Saga dos brasileiros que percorreram 15 países pra fazer projeto de estrada pra integrar as Américas
10 outubro 2015 às 12h27
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O livro “O Brasil Através das Três Américas” revela que três brasileiros percorreram 28 mil quilômetros. Um deles depois fundou Ceres, em Goiás, e outro ajudou a construir Brasília
O jornalista Euler de França Belém é também um garimpeiro de livrarias e sebos, ocupação nobre e merecedora dos melhores elogios e incentivos. Ele acaba de descobrir uma grossa pepita. E não é daqueles livros antigos, raros, que só encontramos depois de muito escarafunchar nos sebos poeirentos que escondem preciosidades. É um livro moderno, de 2011, bilíngue, em português e inglês, que pouco ou nada, não sei por quê, apareceu na crítica.
Em resumido panorama, pois não quero privar o leitor do prazer de lê-lo todo, em seus surpreendentes detalhes e históricas fotografias, trata-se do seguinte: “O Brasil Através das Três Américas”, livro organizado por Beto Braga (José Roberto Faraco Braga), um paulista aficionado por automobilismo, veio de vasto documentário que seu amigo Erland de Oliveira Gonçalves colocou à sua disposição.
Erland de Oliveira é filho do comandante de uma pequena expedição (apenas três brasileiros) que cumpriu, considerada a época e os recursos disponíveis, a mais incrível jornada automobilística de que se tem notícia. Leônidas Borges de Oliveira, carioca, era primeiro-tenente quando idealizou a expedição, em 1925. Chegaria posteriormente a coronel. Seus dois companheiros eram Francisco Lopes da Cruz, catarinense, engenheiro militar da Força Aérea Brasileira, e Giuseppe Mário Fava, paulista, mecânico.
A ideia de Leônidas Borges, apoiada pelo governo brasileiro e posteriormente pelos governos dos demais países americanos que a expedição percorreu, era fazer o anteprojeto de uma estrada de integração entre as três Américas — a Estrada Pan-Americana —, percorrendo “in loco” seu traçado. O livro fala dessa viagem que só pode ser classificada com um antigo adjetivo, hoje tão em desuso quanto as epopeias como essa dos três brasileiros: piramidal.
Eles usaram dois destemidos fordinhos modelo T, um fabricado em 1918, doado pelo jornal “O Globo”, do Rio de Janeiro, e outro, modelo 1925, doado pelo “Jornal do Comércio”, de São Paulo.
Basta, para dar uma dimensão do que foi essa viagem, sua extensão no espaço: 28.000 quilômetros, percorridos passando por 15 países, do Brasil até os Estados Unidos. E sua duração no tempo: dez anos, de 1928 a 1938.
Uma pequena amostra do que vai encontrar quem ler o livro: os perigos e obstáculos não foram poucos, pois feras atacavam os viajantes, índios hostis também, faltavam estradas, pontes ou mesmo balsas para travessias dos rios e havia os despenhadeiros onde mais de uma vez caíram os fordinhos por pouco não matando os ocupantes.
Só os milagres operados por Mário Fava, que era excepcional mecânico, fizeram com que os carros chegassem rodando aos EUA. E a capacidade de improvisação dos brasileiros, verá quem ler o livro, foi capaz de superar a falta de alimentos, as doenças, a falta de gasolina, de lubrificantes, de pneus, e, claro, a falta de estradas.
Há fotos históricas no livro, como a última do líder nicaraguense Augusto Sandino, tirada com os brasileiros em fevereiro de 1934, na véspera da emboscada em que foi assassinado. Ou a do lendário policial Eliot Ness, que assinou a autorização para o trânsito da expedição brasileira em território estadunidense. Uma foto com Cordel Hull, o secretário de Estado americano que receberia das mãos do embaixador japonês a declaração de guerra quando do ataque a Pearl Harbor, também está no livro.
Há fotos dos brasileiros sendo recebidos por Henry Ford em Detroit, por Franklin Roosevelt na Casa Branca e por Getúlio Vargas, na volta ao Brasil. E, “last but not least”, encontramos no livro alguns traços de união com as terras goianas.
O mecânico Mário Fava, posteriormente auxiliar de Bernardo Saião, foi cofundador da cidade de Ceres, onde viveu. Teve lá uma oficina mecânica e uma máquina de arroz. E participou da construção de Brasília. Francisco Lopes da Cruz trabalhou posteriormente na construtora carioca Sergen, que construiu a ponte sobre o Tocantins em Porto Nacional (nos fins dos anos 1970), que ainda era território goiano. Há enorme prazer e conhecimento na leitura desse livro, como há grande desprazer em saber que ele não teve a divulgação que merece. E que daria um belo filme.