Portaria sobre o trabalho escravo é uma boa medida e não deve ser apedrejada

28 outubro 2017 às 10h42

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A Portaria 1.129 sugere apenas que os produtores rurais devem ser tratados com respeito pelo Estado

O leitor por certo acompanhou a gritaria que se fez na semana passada, quando o governo editou a Portaria 1.129, do Ministério do Trabalho, que dispõe sobre os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e trabalho escravo. A gritaria continua. Apedrejada de todos os lados, a portaria chegou mesmo a ser ameaçada de alteração pelo presidente Michel Temer. Felizmente tal não se deu, até agora.
A portaria está liminarmente suspensa, por decisão da ministra Rosa Weber, e o Supremo Tribunal Federal (STF), por seu pleno, vai se pronunciar. Quem se der ao trabalho de ler na íntegra a portaria, há de ver que quem grita contra não tem razão. Boa parte de quem critica não a leu. Age por ouvir dizer. A maioria, contudo, o faz de má-fé, movida pelo ódio ideológico que a esquerdalha devota a qualquer empresário (que ela prefere chamar de capitalista), muito particularmente aos fazendeiros (que ela chama de latifundiários).
A procuradora Raquel Dodge se colocou contra (a meu ver sem ler a portaria, por mau assessoramento); Fernando Henrique Cardoso idem (nesse caso, por sua posição ideológica conhecida). Nada há, nem em sonhos, na portaria que venha em desfavor do trabalhador brasileiro. As alterações que ela faz são de outra natureza, moral e ideológica.
Uma pequena digressão: proprietários de terras foram, desde a Revolução Soviética de 1917, alvo preferencial da ideologia socialista-comunista. Os da União Soviética (os “kulaks”), desde 1918, sob Lênin, foram desapropriados, encerrados em campos de concentração, enviados para morrer de esgotamento em campos de trabalhos forçados, torturados, fuzilados. Tudo sem processos regulares ou julgamentos.
Sob Stálin, até nos anos 1930, a vida dos “kulaks” remanescentes pioraria, se isto fosse possível. Mesmo os pequenos proprietários, com a coletivização, viram-se obrigados a entregar quase toda sua produção ao Estado soviético, ocasionando mortes por inanição de milhares (ou mesmo milhões), a despeito de continuarem, agora sobre as famílias dos “kulaks” aniquilados, os fuzilamentos e as deportações (leia-se sobre a Holodomor — a grande fome da Ucrânia).
Na China de Mao Tsé-tung, em 1949, proprietários de terras eram levados para as praças dos vilarejos e espancados até a morte, na frente das populações. Mesmo na década de 1970, no Camboja comunista de Pol Pot, as coisas se passaram forma não muito diversa.
No Brasil, com nossas instituições ainda que sofrivelmente funcionando, nossos “esquerdistas revolucionários” ficam mais contidos. Como não podem matar e esfolar nossos fazendeiros (que estão salvando a economia), nem por isso deixam de lhes infernizar a vida. Os facínoras do MST estão aí para isso. A história de “trabalho escravo” foi também muito usada com essa finalidade.
Voltando à portaria 1.129: para que serve, qual a sua finalidade, o que modifica? Serve para prevenir, tanto quanto possível, arbitrariedades, achaques e perseguições ideológicas, que muitas foram e são perpetradas por aí. Conheço pessoalmente casos de “trabalho escravo” perfeitamente falsos, cujos alvos, fazendeiros na maioria, tiveram seus nomes incluídos na chamada “lista suja” de exploradores do trabalho escravo e que se encontram execrados e sem acesso a modalidades de crédito, sem chance de defesa. Como é possível? — perguntará o leitor.
Peço que acompanhe meu raciocínio: as ações de fiscalização destinadas a detectar e punir trabalho forçado ou “escravo” vinham da portaria do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), de número 1.153 e de 13 de outubro de 2003, do ministro Jaques Wagner, o que já diz muita coisa. Wagner, por sua ideologia, não se encontra muito próximo de fazendeiros. Suas simpatias estão mais para o lado de Mao Tsé-tung. A portaria, logicamente, segue sua crença, o que o leitor perspicaz verá logo, se a ler. A malfadada portaria de Wagner é complementada por outra: a Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH nº 4, de 11/05/2016, que trata do Cadastro dos Empregadores Exploradores do Trabalho Escravo. Está assinada por dois exemplos de “democratas”: Miguel Rosseto (à época ministro do Trabalho e Previdência Social da também “democrata” Dilma Rousseff) e Nilma Lino Gomes (então ministra das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos), figuras carimbadas da pior esquerda brasileira (Nilma pretendeu censurar a obra de Monteiro Lobato, veja só — por considerá-lo racista).
Essa normatização entrega, inteiramente nas mãos de um auditor fiscal do Trabalho, todo poder para identificar o trabalhador pretensamente em regime de servidão, liberar para ele o seguro-desemprego, indiciar o proprietário do imóvel onde estaria trabalhando, apontar o imóvel (que já estará na mira de uma desapropriação), elaborar unilateralmente um relatório, que sem contestação, defesa ou contraditório leva imediatamente o fazendeiro, culpado ou inocente, ao inferno. Seu nome, após apenas um processo administrativo parcial, irá para uma relação de “escravagistas” que o Ministério do Trabalho publica duas vezes por ano. Culpado ou inocente, quem entra nesta lista está liquidado. Não admira que algumas inconstitucionalidades tenham sido proclamadas, desde 2003, em casos isolados. Todo esse poder fica hoje na mão de uma única “autoridade”, em geral despreparada. Redunda em corrupção, se além de despreparado, o auditor fiscal for desonesto. Em perseguições e graves prejuízos se ele for, como muitos são, companheiro da “esquerda revolucionária”.

O auditor “companheiro” ganhou ainda uma tremenda arma, para enfrentar os “latifundiários escravagistas”: a Norma Reguladora 24 das Condições Sanitárias e de Conforto nos Locais de Trabalho (NR24). Não posso deixar de mencionar quem a elaborou: uma senhora chamada Eva Chiavon. Se o leitor for bastante curioso para pesquisar nos jornais, encontrará algumas passagens sobre a comissária. Não muito edificantes. É mulher de um dos líderes do MST, movimento clandestino e até terrorista, que odeia fazendeiros. Trabalhando no Ministério da Defesa, quando o ministro era, precisamente, Jaques Wagner, ela chegou retirar (substituta do ministro que era) dos comandantes das três Forças Armadas a prerrogativa das promoções, que passariam a ser do ministro. A grita foi grande e o recuo inevitável. Eva Chiavon foi uma das principais vozes, dentro do governo (era vice-ministra da Casa Civil), de protesto contra o merecido impeachment de Dilma Rousseff.
A NR 24 é um primor de detalhes: os corredores dos alojamentos dos trabalhadores rurais, por exemplo, não podem ter largura inferior a 1 metro (conheço hotéis de luxo com corredores de 80 cm). Esse deve ser o espaçamento entre as camas. As esquadrias — outro exemplo — deverão ter peitoris a 1,50m do chão, no mínimo (pobre do fazendeiro ou construtor que se equivocar e o fizer a 1,40m). Deverão existir armários individuais, cujas dimensões estão minuciosamente descritas na norma, bem como dezenas de outras minudências, claramente ali colocadas para confundir o empregador, coagi-lo e proporcionar ao auditor fiscal pretextos para, ao menor deslize, classificá-lo (fazendeiro ou construtor, na maioria das vezes) como abusivo e explorador do “trabalho escravo”.
Amigos que visitaram a China me garantiram que nenhum alojamento de construção chinesa que visitaram pelo interior do país se enquadraria na NR-24.
No que modifica, a Portaria 1.129, os normativos elaborados por gente tão boa e bem intencionada como Jaques Wagner, Miguel Rosseto, Eva Chiavon e Nilma Lino Gomes? De importância mesmo, podemos citar três itens:
a) Não mais fica na mão de um auditor fiscal do Trabalho (auxiliado às vezes por um membro do Ministério Púbico do Trabalho) julgar com onipotência, prepotência, e às vezes ideologicamente, um empresário como explorador de trabalho forçado, jornada exaustiva ou trabalho escravo. Essa constatação terá agora, obrigatoriamente, de contar com o concurso de uma autoridade policial e o devido Boletim de Ocorrência.
b) Termos de Ajustamento de Conduta terão doravante participação da Advocacia Geral da União, e não apenas dos acusadores do Ministério do Trabalho.
c) A publicação da lista dos “exploradores de trabalho escravo” obedecerá a critérios mais justos, só acontecendo após autorização pessoal do Ministro do Trabalho. O energúmeno que abusa de um trabalhador, seja ele um boliviano que trabalha em uma confecção, um haitiano que labuta em um restaurante ou um brasileiro que trabalha em uma fazenda, deve enfrentar todas as penas da lei, e ir para a cadeia. Mas quem pode determinar sua culpabilidade e sua pena é um juiz, obedecido o processo legal. Auditor do Ministério do Trabalho não é policial ou jurado, muito menos juiz, principalmente se é guiado por critérios ideológicos.