do Cerrado seja preservada.
Conclusão do tópico. Os dados informam que provavelmente em 2030, mas com certeza em 2064, se nada mudar, o Cerrado atingirá seu “limite de resiliência” com consequências imprevisíveis. Nota explicativa [3]
A síndrome do sapo fervido

Era uma vez um sapo que vivia em uma lagoa tranquila no coração do Cerrado brasileiro. Ele passava os dias descansando nas margens, mergulhando nas águas frescas e alimentando-se dos insetos que ali viviam. A vida era calma e previsível.
Um dia, sem que o sapo percebesse, a água da lagoa começou a aquecer lentamente. As mudanças eram tão graduais que o sapo não se dava conta de que algo estava errado. A cada dia, a temperatura subia um pouquinho, mas o sapo, acostumado às mudanças lentas, continuava em sua rotina, sem notar o perigo que se aproximava.
Enquanto isso, ao redor da lagoa, o Cerrado enfrentava transformações drásticas. A vegetação nativa estava sendo removida a um ritmo alarmante para dar lugar a plantações e pastagens. Árvores centenárias retas e tortas eram derrubadas, e o solo, antes protegido pela rica cobertura vegetal, começava a se deteriorar. Os animais, que dependiam desse ecossistema único, começavam a desaparecer, deixando a lagoa mais silenciosa a cada dia.
A temperatura continuava a subir, e o sapo, já não tão confortável, começou a sentir-se letárgico. Contudo, ele ainda não compreendia a gravidade da situação. Pensava que poderia se adaptar às mudanças, como sempre fez. No entanto, a destruição do Cerrado estava alterando o clima e os ciclos de chuva, tornando os dias mais quentes e secos.
Então, um dia, a água da lagoa estava tão quente que o sapo já não conseguia se mover. Ele finalmente percebeu que não poderia mais suportar a temperatura crescente, mas era tarde demais. A falta de vegetação ao redor havia eliminado qualquer sombra ou abrigo que pudesse aliviar o calor. O sapo, sem forças para escapar, sucumbiu às condições adversas que foram se instalando gradualmente.
A história do sapo fervido no Cerrado brasileiro serve como um alerta. Assim como o sapo, muitas vezes não percebemos as mudanças ambientais graduais até que seja tarde demais. O aquecimento do Cerrado, impulsionado pela destruição da vegetação nativa, não só ameaça a biodiversidade, mas também o equilíbrio climático e os recursos hídricos da região. É um lembrete de que precisamos agir agora para proteger e restaurar esse ecossistema vital, antes que as mudanças se tornem irreversíveis.
Em termos do meio ambiente
A mudança climática é um exemplo clássico onde alterações graduais na temperatura, nos padrões climáticos e nos níveis do mar podem não gerar uma resposta imediata da população ou dos governos, ou nem mesmo ocorrer, resultando em crises ambientais severas e muitas vezes incontornáveis.
O desmatamento e a perda da biodiversidade e de habitats são frequentemente processos graduais. A percepção tardia desses problemas pode levar à extinção de espécies e à degradação dos ecossistemas mudando totalmente o sistema biogeográfico existente para um outro indefinido e imprevisível.
Quando o Cerrado é entendido como um sistema biogeográfico isto permite estudar o seu domínio de existência dentro do qual o Cerrado fica situado ou, de outra forma, os elementos incidentes sobre o sistema cerrado. Neste caso vamos considerar dois elementos incidentes sobre o Cerrado. A temperatura em graus Celsius da atmosfera e a insolação total, fatores climáticos que podem provocar modulações intensas sobre o sistema cerrado e eventualmente alterar sua estrutura e organização. Ver nota explicativa [7]
Os dados de temperatura foram obtidos junto ao Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) para estações automáticas representativas distribuídas pelo Cerrado e que tinham os dados completos para os períodos considerados. Para comparar e descrever a variação da temperatura média final dos dois períodos (1961-1990 e 1991-2020), será calculada a média das temperaturas médias de todas as estações em cada período e analisar a diferença entre elas:
Calculando essas médias, comparar e apresentar os resultados.
Comparação das Temperaturas Médias no Cerrado:
- Média da temperatura no período de 1991-2020: 25,58°C
- Diferença entre as duas médias: 1,21°C
- Média da temperatura no período de 1961-1990: 24,37°C
A análise dos dados mostra um aumento significativo na temperatura média do Cerrado de aproximadamente 1,21°C ao comparar os períodos de 1961-1990 e 1991-2020. Este aumento pode ser considerado substancial e indica uma tendência clara de aquecimento na região.
O aumento da temperatura média no Cerrado pode ter diversas implicações importantes:
- Biodiversidade: a flora e fauna do Cerrado são adaptadas a condições climáticas específicas. O aumento na temperatura pode afetar a distribuição das espécies, levando algumas à extinção e favorecendo a invasão de espécies exóticas;
- Agricultura: o Cerrado é uma região agrícola chave. A elevação da temperatura pode impactar a produtividade agrícola, alterando os ciclos de cultivo e aumentando a necessidade de irrigação devido à maior evapotranspiração;
- Recursos hídricos: a evapotranspiração aumentada pode reduzir a disponibilidade de água, afetando rios e reservatórios essenciais para o abastecimento humano e agrícola;Incêndios Florestais: temperaturas mais altas podem aumentar a frequência e a intensidade de incêndios florestais não naturais, que têm efeitos devastadores na biodiversidade e na qualidade do solo;
- Clima e saúde humana: mudanças no clima podem levar a condições meteorológicas extremas, como ondas de calor, que afetam diretamente a saúde humana, especialmente de populações vulneráveis.
- Os dados indicam um aumento significativo na temperatura média do Cerrado, refletindo uma tendência de aquecimento que pode ter sérias consequências ecológicas, econômicas e sociais.
Tabelas e ilustrações gráficas podem ser bastante ilustrativas e comprobatórias relativas às afirmações técnicas já colocadas.
Gráfico 3 – Variação da Temperatura no Cerrado

O Gráfico 3 mostra uma comparação das temperaturas médias no Cerrado entre os períodos de 1961-1990 e 1991-2020 para várias estações distribuídas ao longo do Cerrado.
Interpretação do Gráfico. Linhas e pontos vermelhos representam as temperaturas médias no período de 1961-1990. Linhas e pontos azuis representam as temperaturas médias no período de 1991-2020.
Este gráfico de linhas permite visualizar claramente a variação da temperatura média entre os dois períodos para cada estação. Podemos observar que, em quase todas as estações, a temperatura média no período de 1991-2020 é maior do que no período de 1961-1990, indicando um aumento generalizado da temperatura no Cerrado.
O gráfico reforça a tendência de aquecimento no Cerrado, com todas as estações analisadas mostrando um aumento nas temperaturas médias. Este aumento pode ter implicações importantes para a biodiversidade, agricultura, pecuária, recursos hídricos e outras áreas, conforme discutido anteriormente.
Destaques: Cuiabá (MT) – a temperatura média aumentou de 25,75°C para 26,51°C; Aragarças (GO) – teve um aumento significativo de 24,87°C para 26,00°C; Montes Claros (MG) – a temperatura média subiu de 22,39°C para 23,49°C.
A tabela a seguir mostra todas as estações analisadas para os dois períodos.
Tabela 2 – Temperatura média no Cerrado

Gráfico – Temperatura Média das Estações do Cerrado

O aumento da temperatura média no Cerrado pode parecer pequeno, com uma diferença de apenas 1,21°C, mas em termos atmosféricos e ambientais, é extremamente preocupante. Alterações dessa magnitude podem modificar completamente as características do sistema biogeográfico do Cerrado, um dos sistemas mais ricos em biodiversidade do Brasil. Mudanças na temperatura podem afetar a distribuição das espécies, alterar os ciclos de chuva e impactar a disponibilidade de água, contribuindo para a degradação dos solos e o aumento do risco de incêndios florestais.
Para ilustrar esse impacto, podemos considerar o caso de Goiânia. Entre as décadas de 1931-1960 e 1991-2020, a temperatura medida na estação de Goiânia aumentou significativamente, atingindo um valor de 2,60ºC. Esse aumento tem efeitos profundos no clima local, influenciando a saúde pública, a agricultura e a infraestrutura urbana. Com temperaturas mais altas, há um aumento na demanda por energia para resfriamento, maior evapotranspiração e, consequentemente, maior estresse hídrico. Essas mudanças sublinham a necessidade urgente de políticas de mitigação e adaptação para enfrentar os desafios impostos pelo aquecimento global. A seguir os dados.
Tabela 3 – Goiânia: variação de temperatura

Gráfico 5 – Comparativo de temperatura média (ºC) – Estação: Goiânia

O aumento entre o período de 1931-1960 e 1991-2020 foi de 2,60 ºC
Pode parecer redundante para alguns, mas aqui é preciso repetir e repetir. O gráfico do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) mostra a temperatura média mensal em Goiânia para três períodos distintos: 1931-1960, 1961-1990 e 1991-2020. Observa-se um aumento significativo da temperatura média ao longo dos anos.
Análise do Gráfico
- 1931-1960 (linha vermelha): as temperaturas médias são mais baixas em comparação com os períodos seguintes, com uma média anual mais baixa e menor variação sazonal;
- 1961-1990 (linha verde): há um aumento perceptível nas temperaturas médias em comparação com o período anterior, refletindo uma tendência de aquecimento; e
- 1991-2020 (linha azul): este período apresenta as temperaturas médias mais altas, com um aumento significativo em todas as estações do ano.
Consequências do aumento de temperatura:
- Impacto nos ecossistemas: o aumento da temperatura pode alterar drasticamente os ecossistemas do Cerrado, afetando a fauna e flora nativas; espécies que não conseguem se adaptar ao calor podem enfrentar riscos de extinção;
- Agricultura e recursos hídricos: temperaturas mais altas aumentam a evapotranspiração, reduzindo a disponibilidade de água para a agricultura e pecuária; isso pode levar a uma menor produtividade agropecuária e a maior necessidade de irrigação, pressionando ainda mais os recursos hídricos;
- Saúde pública: o calor excessivo pode agravar problemas de saúde pública, aumentando a incidência de doenças relacionadas ao calor, como desidratação, insolação, problemas cardiovasculares e respiratórios, especialmente entre populações vulneráveis; e
- Infraestrutura urbana: cidades como Goiânia podem enfrentar desafios adicionais com o aumento do consumo de energia para refrigeração e maior desgaste das infraestruturas devido ao calor extremo.
Essas observações sublinham a necessidade de medidas de mitigação e adaptação para enfrentar os impactos do aquecimento global, promovendo a sustentabilidade e a resiliência ambiental e social.
Outro fator de incidência já citado é o índice de insolação total sobre as várias regiões do Cerrado e seu aumento, ou seja, o aumento da Insolação Total Média – em horas e décimos – sobre o Cerrado. A tabela e o gráfico mostram a variação total da insolação total média no Cerrado.
Tabela 4 – Insolação total média no Cerrado – em horas e décimos

Gráfico 6 – Insolação Total do Cerrado

No período de 1961-1990 a média anual foi de 2.469,12 horas e no período de 1991-2020 foi de 2.552,16 horas. O aumento médio foi 83 horas ou 3 dias, 9 horas e 36 minutos. O aumento porcentual foi de 3,36%. Tecnicamente, com os dados comparativos disponíveis, não tem como afirmar se este aumento da insolação total no Cerrado é apenas uma variação natural ou se deve a outros fatores ambientais e climáticos.
Mas se é uma ocorrência “fora de curva” deve-se considerar alguns impactos significativos para o futuro, tanto físicos, biológicos e sociais:
- Maior insolação pode alterar a taxa de fotossíntese, afetando o crescimento das plantas e a produção agrícola;
- Aumentos na evapotranspiração podem alterar os ciclos hidrológicos, influenciando a disponibilidade de água;
- Mais horas de insolação podem contribuir para aumentos de temperatura, exacerbando efeitos de aquecimento local e global;
- Impactos socioeconômicos, como mudanças na agricultura, demanda por energia e saúde pública; um aumento significativo de insolação pode ter implicações práticas importantes, mesmo que cientificamente seja uma mudança moderada;
- Aumento na insolação afeta os ecossistemas e as condições climáticas regionais e globais.
- Considerando estes três fatores, a perda extrema projetada para a vegetação natural do Cerrado, o aumento já constatado de 2,6ºC na temperatura e de 3,34% na insolação o que se pode esperar em relação ao Sistema Biogeográfico do Cerrado frente ao conceito de “limite de resiliência”?
O conceito de “limite de resiliência”* refere-se à capacidade de um ecossistema de absorver perturbações e ainda manter suas funções e estrutura fundamentais. No contexto do Cerrado, a combinação da perda extrema de vegetação natural, o aumento já constatado de 2,6ºC na temperatura média e o incremento de 3,34% na insolação representa um conjunto de pressões significativas que podem levar o sistema a ultrapassar esse limite de resiliência. A perda de vegetação não só diminui a biodiversidade, mas também afeta a estabilidade do solo, a regulação do ciclo hídrico e a capacidade de suporte de fauna. Esse desmatamento extremo pode criar condições que dificultam a regeneração natural e aumentam a vulnerabilidade a incêndios florestais. *Ver “Notas explicativas [3]”
O aumento da temperatura média em 2,6ºC exacerba esses problemas ao criar um ambiente mais árido, o que é desafiador para muitas espécies de plantas e animais adaptados às condições originais do Cerrado. Este aquecimento pode levar à migração ou extinção de espécies que não conseguem se adaptar rapidamente às novas condições térmicas, alterando drasticamente a composição da fauna e flora. Além disso, a maior demanda por água devido à evapotranspiração intensificada coloca em risco as já limitadas reservas hídricas, prejudicando tanto a vida selvagem quanto a agricultura local.
O aumento de 3,34% na insolação, embora pareça pequeno em termos percentuais, contribui para o estresse adicional sobre os ecossistemas. Mais insolação significa mais energia solar atingindo o solo e as plantas, aumentando a evaporação e reduzindo ainda mais a umidade disponível. Isso pode acelerar processos de alteração e degradação do solo, tornando áreas previamente férteis inadequadas para a vegetação nativa e a agricultura. Combinadas, essas mudanças empurram o Cerrado em direção ao seu limite de resiliência, onde a capacidade do sistema de se recuperar e manter suas funções ecológicas pode ser irrevogavelmente comprometida. A superação desse limite resultará em um sistema biogeográfico significativamente alterado, com perdas de biodiversidade e serviços ecossistêmicos essenciais, como a regulação do clima e a provisão de água.
Uma notícia de hoje, 28 de maio de 2024 referente ao Cerrado, divulgado pelo MapBiomas:
“O bioma apresentou a maior área desmatada entre os demais, totalizando 1.110.326 milhão de hectares. Em 2022, o total de áreas desmatadas no Cerrado foi de 662.186, o que indica aumento de 67,7%”
Frente a este tipo de notícias parece que dificilmente a afirmação nossa de “se nada mudar” vai se aplicar e passar a ser “nada vai mudar”.

O ponto de partida aqui é a proposição que, na apresentação, afirma: o Sistema Biogeográfico do Cerrado é um “sistema dinâmico complexo” e, como tal, apresenta: a) diversidade e interações complexas entre seus componentes; b) imprevisibilidade; c) fenômenos emergentes e muitas vezes inesperados; d) um limite de resiliência.
Em segundo lugar, é crucial continuar considerando o efeito dominó, que postula que uma mudança nas propriedades ou na estrutura de um componente de um sistema pode alterar as relações entre os outros componentes, bem como suas próprias estruturas e propriedades. Ou até mesmo fazer surgir um novo sistema ou simplesmente desintegrar o sistema atual.
As afirmações nos levam a entender o Cerrado como um Sistema Biogeográfico e a principal questão que se coloca é a manutenção da integridade deste sistema e sua funcionalidade – por exemplo, a capacidade de prestação de serviços ecossistêmicos – diante de questões antrópicas que atuam de forma disfuncional sobre ele, mudando sua estrutura profundamente e até mesmo provocando mudanças na própria identidade do Cerrado, sem desconsiderar modulações naturais que eventualmente podem provocar mudanças significativas na estrutura deste sistema biogeográfico. A questão colocada é se o sistema vai atingir seu “limite de resiliência” e se isto tiver possibilidade de acontecer, quando. Mas existe um limite de transição em que o Cerrado não é mais Cerrado, mas ainda não é outro sistema totalmente imprevisível ou desconhecido. Com os dados levantados utilizando Big Data Analytics acredita-se que esta data limite é o final de 2064.
Com o objetivo de estabelecer indicadores que possibilitem verificar a integridade e funcionalidade do Cerrado no prazo de aproximadamente quatro décadas, ou seja, até o ano de 2064 alguns indicadores foram desenvolvidos. Apenas aqui a roda foi reinventada, pois foi reconstruída utilizando como modelo o Biodiversity Intactness Index (BII) com adaptação bastante significativa em função do contexto estudado, o Sistema Biogeográfico do Cerrado. Realizar estudo do Cerrado brasileiro utilizando o Índice de Integridade da Biodiversidade (BII), proposto pela UNEP (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) – este índice visa medir a integridade e a funcionalidade dos ecossistemas, baseando-se em quão próximos estão de seus estados naturais e não perturbados – exigiu algumas modificações significativas com a criação de indicadores de resiliência, funcionalidade e integridade do Cerrado e a utilização de “mineração de dados”, de Big Data Analytics, além de opiniões de especialistas coletados por meio de um software em Python. Foram desenvolvidos os seguintes indicadores e aqui já com sua valoração obtida como já indicado anteriormente.
A análise dos indicadores aqui chamados de Índice de Integridade do Cerrado (IIC) reflete a condição de um sistema biogeográfico do cerrado quando apenas 20% de sua vegetação nativa está remanescente. Aplicando e interpretando estes indicadores, considerando que 0 (zero) é o nível mais baixo de integridade do sistema e 1 (um) o mais alto nível de integridade.
- Perda de biodiversidade (0.3): este valor indica que a integridade da biodiversidade está significativamente comprometida, restando apenas 30% da biodiversidade original. Isso reflete uma grande perda de espécies nativas, redução da variabilidade genética e potencial extinção de espécies endêmicas. Mostra um cenário em que apenas as reservas legais, APP e parques permanecem, sem nenhum corredor ecológico de ligação entre estas áreas remanescentes. A palavra que melhor descreve essa situação de reservas isoladas sem conexão entre elas é “fragmentação”. A fragmentação ocorre quando áreas naturais são divididas em pedaços menores, sem corredores ecológicos que permitam a movimentação de espécies entre esses fragmentos. Essa falta de conectividade pode ter impactos negativos na biodiversidade e na saúde dos ecossistemas;
- Alterações na cobertura vegetal (0.2): o índice de 0.2 sugere que apenas 20% da cobertura vegetal original permanece, indicando uma transformação drástica da paisagem e possível conversão para usos não naturais, como agropecuária ou urbanização. Como trata-se de um sistema, onde as partes estão interligadas, a alteração no indicador sobre cobertura vegetal natural implica obrigatoriamente em mudanças nos outros componentes do sistema e em consequências nos indicadores associados;
- Degradação dos solos (0.4): com 60% da qualidade do solo original comprometida, este valor aponta para uma degradação moderada e caminhando para severa. Isso pode resultar em perda de usabilidade agropastoril, aumento da erosão e alterações na capacidade do solo de suportar a vida vegetal e animal;
- Alterações nos regimes hídricos (0.3): este valor indica que 70% da funcionalidade original dos ecossistemas aquáticos e regimes hídricos está comprometida, podendo resultar em mudanças na disponibilidade de água, qualidade e afetar a vida aquática e terrestre. As alterações nos regimes hídricos referem-se a mudanças significativas nos padrões de disponibilidade e distribuição da água em uma determinada região. Essas alterações podem ser causadas por diversos fatores, incluindo mudanças climáticas, no regime de chuvas, desmatamento, urbanização, uso agrícola e construção de barragens;
- Aumento de espécies invasoras (0.5): um valor de 0.5 sugere que as espécies invasoras têm um impacto significativo, possivelmente igualando a presença de espécies nativas. Isso pode levar à alteração dos ecossistemas locais e à supressão ou extinção de espécies nativas. Um exemplo são as gramíneas. No cerrado brasileiro, algumas espécies de capins devem ser consideradas espécies exógenas invasoras. Essas gramíneas, originárias de outras regiões, podem se estabelecer no cerrado e causar impactos significativos no ecossistema local. Utilizadas em pastagens o que implica extensa invasão. Alguns exemplos de capins invasores no cerrado:
- Capim jaraguá: originário da África, o capim jaraguá é uma espécie invasora que pode modificar o ambiente natural e competir com as espécies nativas;
- Capim gordura: essa gramínea africana é invasora e pode afetar negativamente a comunidade de plantas herbáceas e lenhosas do cerrado;
- Braquiárias: as braquiárias são gramíneas exóticas frequentemente utilizadas em pastagens, mas também podem se tornar invasoras no cerrado, competindo com as espécies nativas; e
- Capim colonião: ela pode alterar os regimes hídricos e a composição da vegetação nativa
Essas gramíneas invasoras representam um desafio para a conservação do cerrado.
- Mudanças nos Ciclos de Fogo (0.4): indica que a frequência, intensidade ou regime dos incêndios mudaram de forma significativa, afetando 60% da dinâmica original do fogo no Cerrado, o que pode ter profundas implicações para a regeneração vegetal e a composição da fauna; e
- Diminuição dos Serviços Ecossistêmicos (0.3): este valor reflete uma perda considerável (70%) na capacidade do sistema fornecer serviços essenciais, como polinização, controle de erosão, purificação da água, regulação hídrica e sequestro de carbono.
Calculando a média do Índice de Integridade do Cerrado (IIC) para a estimativa do ano de 2064, encontramos (IIC)Cerrado≈0,34 (muito mais próximo de zero do que de um) o que indica uma forte crise referente à integridade e funcionalidade do Sistema Biogeográfico do Cerrado.
Gráfico 7 – Índice de Integridade do Cerrado – Previsão para 2064

Quando apenas 20% da vegetação nativa do Cerrado permanece, os indicadores apontam para uma degradação ambiental severa, com impactos significativos na biodiversidade, no solo, na água, e na capacidade de manutenção dos serviços ecossistêmicos. Esses indicadores sugerem a necessidade urgente de ações de conservação e restauração para prevenir uma degradação ainda maior e promover a recuperação do ecossistema.
Estas informações, como dito, sugerem perda significativa da integridade funcional do Sistema Biogeográfico do Cerrado e têm implicações diretas e indiretas para a população local e global. Segue algumas das principais consequências dessas alterações referentes aos indicadores utilizados:
- A perda de biodiversidade no Cerrado traz consequências severas para a resiliência do sistema, comprometendo sua capacidade de adaptação a mudanças e perturbações ambientais. Essa redução na biodiversidade pode afetar diretamente a população local, limitando a disponibilidade de recursos essenciais como plantas medicinais, alimentos e materiais diversos. Além disso, a diminuição da cobertura vegetal altera significativamente o microclima regional, provocando aumento de temperatura e alterações nos padrões de precipitação, o que, por sua vez, impacta diretamente a agropecuária local. Essas mudanças podem resultar em variações na produtividade agrícola e na seleção de culturas, além de elevar os custos de refrigeração e reduzir o conforto térmico nas habitações;
- A degradação dos solos representa outro grave problema, afetando a usabilidade do solo, a segurança alimentar, aumentando o risco de erosão e consequente perda de terras agricultáveis, bem como o assoreamento de rios e reservatórios, impactando negativamente o abastecimento de água e as atividades de irrigação e pesqueira. Alterações nos regimes hídricos também são preocupantes, pois afetam a disponibilidade e a qualidade da água para consumo humano, animal, irrigação e geração de energia hidrelétrica, podendo gerar conflitos pelo uso da água e aumentar a vulnerabilidade a secas e inundações;
- O aumento de espécies invasoras pode gerar competição com a agricultura e a pecuária local, modificando fortemente a estrutura do sistema de maneira prejudicial. O controle dessas espécies demanda investimentos consideráveis. Mudanças nos ciclos de fogo, com aumento na frequência e intensidade de incêndios, representam riscos diretos para a segurança, moradia e subsistência da população local, afetando também a biodiversidade nativa; e
- A diminuição dos serviços ecossistêmicos, como polinização, controle de erosão e regulação do clima, impacta a vida humana e animal, a agropecuária e a produção de energia. A redução no sequestro de carbono pode agravar as mudanças climáticas globais, com efeitos locais significativos. Até 2064, prevê-se que essas alterações no Cerrado influenciam drasticamente um quarto do território nacional, com repercussões globais que afetam o clima e outros indicadores essenciais, comprometendo seriamente a capacidade da região de sustentar a vida humana e natural, aumentando a vulnerabilidade a desastres, deteriorando a saúde e o bem-estar da população local e potencializando conflitos por recursos naturais escassos.
As profundas alterações nos indicadores de integridade e funcionalidade do Cerrado afetam diretamente a capacidade de sustentar a vida humana e natural. Para a população local, isso pode resultar em perda de meios de subsistência, aumento da vulnerabilidade a desastres naturais, deterioração da saúde e do bem-estar, e possíveis conflitos por recursos naturais limitados. Isto representa, na previsão para 2064, uma mudança drástica em um quarto do território nacional com repercussão global nos indicadores levantados, inclusive o clima global.
Figura 5 – Impactos da retirada intensiva da vegetação no Cerrado

O Cerrado e o mundo. Para abordar a importância do sistema biogeográfico do Cerrado com maior profundidade, diversidade e inovação, é preciso explorar aspectos interdisciplinares e integrar perspectivas mais amplas que conectam a ecologia, a socioeconomia e as políticas globais de sustentabilidade.
O Cerrado não é apenas um dos sistemas biogeográficos mais biodiversos do planeta, mas também um laboratório vivo para a pesquisa científica e a inovação em conservação. Suas adaptações únicas a condições ambientais extremas, como o fogo e a seca, fornecem insights valiosos sobre resiliência e adaptação ecológica, essenciais para compreender e combater os impactos das mudanças climáticas globais. Estudar como as espécies do Cerrado evoluem e se adaptam pode inspirar soluções biotecnológicas inovadoras, contribuindo para a agropecuária sustentável, medicamentos e materiais ecologicamente corretos.
- Do ponto de vista climático. O Cerrado é uma peça-chave no quebra-cabeça do clima global. Seu papel vai além do sequestro de carbono, influenciando os sistemas climáticos e hidrológicos. A vegetação do Cerrado interage com a atmosfera de maneiras complexas, influenciando a formação de nuvens e os padrões de precipitação não só na América do Sul, mas também em regiões distantes. Essas interações são cruciais para modelos climáticos precisos e estratégias de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, ressaltando a necessidade de integrar o conhecimento ecológico do Cerrado nas políticas climáticas globais.
- Economicamente e socialmente. O Cerrado é um motor de atividades humanas, mas seu uso insustentável tem levado à degradação. Estratégias inovadoras que equilibram uso e conservação podem transformar o Cerrado em um modelo de desenvolvimento sustentável. Por exemplo, a agroecologia e a bioeconomia, baseadas na rica biodiversidade do Cerrado, podem oferecer alternativas econômicas sustentáveis, promovendo a segurança alimentar e o desenvolvimento socioeconômico sem comprometer a saúde ecológica.
- Politicamente. O Cerrado está no centro de discussões globais sobre biodiversidade e mudanças climáticas. A cooperação internacional em pesquisas, políticas de conservação e iniciativas de desenvolvimento sustentável podem ser fortalecidas pelo reconhecimento da importância global do Cerrado. As decisões sobre seu futuro têm implicações internacionais, servindo como um teste para a capacidade da comunidade global de unir-se em torno da conservação da biodiversidade e do combate às mudanças climáticas.
Em suma, ao ser adotada uma abordagem mais integrativa e inovadora, reconhecendo que o Cerrado é um sistema vital que contribui para a estabilidade ecológica e climática global, oferecendo lições valiosas para a sustentabilidade, a resiliência e a coexistência harmoniosa entre humanos e a natureza.

Enquanto nada disso acontece o futuro do Cerrado está atrelado ao aprofundamento, enquanto sistema biogeográfico, da retirada continuada, persistente da vegetação nativa, a conversão do solo e às alterações climáticas, principalmente temperatura e insolação, tudo já comprovado nos dados fornecidos aqui no artigo.
O Cerrado está enfrentando desafios sem precedentes. As pressões combinadas da perda extrema de vegetação natural, do aumento significativo da temperatura média em 2,6ºC e da elevação de 3,34% na insolação estão empurrando o Cerrado para além do seu limite de resiliência. O conceito de “limite de resiliência” refere-se à capacidade de um ecossistema de absorver perturbações e ainda assim manter suas funções essenciais. Quando esse limite é ultrapassado, o sistema pode sofrer mudanças irreversíveis, resultando no surgimento de um novo sistema biogeográfico.
A perda de vegetação no Cerrado não apenas diminui a biodiversidade, mas também compromete a estabilidade do solo e a regulação dos ciclos hídricos. Sem a vegetação nativa para proteger e enriquecer o solo, ocorre a degradação e a arenização. Esse processo é agravado pelo aumento da temperatura, que intensifica a evapotranspiração e reduz a disponibilidade de água, essencial para a sobrevivência das plantas e dos animais. A combinação desses fatores pode transformar o Cerrado de uma savana rica e diversificada em um ambiente árido e empobrecido. Ou em algo totalmente desconhecido. Podendo ser melhor ou pior. Mas acontecimentos mundiais exemplares mostram o pior.
Além disso, o aumento da insolação significa mais energia solar atingindo o solo, elevando ainda mais as temperaturas e exacerbando a seca. Espécies de plantas e animais que não conseguem se adaptar a essas novas condições podem enfrentar a extinção local. Isso altera drasticamente a composição do sistema, favorecendo espécies mais resistentes ao calor e à seca, mas reduzindo a diversidade geral. Esses novos padrões de vegetação e fauna representam uma mudança fundamental nos ecossistemas, sinalizando o surgimento de um novo sistema biogeográfico.

Esse novo sistema biogeográfico é caracterizado por uma menor resiliência e uma maior vulnerabilidade a perturbações. Sem a diversidade e as interações complexas que caracterizam o Cerrado original, o novo sistema pode ser menos capaz de sustentar serviços ecossistêmicos críticos, como a regulação climática e a provisão de água. Fenômenos emergentes, muitas vezes inesperados, podem tornar-se mais comuns, incluindo padrões climáticos extremos e frequentes incêndios florestais. A imprevisibilidade aumenta, tornando a gestão e a conservação do sistema biogeográfico ainda mais desafiadoras.
O efeito dominó é evidente: uma mudança nas propriedades ou na estrutura de um componente do Cerrado altera as relações entre todos os outros componentes. Essas mudanças desencadeiam uma cascata de consequências que, em última análise, reconfiguram o sistema biogeográfico. O surgimento deste novo sistema biogeográfico é um mistério que ainda está se desdobrando, mas suas implicações são claras. O Cerrado, como o conhecemos, pode estar desaparecendo, sendo substituído por um ambiente totalmente desconhecido.
O Cerrado está em um ponto crítico. As pressões combinadas da perda de vegetação, do aumento da temperatura e da insolação estão empurrando o sistema além de seu limite de resiliência. O surgimento de um novo e misterioso sistema biogeográfico no lugar do Cerrado original representa uma perda significativa de biodiversidade e serviços ecossistêmicos. É essencial que medidas urgentes de conservação e gestão sustentável sejam implementadas para tentar mitigar esses impactos. Somente por meio de um esforço coordenado e contínuo é possível preservar o que resta deste sistema vital e evitar a total transformação do Cerrado em um ambiente provavelmente diferente e empobrecido.

Nota explicativa [1]. O termo “ceticismo esperançoso” pode ser interpretado como uma abordagem filosófica ou atitudinal que combina uma visão crítica e questionadora (ceticismo) com uma perspectiva otimista ou esperançosa. Essa combinação pode parecer paradoxal à primeira vista, mas na verdade reflete uma maneira equilibrada de encarar desafios e problemas, mantendo ao mesmo tempo uma atitude positiva sobre o futuro e as possibilidades de mudança e melhoria.
Características do ceticismo esperançoso:
1. Questionamento crítico: o ceticismo é fundamentalmente uma postura de questionamento e dúvida em relação a afirmações, crenças ou suposições estabelecidas. O “cético esperançoso” utiliza essa ferramenta para analisar criticamente situações, ideias ou políticas, não aceitando coisas como verdadeiras sem uma avaliação criteriosa das evidências.
2. Otimismo informado: apesar de manter uma postura questionadora, o cético esperançoso se distingue por um otimismo cauteloso. Esse otimismo não é ingênuo ou baseado em desejo irreal, mas fundamentado na compreensão de que, apesar das imperfeições e desafios, existe potencial para progresso e soluções positivas. Este otimismo é frequentemente alimentado por conhecimentos científicos, históricos ou pessoais que sugerem que mudanças positivas são possíveis.
3. Engajamento ativo: ao contrário de um ceticismo puro que pode levar ao desengajamento devido à desilusão ou descrença nas possibilidades de mudança, o ceticismo esperançoso impulsiona a ação. Ele encoraja indivíduos a se envolverem ativamente na busca de soluções, na crença de que seu envolvimento crítico pode levar a melhorias reais.
4. Abertura para revisão: esta abordagem também implica uma mente aberta para revisar crenças e opiniões quando confrontado com novas evidências ou argumentos persuasivos. O ceticismo não é um fim em si mesmo, mas um meio para alcançar uma compreensão mais precisa e fundamentada.
5. Equilíbrio entre idealismo e realismo: o ceticismo esperançoso busca um equilíbrio entre o idealismo, que aspira a elevados padrões éticos e soluções ideais, e o realismo, que reconhece as limitações práticas e imperfeições do mundo real.
Aplicação do ceticismo esperançoso: em contextos como mudanças climáticas, políticas públicas, educação e saúde, o ceticismo esperançoso pode ser uma ferramenta valiosa. Ele permite que as pessoas se engajem em discussões críticas e na busca por soluções, enquanto mantêm uma perspectiva positiva sobre a capacidade de superar obstáculos e alcançar resultados desejáveis.
Portanto, o “ceticismo esperançoso” é uma forma de pensar e agir que pode ser particularmente útil em tempos de incerteza e desafio, oferecendo uma forma de navegar por complexidades sem cair no desespero ou na passividade.
Nota explicativa [2]. Foi utilizado o Big Data Analytics para realizar análises preditivas. Esse modelo de análise de Big Data se propõe a projetar o futuro. Com base nos dados acumulados sobre o passado, a inteligência artificial (IA) reconhece padrões para ser capaz de apontar os próximos cenários e permitir um planejamento mais preciso. O Big Data Analytics permite consultas quantitativas e qualitativas via sites, periódicos, dentre outros meios de comunicação científica.
Dados diretos:
- MapBiomas. O Projeto de Mapeamento Anual do Uso e Cobertura da Terra no Brasil (MapBiomas), realizado pelo Observatório do Clima (SEEG/OC) e colaboradores, disponibiliza mapeamentos da cobertura e uso do solo no Brasil em regiões tropicais, de 1985 a 2022. permite cruzar e visualizar informações de desmatamento, regeneração, atividades realizadas na região, além de imagens de satélite de áreas protegidas, delimitações de municípios, estados, bacias hidrográficas e sistemas biogeográficos. Principalmente dados históricos sobre desmatamento;
- O INPE apresenta dados inéditos de desmatamento para todo o Brasil na plataforma TerraBrasilis (PRODES E DETER). Esses dados são essenciais para monitorar incêndios florestais e mudanças na cobertura vegetal;
- Dados do INMET por períodos – principalmente, neste caso, dados sobre temperatura e insolação;
- INDE (Portal de Mapas do IBGE): o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) disponibiliza informações geoespaciais, incluindo mapas e dados sobre o meio ambiente.
Busca amplificada de dados:
- Cadastro Ambiental Rural (CAR): o CAR é um registro eletrônico obrigatório para propriedades rurais no Brasil. Ele contém informações sobre áreas de preservação permanente, reserva legal e uso do solo;
- SINTEGRA: o Sistema Integrado de Informações sobre Operações Interestaduais com Mercadorias e Serviços (SINTEGRA) oferece dados sobre atividades econômicas, incluindo aquelas relacionadas ao meio ambiente;
- BNDES: o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) fornece informações sobre projetos de desenvolvimento sustentável e financiamento ambiental;
- Artigos científicos e notícias em jornais;
- Artigos científicos relevantes que abordam diferentes aspectos do Cerrado. Aqui estão alguns exemplos:
- Revista Caminhos de Geografia: regularidade ambiental das áreas de reserva legal do cerrado brasileiro;
- Cerrado ameaçado: este artigo da Revista Pesquisa Fapesp discute como a rápida eliminação da vegetação nativa e a conversão dessas terras em pastagens e plantações estão alterando a ecologia e o clima do Cerrado de maneira que pode se tornar irreversível em algumas regiões;
- O Bioma Cerrado: uma tese disponível na Universidade Federal de Viçosa (UFV) oferece uma introdução abrangente sobre o Cerrado, incluindo sua localização, características ecológicas, diversidade adaptada às condições climáticas, edáficas e píricas, e os desafios enfrentados pelo bioma;
- Cerrado: história, cultura, potencialidades e desafios: um grupo de artigos disponíveis na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) explora as potencialidades naturais do Cerrado, incluindo análises espaciais da temperatura de superfície e estudos de caso sobre o uso do solo no advento do agronegócio da cana-de-açúcar;
- Artigos científicos de Cerrado: a Revista Científica oferece uma seleção de artigos sobre o Cerrado, abordando temas como o cenário atual das pastagens no estado do Tocantins e outros aspectos relevantes para o entendimento e conservação do sistema.
Nota explicativa [3]. O “limite de resiliência” é um conceito crítico em ecologia e gestão de sistemas que descreve o ponto ou limiar além do qual um sistema não consegue mais retornar ao seu estado original após sofrer uma perturbação. Uma vez ultrapassado esse limite, o sistema pode entrar em um estado alternativo com diferentes características estruturais e funcionais, frequentemente associadas a uma redução na qualidade ou na capacidade de fornecer serviços e funções ecossistêmicas essenciais. Este conceito é fundamental para entender a dinâmica dos ecossistemas e a capacidade de recuperação diante das mudanças ambientais e pressões antrópicas.
Explicação Detalhada do Limite de Resiliência:
1. Definição de Resiliência: em ecologia, a resiliência refere-se à capacidade de um ecossistema de absorver perturbações e reorganizar-se enquanto sofre mudanças, de modo a ainda manter as mesmas funções, estrutura, identidade e feedbacks.
2. Identificação do Limite: o limite de resiliência é identificado quando as mudanças são tão significativas que o sistema não consegue mais retornar ao seu “estado de referência” ou condição anterior, mesmo após a remoção da pressão ou perturbação que causou a alteração inicial.
3. Transições de Regime: ao exceder o limite de resiliência, o sistema pode passar por uma “transição de regime” que o leva a um novo estado de equilíbrio dinâmico. Este novo estado pode ser menos desejável e possuir menor biodiversidade, capacidade produtiva ou habilidade para prover serviços ecossistêmicos.
4. Implicações Práticas: compreender e identificar os limites de resiliência é crucial para a gestão de recursos naturais e a conservação ambiental. Isso permite aos gestores e formuladores de políticas implementar medidas que evitem ultrapassar tais limites, garantindo a sustentabilidade dos ecossistemas.
Exemplos de Aplicação:
– Mudança climática: em um contexto de mudança climática, entender o limite de resiliência de um ecossistema pode ajudar a prever e mitigar os impactos de eventos extremos e alterações climáticas de longo prazo.
– Gestão de pesca: na pesca, o conceito ajuda a estabelecer quotas e práticas de manejo que evitem o colapso de populações de peixes.
– Restauração ecológica: em projetos de restauração, é essencial saber até que ponto um ecossistema degradado pode ser restaurado para seu estado anterior, ou se são necessárias estratégias adaptativas para um novo contexto ecológico.
Em suma, o “limite de resiliência” é um conceito dinâmico que desempenha um papel vital no entendimento de como os sistemas respondem às perturbações e como eles podem ser gerenciados de forma eficaz para manter sua integridade e funcionalidade a longo prazo.
Nota explicativa [4]. A conversão do solo é um processo que envolve várias etapas e impactos ambientais significativos, incluindo a retirada de vegetação nativa e sua substituição por espécies não nativas, ou exógenas. Essas espécies podem ser culturas agrícolas, pastagens para gado, ou até mesmo flora ornamental em contextos urbanos. Este processo de substituição não só altera a paisagem visível, mas também afeta profundamente a ecologia do local.
1. Retirada e substituição da vegetação nativa:
A conversão do solo começa com a eliminação da vegetação nativa, uma ação que por si só tem profundas implicações ecológicas. A vegetação nativa geralmente possui adaptações complexas ao seu ambiente local, incluindo relações simbióticas com a fauna e flora do solo e um papel crucial no ciclo hidrológico e de nutrientes da região. A substituição por espécies exógenas, que muitas vezes são selecionadas por sua produtividade agrícola ou estética, raramente oferece os mesmos benefícios ecológicos. Espécies não nativas podem ser menos eficientes na prevenção da erosão, podem demandar mais água e nutrientes e podem não fornecer habitat para a fauna local.
2. Mudanças na estrutura do solo:
A estrutura do solo é frequentemente alterada durante o processo de conversão do solo. Práticas como aragem (ou arado) revolvem o solo, o que pode ser benéfico para algumas culturas agrícolas no curto prazo, mas que também pode levar à degradação da estrutura do solo ao longo do tempo, aumentando a suscetibilidade à erosão e diminuindo a capacidade de retenção de água. Em áreas de pastagem, o pisoteio por gado pode levar à compactação do solo, o que reduz sua porosidade, limitando a infiltração de água e a aeração, condições essenciais para a saúde do solo.
3. Mudança na química do solo:
A conversão do solo também afeta sua composição química. A retirada da vegetação nativa e a introdução de culturas que requerem alta entrada de nutrientes alteram o equilíbrio químico do solo. O uso de fertilizantes químicos pode aumentar a disponibilidade de certos nutrientes, mas também pode levar à acidificação do solo ou à salinização, especialmente se não forem gerenciados corretamente. Além disso, pesticidas e herbicidas usados para manter as culturas podem contaminar o solo e as águas subterrâneas, afetando não apenas a microfauna e microflora do solo, mas também a saúde humana e ambiental a longo prazo.
4. Mudanças na composição biológica:
Finalmente, a conversão do solo tem um impacto direto na composição biológica do solo. A microfauna e microflora nativas, que desempenham papéis vitais na decomposição de matéria orgânica, na ciclagem de nutrientes e na supressão de doenças do solo, podem ser drasticamente alteradas. A introdução de novas plantas altera a matéria orgânica disponível e pode favorecer organismos do solo adaptados a essas novas condições, muitas vezes em detrimento da diversidade biológica original.
Cada um desses aspectos da conversão do solo demonstra como as mudanças induzidas pela atividade humana podem ter efeitos cascata sobre os ecossistemas locais e sistemas, ressaltando a necessidade de abordagens de gestão de terra que considerem a sustentabilidade ecológica e a conservação a longo prazo. Essas mudanças têm consequências de longo alcance, afetando não apenas a área imediata, mas também a saúde ambiental e a sustentabilidade em escalas regionais e globais.
Nota explicativa [5]. ”Se nada mudar” em relação às práticas atuais de uso e exploração do Cerrado implica a continuação da expansão agropecuária não sustentável, do desmatamento e da conversão de terras nativas em áreas para agricultura e pecuária e urbanização sem a implementação de medidas eficazes de conservação ou de gestão ambiental responsável. Isso significa manter o status quo, onde as práticas econômicas de curto prazo prevalecem sobre a sustentabilidade ecológica, levando a um ciclo de degradação que compromete a biodiversidade, os serviços ecossistêmicos e a resiliência do sistema a longo prazo. Tal cenário sugere um futuro em que o potencial do Cerrado para contribuir para a manutenção dos serviços ecossistêmicos – segurança hídrica, a regulação climática e a diversidade biológica, dentre outros – é progressivamente diminuída, afetando não apenas as espécies e habitats locais, mas também as comunidades humanas que dependem desses recursos.
Nota explicativa [6]. A equação de regressão linear foi montada a partir de dados históricos sobre a cobertura vegetal do Cerrado Brasileiro entre os anos de 1985 e 2022. A seguir, os passos principais para montar a equação:
- Coleta de dados – foram coletados dados anuais da porcentagem de cobertura vegetal do Cerrado para os anos de 1985 a 2022 tendo como referência a plataforma MapBiomas sobre cobertura e uso do solo. Estes dados foram expressos como pares (ano, percentual de cobertura vegetal). Conforme tabela a seguir.
MapBiomas – série histórica sobre cobertura e uso do solo.
Preparação dos dados: os anos foram usados como a variável independente (X), e os percentuais de cobertura vegetal como a variável dependente (Y). Por exemplo, para o ano 1985 com 55,28% de cobertura, o par seria (1985, 55.28).
Modelo de regressão linear: a regressão linear é um método estatístico que relaciona a variável independente (X) com a variável dependente (Y) através de uma linha reta. A equação da linha reta é dada por:
Y=aX+b
Onde:
Y é a variável dependente (percentual de cobertura vegetal).
X é a variável independente (ano).

𝑎 é o coeficiente angular, que representa a inclinação da linha (a taxa de variação do percentual de cobertura vegetal por ano).
𝑏 é o coeficiente linear, que representa o intercepto da linha com o eixo 𝑌 (o valor de 𝑌 quando 𝑋=0).
Cálculo dos coeficientes:
Coeficiente Angular (a): este coeficiente foi calculado usando o método dos mínimos quadrados, que minimiza a soma dos quadrados das diferenças entre os valores observados e os valores previstos pela linha de regressão. Ele indica a média de mudança anual no percentual de cobertura vegetal.
Coeficiente Linear (b): este coeficiente também foi calculado usando o método dos mínimos quadrados e representa o valor teórico do percentual de cobertura vegetal no ano zero. Embora o ano zero não tenha relevância prática, o intercepto ajuda a definir a posição da linha de regresso.
Equação da Regressão Linear: com os coeficientes calculados, a equação da regressão linear foi montada como:
Cobertura Vegetal (%)
=-0.4129×Ano+874,50
Utilização da Equação: esta equação foi então utilizada para fazer previsões sobre a cobertura vegetal do Cerrado em anos específicos, como 2024 e 2064, e para determinar em qual ano a cobertura vegetal será 18%.
Exemplos de Uso da Equação
- Previsão para 2024: substituindo 𝑋=2024 na equação, calculamos:
Cobertura Vegetal (2024)=-0.4129×2024+874.50≈38.75%
- Previsão para 2064: substituindo 𝑋=2064 na equação, calculamos:
Cobertura Vegetal (2064)=-0.4129×2064+874.50≈22.24%
- Ano em que a Cobertura será 18%: resolvendo:
18=-0.4129×X+874.5018
para X, encontramos que será em aproximadamente 2074.
Essa abordagem permite usar dados históricos para fazer previsões futuras sobre a cobertura vegetal do Cerrado.
Nota explicativa [7]. Distinguindo entre a medida de insolação e conceito de insolação total conforme utilizado pelo INMET (Instituto Nacional de Meteorologia).
A Medida de Insolação refere-se à quantidade de radiação solar direta recebida em um local específico durante um período determinado. A medida é geralmente expressa em horas de sol por dia ou por mês. Os principais pontos sobre a medida de insolação são:
- Unidade de Medida: horas de sol;
- Instrumento: o heliógrafo ou piranômetro são utilizados para medir a quantidade de luz solar direta;
- Frequência: pode ser medida diariamente, mensalmente ou anualmente;
- Uso: utilizada para estudar padrões climáticos, planejamento agrícola, estudos de energia solar, entre outros.
Conceito de insolação total pelo INMET. A Insolação Total, conforme utilizado pelo INMET, refere-se ao total acumulado de horas de sol durante um período específico, como um mês ou um ano. Este conceito é uma agregação da medida diária de insolação ao longo de um período maior. Os principais pontos sobre a insolação total são:
- Unidade de Medida: horas de sol acumuladas;
- Período de Tempo: normalmente referida para períodos mensais ou anuais;
- Aplicação: utilizada para análises climáticas mais abrangentes, estudos sobre mudanças climáticas, planejamento de atividades agrícolas de longo prazo, entre outros.
Exemplos Práticos:
- Medida de insolação: se uma estação meteorológica registra 6 horas de sol em um dia específico, esta é a medida de insolação para aquele dia;
- Insolação Total: se a soma das horas de sol ao longo de um mês é 180 horas, esta é a insolação total para aquele mês;
- O mesmo cálculo vale para o ano.
Essas distinções são importantes para a interpretação correta dos dados meteorológicos e para sua aplicação em diversas áreas como a agricultura, energia solar e estudos climáticos.
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