Orlando Silva foi escorraçado do governo pela presidente Dilma Rousseff. Jandira Feghali abre restaurante chique no Rio de Janeiro. É o capitalismo tomando conta do comunismo

Orlando Silva e Jandira Feghali: o primeiro foi expurgado do governo, acusado de corrupção no ministério, e a segunda persegue jornalista
Orlando Silva e Jandira Feghali: o primeiro foi expurgado do governo, acusado de corrupção no ministério, e a segunda persegue jornalista

Os tropeços de um partido (que deveria ser) fascista: o Partido Co­munista do Brasil (PCdoB) é uma dessas aberrações que só as liberdades democráticas permitem existir.
O PCdoB nasceu de uma divisão do “Partidão”, o Partido Comunista Brasileiro (PCB), em 1962. Seus integrantes (pelo menos os autênticos) têm na conta de revisionistas, isto é, desprezíveis, apressados e equivocados teóricos políticos os próceres do Partido Comunista da União So­viética (PCUS), Nikita Krushev à frente, que denunciaram a carnificina stalinista no seio da União Soviética. Como se sabe, isso ocorreu no 20º Congresso do PCUS, em 1956.

Para o PCdoB, Stálin continuou a ser o “guia genial dos povos”, cujos crimes eram apenas “o quebrar dos ovos para a feitura da omelete”, metáfora usada por Nadejda Man­delstám para se referir à justificativa brandida pelo ditador, que acreditava construir uma nova sociedade. O eufemismo é, já por si, revoltante e absurdo: quebrar os ovos significava matar milhões por crime (ou apenas suspeita) de opinião. A feitura da omelete seria a utópica implantação do comunismo, a sociedade sem classes, o paraíso terrestre.

Os devotos do PCdoB, esse partido-seita no Brasil, tiveram como paradigma de nação a miserável e sofrida Albânia, o país mais atrasado da Europa, que, ao fim de 49 anos de ditadura, viu-se diante de um espetáculo inimaginável: toda sua população tentava emigrar para a Itália, e abandonar de uma vez por todas o “paraíso comunista”. Belo paraíso!

Tem, pois, nas suas raízes o PCdoB tantas abjeções stalinistas quantas teria um partido nazista hitlerista ou um fascista mussoliniano que se tentasse fundar aqui, nas terras brasileiras. Assim, já nasceu de um tropeção. E vai tropeçando pela nossa história.

O partido patrocinou a Guerrilha do Araguaia (1972-1974), a mais estúpida tentativa de tomada de poder pelas armas que registra a história do Brasil. A ideia de João Amazonas, Maurício Grabois e Pedro Pomar, levada teimosamente à frente, mesmo desaconselhada por Chou En-Lai (que recebeu Pedro Pomar em Pequim em 1966), só serviu para uma derrota fragorosa de seus guerrilheiros e a dizimação de seus quadros.

Em 1979, com a anistia, o PCdoB saiu da clandestinidade e se juntou ao PT, seu parceiro-chefe até hoje. É nos governos do PT que os tropeços do PCdoB, mesmo não sendo os maiores, são os mais ideologicamente marcantes.

O governo Lula, estrategicamente, entregou à extrema esquerda algumas áreas do governo, mantendo conservadores na direção econômica. Sua sabedoria de vida havia lhe cochichado que só teria sucesso se mantivesse os maluquetes longe da economia, mesmo que promovessem desastres em áreas importantes. Desastres localizados têm conserto. Desastres econômicos são gerais e apeiam governantes, na melhor das hipóteses na próxima eleição. Estava certo. Conseguiu completar seus dois governos, manter o prestígio, enriquecer a família e eleger um poste para sucedê-lo.

Mas os tropeços do PCdoB ao longo do período petista não foram poucos. Vejamos alguns: o “companheiro” Tarso Genro, que havia abandonado o PCdoB pelo PT, onde seria mais fácil conseguir cargos (mas que continua na cabeça mais PCdoB, isto é, mais stalinista do que nunca), ao ocupar o Ministério da Justiça de Lula, feriu por duas vezes (ao menos) a dignidade brasileira. Deportou dois atletas cubanos que queriam asilo, em conchavo com Hugo Chávez, entregando-os à ditadura de Fidel e Raúl Castro.

Tarso Genro deu um absurdo refúgio a um terrorista e assassino italiano, um foragido da justiça condenado, mesmo contra o Conselho Nacional de Refugiados (Conare). Um tropicador, esse Tarso!

Outro “camarada”, Haroldo Lima, um dos poucos dirigentes do PCdoB a escapar dos tiroteios dos “anos de chumbo”, recebeu de presente a presidência da Agência Nacional de Petróleo (ANP), nos governos Lula e Dilma. Ali ficou de 2003 a 2011, a despeito de sua reconhecida incompetência e várias trapalhadas. Pode até não ter roubado pessoalmente, mas a ANP saiu enlameada de sua administração, com denúncias da Polícia Federal, reveladas pela revista “Época”, quanto à corrupção do ex-deputado (do PCdoB, é claro) e superintendente da agência, Edson Silva.

Rachel Sheherazade:  a jornalista do SBT, acossada por Jandira Feghali, resiste bravamente | Foto: Reprodução
Rachel Sheherazade:
a jornalista do SBT, acossada por Jandira Feghali, resiste bravamente | Foto: Reprodução

O governo Lula entregou ao PCdoB, também, e este tomou como sua propriedade, o Ministério dos Esportes. Falemos do ex-ministro Orlando Silva (do PCdoB, claro), uma figura simpática, com nome de cantor e aparência de artista da Globo, que foi na verdade um promotor da corrupção generalizada na pasta. Uma proliferação de ONGs que recebiam recursos do Ministério chamou a atenção da Polícia Federal, em 2011. Não precisou muito para demonstrar que essas organizações eram apenas fachada para desvio de recursos públicos para o partido e seus membros.

O PCdoB sempre julgou um péssimo defeito burguês roubar dinheiro público. Não é que o Ministério dos Esportes (do PCdoB) adotou esse feio hábito da burguesia decadente, de surrupiar o tesouro nacional?

Na gestão Agnelo Queiroz (também PCdoB, mais tarde filiado ao PT), iniciada em 2003, já surgiram os rumores. Em 2006, com a nomeação de Orlando Silva, até então secretário-geral do Ministério dos Esportes, a coisa desandou. Fatos comprovados foram vários, começando com um abuso de cartões de crédito do ministério, que serviam para o ministro pagar contas em restaurantes caros e até comprar uma prosaica tapioca de 8 reais.

Logo viriam coisas mais volumosas, como o desvio de dinheiro para o partido e membros importantes usando as ONGs “camaradas”, das quais pelo menos oito a Polícia Federal conseguiu detectar. Coisa aí, apenas como ponta de iceberg, na casa dos 40 milhões de reais. Usavam um programa do ministério chamado Segundo Tempo, voltado para assistência esportiva a jovens carentes. Em português cru, roubava-se o lanche de pessoas pobres, que se pretendia conquistar para o esporte, afastando-as das drogas.

Diante da grita da imprensa (a oposição como sempre andava silenciosa), Dilma Rousseff, que havia mantido Orlando Silva no ministério foi forçada a demiti-lo, em 2011. Um caso também rumoroso envolveu a mulher do ministro, a atriz Anna Petta, que teria obtido recursos do Ministério da Justiça, num arranjo com o notório Paulo Abrão, da Comissão da Anistia, para seu Instituto Via BR.

Orlando Silva, é bom que se diga, foi presidente da UNE, braço estudantil do PCdoB há tempos. UNE essa que por sinal recebeu do governo Lula uma verba de 30 milhões de reais para reconstrução de seu prédio na Praia do Flamengo, no Rio, e desapareceu com o dinheiro sem mexer na construção, num outro tropeço sem explicações. Tropeços do partido, tropeços de seus membros.

Jandira Feghali é um dos elementos do PCdoB que adquiriu mais visibilidade. Foi deputada estadual e federal pelo Rio de Janeiro. Na Câmara dos Deputados se evidenciava pela radicalização. Tentou uma eleição para o Senado em 2006, mas perdeu na última hora, justamente pela radicalização. Abortista extremada, julgava que alguns panfletos contra ela, distribuídos nas ruas cariocas, vinham da Igreja. Con­seguiu uma invasão policial na Cúria Metropolitana do Rio, que chocou meio mundo, até porque nada se encontrou com os religiosos. Perdeu a eleição.

Feghali voltou como deputada federal na presente legislatura, e foi quem movimentou o governo federal para cortar verbas do SBT, caso não fosse demitida a jornalista Rachel Sheherazade, que queria calar, por fazer comentários “de direita”. Foi também quem entrou com denúncia contra a jornalista na Procuradoria Geral da República. Jandira está muito incomodada com as posições conservadoras da competente moça, cuja bela estampa também deve perturbar a velha deputada. Mas isso não é o melhor.

Famosa por pregar contra o capitalismo, a ambição dos empresários, a mais valia e tanta coisa mais desse “regime explorador” em que vivemos, não é que Jandira Feghali, figura proeminente do partido mais anticapitalista do Brasil, resolve se tornar capitalista? Em sociedade com um “restaurateur” conhecido na capital carioca, Omar Peres, dono do famoso restaurante La Fiorentina, Jandira abriu, na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, seu restaurante de elite, o Líbano Rio Express, especializado em comida árabe, “comme il faut”, pois a ex-proletária deputada é de ascendência libanesa. Jandira já fala em abrir mais duas casas.

Esperemos que fiel à sua crença anterior, Jandira não explore a mais valia de cozinheiros e garçons. Jandira não roubou (pelo menos nesse caso), mas estou certo que seus colegas de partido estarão mais contrariados com ela do que com os outros “camaradas” que se aproveitaram das ONGs domesticadas pelo PCdoB e encheram os bolsos. Isso não se faz, Jandira — introduzir o capitalismo no PCdoB.