As poderosas conexões entre Albert Einstein, Sigmund Freud e Moisés

14 maio 2016 às 10h56

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Correspondência entre os dois gênios judeus do século 20 revela que o físico e o psicanalista eram amigos e não entendiam suas respectivas profissões. Mas concordavam em um ponto: nas qualidades de Moisés

No começo deste mês foi aniversário de 160 anos do pai da Psicanálise, Sigmund Freud. Em maio de 1936, poucas semanas antes de completar 80 anos, ele reclamou ao fiel amigo e biógrafo Ernest Jones que não tinha motivos para comemoração. Mas Jones revelou, algum tempo depois, que Freud na verdade gostava e saboreava o reconhecimento internacional que alcançou em vida, principalmente as mensagens e expressões de admiração que eram enviadas por personalidades mundiais de sua época.
No dia 6 de maio, data de seu aniversário, Freud recebeu 191 mensagens de congratulações pelo 80º aniversário, entre elas de escritores já consagrados como Thomas Mann, Romain Rolland, H.G. Wells, Virginia Woolf e Stefan Zweig. O físico Albert Einstein também estava entre os admiradores do psicanalista. Freud, assim que recebeu a carta do formulador da teoria da relatividade, respondeu imediatamente, num texto recheado de elogios, no entanto carregado de um humor ácido e sarcástico. A partir daí os dois gênios, até o fim da vida, trocaram correspondências intensamente. O acervo é impressionante. São centenas de cartas escritas por dois gigantes que deixaram sua marca na experiência e consciência do século 20.
As cartas são preciosas. Revelam uma profunda relação intelectual, baseada no respeito mútuo, mas também uma completa falta de entendimento, tanto de Freud quanto de Einstein, para compreender as pesquisas um do outro. No caso de Einstein, ele chegava até a questionar os valores científicos do colega. A amizade levou os dois a discussões profundas sobre os princípios que moldaram suas visões de mundo e a identificação com o judaísmo.
Em 1926, numa carta para um sobrinho que morava em Londres, Freud escreveu: “Os judeus do mundo todo me vangloriam e me comparam com Einstein”. Um ano antes, na cerimônia de lançamento da pedra fundamental do que viria ser a Universidade Hebraica de Jerusalém, o renomado lord Balfour citou o nome de Freud, e disse que o austríaco era um dos três judeus que mais influenciaram a filosofia e a cultura modernas. Os outros dois eram Einstein e o filósofo francês Henri Bergson.
Em 1928, Albert Einstein, que já tinha sido consagrado com o Nobel de Física, recusou-se a endossar a candidatura de Freud ao prêmio. De acordo com Peter Gay, autor da mais completa biografia do psicanalista austríaco, Einstein alegou que não tinha uma opinião confiável sobre as “verdades de Freud” e acrescentou: “Sem dúvida nenhuma, um psicanalista como Freud deveria ser indicado para o Nobel de Medicina e Fisiologia”. Mas a candidatura de Freud ao Nobel foi rechaçada pelo comitê, com argumentos de que o psicanalista tinha a mente tão doente quanto a de seus pacientes.
Em 1932, a Liga das Nações, uma organização internacional, idealizada em 1919 em Versalhes, na França, onde as potências vencedoras da Primeira Guerra Mundial se reuniam para manter os acordos de paz até a criação da ONU em 1947, estava convocando novos participantes, e Einstein era um deles. Foi a partir daí que ele iniciou discussões com Freud, por meio de cartas, para tentar entender as razões das guerras modernas, para então, prevenir que outro desastre, como a Primeira Guerra Mundial, se abatesse sobre a Europa. Einstein escreveu: “Eu sei que nas suas pesquisas podemos encontrar respostas explícitas ou implícitas, para todos os pontos desse problema urgente. Para o nosso bem, é imprescindível que você apresente ao mundo suas mais recentes descobertas em face às dificuldades que envolvem a manutenção da paz mundial”.
Violência
Apesar do repúdio pela violência em massa, era apenas isso que Freud e Einstein tinham em comum quando o assunto era guerra. Enquanto Freud conectava a violência a impulsos psicológicos básicos, comum entre as pessoas, Einstein focava no aspecto político a fonte da violência.
As discordâncias não colocaram fim à profunda relação de amizade que os dois desenvolveram. Na carta que escreveu a Freud, em seu aniversário de 80 anos, Einstein afirma que não tem dúvidas de que o psicanalista não facilitou para que um cético e leigo como ele pudesse de forma independente julgar suas descobertas. “Não muito tempo atrás eu tive a oportunidade de ouvir e aprender sobre alguns casos que em meu julgamento excluem qualquer interpretação, senão a sua, sobre a teoria da repressão. Tive prazer em estudá-la. É sempre prazeroso quando uma grande e bela concepção prova ser tão consistente com a realidade.”
Na mesma carta Einstein “implora” a Freud a não respondê-lo, já que só o sentimento de satisfação de poder lhe enviar uma carta pelo aniversário já era suficiente. Mesmo assim, Freud respondeu no dia 3 de maio de 1936: “Impossível atender ao seu pedido. Preciso lhe dizer como estou contente em saber sobre as mudanças em seus julgamentos ou pelo menos um movimento nessa direção. É claro que eu sempre soube de sua admiração e que mesmo assim pouco se convencia de minhas teorias. Sempre me pergunto se há realmente algo a se admirar, já que elas não contêm nenhum grau de verdade”.
“Você é tão mais jovem que eu que espero que, quando chegar à minha idade, você já tenha se tornado meu discípulo. Como não estarei aqui para ver isso, lhe antecipo a minha admiração”, disse Freud.
Em maio de 1939, doente e perseguido pelos nazistas, Freud estava prestes a deixar Viena, quando Einstein lhe escreveu agradecendo por enviar uma cópia de seu último livro — “Moisés e o Monoteísmo”. Freud precisava de todo apoio possível. A obra enfureceu tanto judeus intelectuais, que se decepcionaram com o fato de psicanalista ter afirmado que Moisés tinha uma linhagem nobre, quanto os nazistas, que viram no livro a tentativa de o psicanalista atribuir um papel central do Judaísmo no desenvolvimento ético e cultural do Ocidente.
Segundo Freud, Moisés representa a forma de como os líderes do Ocidente deveriam se relacionar entre si e seus seguidores numa sociedade democrática, que é racional e busca desenvolver indivíduos com autonomia ética. Moisés representava por intermédio de seus próprios valores a personificação da abordagem racional e autocontrole que foram submetidos a um processo de sublimação pessoal. E graças a isso ele pôde “receber” e articular os Dez Mandamentos, o código de ética que até hoje guia a sociedade ocidental. O legado da religião de Moisés não é fundamentalista, afirma Freud; ao contrário, exige de seus seguidores a responsabilidade pessoal.
Einstein também se identificava com a imagem de um líder exemplar como Moisés, que para ele se apresentava muito mais como liderança ideal ao compará-lo a Hitler e o fascismo. Dez anos antes, em 1929, as mesmas ideias de Freud sobre o líder ideal foram colocadas por Einstein em um artigo em que presta homenagens a Gustav Stresemann, um político alemão que ajudou a estabilizar a República de Weimar (nome dado à República estabelecida na Alemanha após a Primeira Guerra Mundial em 1919 e que durou até o início do regime nazista).
No texto Einstein destaca que Stresemann possui características de líderes do passado e que não agia como representante de uma classe específica — assim como Moisés. O cientista salientou que Stresemann se distinguia da classe política assim como um gênio é diferente de um profissional. Pelo menos neste ponto, o pai da Teoria da Relatividade e o pai da Psicanálise concordavam: tinham em Moisés e seu legado o mesmo ponto de referência.