A situação do presidente da Câmara dos Deputados é cada vez mais complicada. Mas ele, que evitou o bolivarianismo no STF, é a parte menor do escândalo-latifúndio

Dilma Rousseff e Lula da Silva: o ex-presidente e a presidente alegam que não estão envolvidos no escândalo investigado pela Operação Lava Jato no assalto à estatal Petrobrás, mas afinal o país é governado ou não pelo PT?
Dilma Rousseff e Lula da Silva: o ex-presidente e a presidente alegam que não estão envolvidos no escândalo investigado pela Operação Lava Jato no assalto à estatal Petrobrás, mas afinal o país é governado ou não pelo PT? | Roberto Stuckert Filho/PR

Algo não encaixa bem na lógica da Operação Lava Jato, quando a ação foge à esfera de atuação do juiz Sérgio Moro. O jovem magistrado, que deve estar muito assoberbado de trabalho, consegue fazer sua tarefa com um mínimo de erros e um máximo de coerência, sem dar margem a desconfianças, sem perseguições ou proteções visíveis. Mas as indagações logo surgem quando as autoridades encarregadas de ações relacionadas ao processo são outras.

Comecemos com a Procuradoria Geral da República e com a figura que hoje ocupa o centro do furacão: Eduardo Cunha (PMDB), o presidente da Câmara dos Deputados. Sua atuação na presidência da Casa começou de maneira elogiável. A Câmara, que nos governos petistas ficou famosa pelo pouco trabalho que realizava — a par, é claro, dos escândalos envolvendo deputados —, passou a apresentar quórum, votar matérias importantes e assumir responsabilidades, desde que Eduardo Cunha assumiu sua presidência.

Eduardo Cunha não temeu dar sequência às ações que poderiam desaguar no impedimento da presidente Dilma Rousseff, e orquestrou a aprovação de uma medida de que todos nós seremos devedores: a extensão da idade de aposentadoria compulsória dos ministros do Supremo Tribunal Federal de 70 para 75 anos. O leitor talvez não avalie o benefício que nos foi proporcionado, a todos nós brasileiros, com esse ocorrido.

A nomeação de mais quatro ou cinco integrantes daquela corte pela dupla Dilma Rousseff-Lula da Silva, a primeira com seu ranço ideológico e o segundo com seu desprendimento dos cuidados éticos e comportamentais, poderia redundar numa folgada maioria de ministros petistas capazes de, a exemplo do que acontece no Equador, na Bolívia e na Venezuela, dobrar a espinha e conceder reeleições infinitas ao petismo e impunidade aos ladrões do dinheiro público que infestam o partido. Isso ninguém tira de Eduardo Cunha: o mérito de ter afastado o bolivarianismo do STF.

Mas infelizmente não podemos mais conceder ao presidente da Câmara sequer o benefício da dúvida. As provas que a imprensa a cada dia estampa contra ele, as que vazam dos inquéritos que tramitaram ou tramitam na Procuradoria-Geral da República em que é indiciado, são arrasadoras.

Eduardo Cunha, ao que parece, tem graves pecados a purgar, tanto quanto têm os petistas do mensalão e do petrolão, e gravemente terá pagar por eles, como deve ocorrer num Estado de Direito. Isso é indiscutível.

Mas há algo tão indiscutível quanto, e muito intrigante: Eduardo Cunha não é a figura central do escândalo Lava-Jato, mas tudo se passa como se fosse. Ou como se fosse a figura única.
As provas contra o peemedebista foram colhidas com uma rapidez inusitada, as autoridades suíças foram velozmente acionadas, os documentos comprometedores vieram da noite para o dia, e com a mesma velocidade vazaram para toda a imprensa, justamente quando a Câmara dava os primeiros passos na direção de um impedimento de Dilma Rousseff. Quanta rapidez, quanta diligência, quanta dedicação. Isso é louvável. Mas não para uma figura apenas.

Onde estão as investigações sobre Renan Calheiros, o presidente do Senado, figura presente em nove de cada dez escândalos políticos brasilienses, nesse inclusive? O procurador-geral Rodrigo Janot terá se esquecido dos rumores sobre o acordo para sua aprovação no Senado, acordo que envolveria uma proteção a Renan? Deveria ter imenso cuidado com essa questão, ao contrário do que parece estar acontecendo.

Edinho e Lula: esquecidos?

Está o leitor percebendo que as figuras mais próximas do núcleo de poder do PT, isto é, de Lula da Silva e Dilma Rousseff, não estão sendo incomodadas, embora denunciadas à farta na Lava Jato? Não se buscam provas, com o mesmo afã com que se buscaram e conseguiram contra Eduardo Cunha (e, repito, foi louvável), contra Edinho Silva, denunciado por extorsão e recebimento de dinheiro de propina da Petrobrás — e para a campanha de Dilma Rousseff, de que foi coordenador.

Rodrigo Janot está pisando em ovos quando se trata de Lula, quando deveria estar buscando provas do seu envolvimento nas obras da Odebrecht mundo afora, financiadas sem concorrência e possivelmente com superfaturamento, com dinheiro do BNDES, que faz falta aqui dentro. Ou os milhões transferidos pela empresa a Lula a título de palestrante são efetivamente pagos para que ele se elogie, com toda sua ignorância, para plateias estrangeiras? E o súbito enriquecimento de Lulinha? Ninguém vai conferir a bazófia do pai, e conferir se ele é de fato um Ronaldinho dos negócios?

Se a Procuradoria-Geral da República deixa a desejar em cumprir sua função no esclarecimento dos mega-assaltos ao dinheiro público, no Congresso ainda é pior. Basta ver no que deu a CPI da Petrobrás, relatada pelo deputado petista e carioca Luiz Sérgio.

O relatório é um primor de descaramento, de cinismo: isenta Lula da Silva, Dilma Rousseff, José Sergio Gabrielli e Graça Foster de qualquer responsabilidade nos escândalos do petrolão, como se não fosse a administração dos quatro culpada pela mais fragorosa derrocada até hoje sofrida por uma grande empresa brasileira — e além de tudo estatal.

Luiz Sérgio não indiciou nenhum político. No entender do relator, houve apenas um conluio de empreiteiros com alguns funcionários para lesar a empresa — coisa sem importância e sem participação política, seja do Executivo, seja do Legislativo.

Até para um deputado petista é um exagero tentar dissimular um rombo que está na casa das dezenas de bilhões de dólares, e que teve origem em nomeações de diretores da estatal promovidas por Lula da Silva e Dilma Rousseff. Nomeações feitas com a finalidade de beneficiar partidos e congressistas da base aliada — e eles próprios.

É um acinte tentar nos impingir essa versão de roubo sem participação do governo e seus partidos — PT principalmente — quando tudo já se esclarece nas delações premiadas e suas provas.

Quem tinha (ou tem) a chave do cofre da Petrobrás era (e é) o governo petista. Quem nomeou os diretores ladrões e permitiu, por um lado o superfaturamento e por outro a pressão por propinas, foi o governo petista.

Lula da Silva está isento? Não se beneficiou, com seu invejável preparo intelectual, quando recebeu milhões da Construtora Odebrecht sob forma de palestras tão bem pagas que fazem inveja a qualquer Prêmio Nobel?

Não se beneficiou Dilma Rousseff quando acalmou sua voraz base aliada no Congresso à custa de pixulecos?

Não se esqueça o leitor que entre outros estão denunciados ou sob investigação da Lava-Jato, que teve origem nos assaltos à Petrobrás, os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Eduardo Cunha, o líder de Dilma Rousseff no Senado, Delcídio Amaral, e os seus ministros Edinho Silva, Aloizio Mercadante, Gleisi Hoffmann e Edison Lobão, entre muitos outros.

Também não se beneficiou Dilma Rousseff do dinheiro sujo entregue à sua campanha pelo delator premiado Fernando Baiano? Márcio Thomaz Bastos, com sua inventividade, de certa forma conseguiu transformar a roubalheira do mensalão em um mero caixa dois de campanha, e livrar de penas maiores os políticos petistas envolvidos, apesar dos esforços patrióticos de Joaquim Barbosa. Só sobrou mesmo para os empreiteiros, banqueiros e publicitários do conluio.

Tentam agora algo parecido, com o petrolão: responsabilizar empreiteiros e funcionários da Petrobrás por um pretenso cartel e deixar de fora os políticos aliados, apesar dos esforços louváveis de Sérgio Moro. Conseguirão?

Ainda há uma dúvida quanto ao comportamento do Supremo quando chegar o momento crucial dos julgamentos individuais. Há ministros mais duros, mais legalistas, como Gilmar Mendes e Celso Mello. E os há mais, digamos, brandos, como Ricardo Lewandowski. Dias Toffoli tem mostrado preocupação com a própria biografia, e já declarou que ficam no passado suas atribuições profissionais que não as de ministro do Supremo. Referia-se, é claro, a ter sido advogado do PT. Atitude louvável e digna.

Os novatos são a incógnita. Teori Zavasky mostra-se apenas juiz, e cuidadoso. Não aceitou convites de Dilma Rousseff para encontro em Portugal e para jantar em palácio, reuniões de fato não muito bem vistas, mesmo que totalmente inocentes.

Luís Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin terão oportunidade, brevemente, de mostrar se se alinham entre os duros ou entre os lenientes.

Nós, que fazemos nosso trabalho e pagamos nossos impostos, continuamos a assistir ao desfile de incompetências, arroubos autoritários marxistas, badernas de Stédile et caterva, e roubos, muitos e grandes roubos. Até quando?