Comentando atualidades (portuguesas e brasileiras)
02 fevereiro 2020 às 00h00
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Enquanto em Portugal a milionária Isabel dos Santos se vê enrolada com denúncias, no Brasil o BNDES divulga resultado que torna a caixa-preta ainda mais preta
Isabel dos Santos
O escândalo de corrupção em Angola já fez uma vítima fatal. O Celso Daniel de lá chamava-se Nuno Ribeiro da Cunha e se enforcou em Lisboa, no dia 22 deste mês. Era o gerente das contas de Isabel dos Santos no EuroBic, e ao que parece fez transferências fraudulentas da Sonangol (a Petrobrás angolana) para contas de Isabel, a mando desta.
Tinha sido “constituído arguido” – que equivale a tornar-se réu – pela Procuradoria Geral de Angola, e entrou em desespero. Mais uma derrota para Isabel: sua irmã, a ex-deputada Tchizé dos Santos, declarou a jornais de Luanda que Isabel deveria devolver parte de seu dinheiro a Angola.
Como previmos aqui na coluna, o Ano Novo da bilionária angolano-portuguesa está sendo terrível. Todos os jornais e televisões trazem extensas matérias sobre seus feitos (e malfeitos) para atingir a fortuna (e que fortuna!). No que ficou aqui em Portugal conhecido como o escândalo do LuandaLeaks, as derrotas mais contundentes de Isabel são as notícias do ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos) e os movimentos do Governo Português.
O ICIJ é um grupo informal de jornalistas, quase duas centenas, espalhados por mais de 60 países, empenhados na divulgação de informações relativas à corrupção. O ICIJ obteve, de Rui Pinto, o mais famoso hacker português, um conjunto de mais de 700 mil documentos angolanos relativos às operações financeiras de Isabel, que deixam mal a família do ex-presidente José Eduardo, principalmente a filha mais velha e mais ativa nos “negócios”.
A revelação desses documentos causou impacto nos países onde Isabel tem empresas, e, claro, impacto negativo. A Procuradoria Geral da República angolana “constituiu arguidos” Isabel, Nuno Ribeiro e mais 2 auxiliares seus e quer sua extradição. Isabel há um ano desapareceu do país. Ela foi desconvidada este ano pelo Fórum Econômico Mundial, em Davos, onde tem sido uma das estrelas, nos últimos anos.
O EuroBic, banco português de que Isabel é dona da metade das ações, agora vigiado de perto pelo Banco de Portugal (o Banco Central Português) e pelo Banco Central Europeu, viu-se obrigado a interromper qualquer operação com as empresas em que Isabel detenha interesses. Além disso, o BP está exigindo que ela negocie suas ações e saia do EuroBic.
A Price Watherhouse, uma das maiores empresas de consultoria externa do mundo, que auditava as empresas de Isabel, ficou manchada no episódio, por nunca ter detectado as fraudes. Seu representante em Portugal demitiu-se (ou foi demitido). A ex-eurodeputada portuguesa Ana Gomes, que há tempos vem denunciando os métodos de Isabel enriquecer (já foi até processada por ela), adquiriu agora enorme notoriedade, e já se fala nela como candidata a presidente de Portugal. O cerco se estreita, agora mais com o suicídio de Nuno Ribeiro.
Funcionários públicos portugueses
Uma das características do funcionalismo público português é a cortesia. Em qualquer órgão público que se procure, o atendimento se dá com educação e paciência. Não se encontram aqui, a não ser muito raramente, atendentes prepotentes e grosseiros, como é comum no Brasil. Todos, dos mais humildes imigrantes africanos em busca de trabalho até os chineses ricos que fazem aqui suas aplicações milionárias, são bem atendidos.
Outra característica é a eficiência. Cada funcionário busca realizar sua tarefa da maneira melhor possível, ainda que se desdobre. Não há preguiça no serviço público por aqui. O que se passa de diferente? Ainda não tenho vivência suficiente no país para fazer uma avaliação segura, mas algumas coisas são evidentes: a educação básica em Portugal é bastante valorizada, persegue resultados, sem dúvida é eficiente e influi muito para formar cidadãos responsáveis e de bom convívio social.
Também não há diferenças de salários nem de privilégios entre os funcionários públicos e privados. A estabilidade no serviço público parece ser excrecência própria do subdesenvolvimento. E a disparidade salarial brasileira, por exemplo entre o motorista da transportadora privada (R$1.400) e o da Petrobrás, ou o do Senado Federal (R$11.000), não faz sentido na Europa, e é até considerada uma forma de corrupção. O que faz sentido, onde quer que seja por aqui, é a meritocracia.
E quando falo da educação básica, não o faço gratuitamente. A ideologização educacional a que o Brasil foi submetido do governo Fernando Henrique até Dilma nos coloca, na avaliação do PISA, no 59º lugar entre os 79 países avaliados. Portugal está no 22º lugar. Nossa pontuação média não chegou aos 400. A de Portugal está perto dos 500. E não é questão de pobreza. Portugal é um dos países mais pobres da União Europeia e da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – que coordena o PISA). Mas sua classificação no PISA está acima da média dos 36 países (praticamente todos ricos) que compõem a OCDE.
BNDES e sua Caixa Preta
O Banco divulgou nesta semana um relatório de consultoria de uma empresa americana em algumas das suas operações, mas que na realidade foi elaborado por uma consultora brasileira, a Levy&Salomão (o que já não deixa de ser estranho). A auditoria, realizada durante um ano, custou 48 milhões de reais, embora o valor de contrato seja apenas 12 milhões (outra estranheza). Abrange uma dezena de operações feitas com JBS, o grupo Bertin e a Eldorado Brasil Celulose, e conclui pela ausência de irregularidades.
O ex-presidente do BNDES, Luciano Coutinho, deu entrevista malandra, eufórico, à Folha de São Paulo. Parece algo feito de encomenda para abafar desconfianças e comentários. Para ocultar crimes, em última análise. E parece também que boa parte da imprensa, de boa ou de má-fé, engoliu a pílula.
Mas não é nosso caso. Trata-se de um contrato de consultoria assinado ainda no governo Dilma, logo sob suspeita. Abrange apenas poucas operações, e as mais “inocentes”. Nenhuma operação examinada envolve a construtora Odebrecht, a maior tomadora de empréstimos suspeitos. Nenhum empréstimo listado pertence ao rol dos que beneficiaram ditaduras comunistas (Cuba, Venezuela, Angola, Moçambique) e não são pagos.
E “last but not least”, não entrou no rol de operações avaliadas nenhuma daquelas feitas com a JBS para aquisições de empresas nos EUA, justamente as mais difíceis de explicar, pelo volume (cerca de 2 bilhões de reais), pela rapidez, pela facilidade e pela singularidade. O TCU – Tribunal de Contas da União também não caiu na esparrela: o ministro Augusto Sherman despachou ao BNDES pedindo explicações sobre a auditoria. R$ 48 milhões jogados fora, e a Caixa Preta cada vez mais preta.
Glenn Greenwald
O pretenso jornalista americano, homiziado no Brasil por não poder voltar ao seu país, acaba de ser denunciado pelo Ministério Público Federal, que está de posse de uma gravação onde ele instrui um hacker em como agir para invadir com segurança telefones de autoridades brasileiras. Nada a ver com a atividade jornalística. Nem mesmo com seu ativismo indisfarçável pelo PSOL. Puramente cumplicidade com um crime capitulado em lei, e com prova material indiscutível.
Mas a reação da imprensa de esquerda e dos órgãos aparelhados foi imediata: Censura! Constrangimento à atividade do jornalista! Outra reação foi do ministro Gilmar Mendes, que havia proibido investigações policiais sobre Glenn (fazendo-o inimputável!). Ocorre que o investigado não foi ele, mas o hacker seu cúmplice.
Em suma, os setores contrários à Operação Lava-Jato e seus métodos moralizadores estão possessos em defesa de Glenn. E o Brasil que presta cada vez mais se convence de que a luta do ministro Sergio Moro e dos procuradores de Curitiba contra a corrupção nunca foi fácil. Aliás a luta pela prevalência da honestidade nunca é fácil.