A política externa brasileira nos anos da esquerda petista
30 agosto 2020 às 00h00
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Tal política merece ser chamada de desastrosa, mas a imprensa sequer comenta os principais equívocos
A eleição de Bolsonaro, e mais que ela, a escolha do diplomata Ernesto Araújo para dirigir o Itamaraty, representou, para a míope (e muitas vezes cega) esquerda brasileira, um enorme atraso na diplomacia brasileira.
Os porta-vozes dessa esquerda saudosa, implantados na imprensa mais representativa, principalmente nas maiores televisões, bradam, inconformados, desde o início do ano passado, que “a política externa brasileira, antes ativa e proativa, agora vive a reboque dos Estados Unidos” ou que “o admirável capital político externo brasileiro, construído ao longo de décadas, está sendo queimado pelo presidente Jair Bolsonaro e Ernesto Araújo”, entre outras inconsistências do mesmo naipe.
Catastrofismos do ano passado, como aquele de que a “China não vai comprar nem um grão de soja nosso”, por nosso alinhamento com os EUA, deram em nada. A China não só comprou a safra atual, como também as de 2021 e 2022.
Como a memória política costuma ser curta, vou lembrar ao leitor passagens dessa política externa de esquerda, mormente nos governos Lula da Silva. São ferramentas para sua análise e formação de seu juízo sobre a questão.
Não há muito o que falar, nesse particular, sobre o governo Fernando Henrique Cardoso. O sociólogo assumiu o primeiro mandato cheio de cautelas, pois já pensava na delicada reforma constitucional que lhe permitiria comprar (com dinheiro público) seu segundo período de governo. Não cometeu sandices ideológicas, não apoiou ditadores seus companheiros de credo marxista, pois era arriscado. Seu primeiro chanceler, Luís Felipe Lampreia era um competente diplomata de carreira, que se saiu extraordinariamente bem na função. Chegou mesmo a condenar violações dos direitos humanos em Cuba, em 1998, o que, sem dúvida desagradou a FHC e deve ter inviabilizado sua permanência no segundo mandato do mesmo. Foi substituído pelo aristocrático Celso Lafer, uma nulidade que nada apresentou de extraordinário em sua gestão, mas ao menos não compactuou com excessos, como viria a acontecer em seguida.
A troika de Lula da Silva
A era Lula inaugurou uma política externa completamente nova no Brasil. Em primeiro lugar, surgiu um comando inusitado no Itamaraty. Havia uma “troika”. O chanceler nomeado era Celso Amorim, diplomata de carreira, com boa experiência na função diplomática, principalmente no regime militar, a que serviu dedicadamente (chegou a ser presidente da Embrafilme, no governo de João Figueiredo). O secretário-geral era Samuel Pinheiro Guimarães, também diplomata de carreira, mas apenas um apagado burocrata e marxista incorrigível. E o formulador das linhas mestras da política externa era Marco Aurélio Garcia, assessor da Presidência para Relações Internacionais, um militante sem muitas luzes intelectuais, mas de um fervor ideológico bastante grande para credenciá-lo junto ao nascente e deslumbrado governo “democrático e popular” petista, como costumam se autodenominar os socialistas.
A “troika” funcionou sem atritos internos, surpreendentemente. Celso Amorim era apenas um intérprete de luxo, viajando com Lula da Silva mundo afora, mas ficava satisfeito com isso. Convertera-se à esquerda, ele que, como nosso representante no Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), no começo dos anos 1990, fora até subserviente aos norte-americanos. Como recém-convertido, tinha até mais fervor que os velhos adeptos do credo marxista. Chamava Lula de “nosso guia”. Samuel Pinheiro Guimarães cuidava da administração do ministério, e também ficava satisfeito. Afinal, sempre fora um rematado burocrata. E Marco Aurélio dava asas à imaginação, cuidava do foro de São Paulo, e imaginava uma América do Sul totalmente marxista, o que teve um arremedo de realidade, com Lula da Silva, Hugo Chávez, Evo Morales, Rafael Correa, Daniel Ortega, Cristina Kirchner e outros. Haviam os autores coadjuvantes nessa política externa, como Tarso Genro, no Ministério da Justiça, outro marxista que dava seus palpites junto a Lula da Silva. E a Odebrecht, muito ativa em seu papel internacional de construtora-lobista-corruptora. Lembremo-nos de algumas passagens dessa política externa lulista, que de certa forma se prolongou pelos mandatos de Dilma.
1 — Aliança de Lula da Silva com a Líbia de Gaddafi
Lula manteve ao menos quatro encontros com o ditador-terrorista líbio Muammar al-Kadaffi. O primeiro deles em dezembro de 2003, o último, em 2009, quando o ditador já periclitava (foi literalmente linchado em 2011). Chamava-o de “amigo e irmão”. Conseguiu várias obras para a Odebrecht na Líbia, e (segundo a delação de Palocci e declarações de outros petistas) teria obtido uma doação de 35 milhões de dólares de Gaddafi para o PT, de quais recebeu apenas 1 milhão, dado a dificuldade de internar o dinheiro. O fato de se tratar Gaddafi de um ditador, machista, homofóbico, terrorista (derrubou na Escócia um Boeing da PanAmerican, em 1988, matando 270 inocentes), nunca escandalizou a imprensa de esquerda, que via apenas “atividade” de nossa política externa nessa proximidade.
2 — O caso dos boxeadores cubanos
Nos jogos pan-americanos, em 2007, dois jovens boxeadores cubanos (Erislandy Lara e Guillermo Rigondeaux, este campeão mundial em sua categoria) abandonaram sua delegação para tentar asilo no Brasil, quando foram presos por ordem de Tarso Genro, tiveram que assinar uma declaração de que voltavam a Cuba por livre vontade, metidos num avião venezuelano cedido pessoalmente por Hugo Chávez e entregues a Fidel Castro. A nossa imprensa, hoje tão sensível, tratou com naturalidade toda essa indignidade.
3 — Governo petista aprovou confisco de Morales
Em maio de 2006, Evo Morales confiscou as instalações da Petrobrás na Bolívia, sem indenizar o Brasil. Não houve reação do governo e houve fraquíssima reação da imprensa. Lula veio a confessar, anos mais tarde, que sabia com antecipação do que Evo iria fazer, e concordou. Um tento, sem dúvida, da nossa política externa: permitir um roubo bilionário ao Brasil.
4 — O terrorista Cesare Battisti
Em 2009, deu com os costados no Brasil, o terrorista italiano foragido Cesare Battisti. Havia sido julgado e condenado na Itália à prisão perpétua, por quatro assassinatos, entre outros crimes. Tarso Genro, então ministro da Justiça, convenceu Lula a lhe conceder refúgio, o que foi feito, com uma ajuda do Supremo Tribunal Federal. Houve uma condenação geral da atitude brasileira no plano internacional. Nem a esquerda italiana, que havia abandonado a luta armada em 1984, concordou com a concessão ao “companheiro”.
5 — Aproximação de Mahmoud Ahmadinejad
Lula se aproximou do presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad, que recebeu em Brasília em 2009 e que visitou em Teerã em 2010. Era o auge de uma disputa Irã-Estados Unidos que tinha como centro o programa nuclear iraniano. Lula chegou mesmo a se propor para intermediar um acordo entre os dois países, o que nunca foi levado a sério pela comunidade internacional. Não houve reação interna da mídia, ainda que Ahmadinejad negasse o Holocausto, pregasse a destruição de Israel, propusesse a eliminação dos gays, bem como o apedrejamento das adúlteras.
6 — O ridículo da relação com Manuel Zelaya
Manoel Zelaya, presidente de Honduras, era uma figura política folclórica. Rico fazendeiro, após sua eleição (em 2006), se tornara marxista, buscando uma reeleição, imitando Hugo Chávez e Evo Morales. Afrontou a Constituição Hondurenha, e foi impedido em 2009, se exilando na Costa Rica. A “troika” do Itamaraty resolveu patrocinar sua volta à Presidência de Honduras, fazendo com que voltasse clandestino a Tegucigalpa e se asilasse na Embaixada do Brasil. Ali ficou quatro meses tentando um golpe de Estado, que deu em nada. Tudo o que se conseguiu foi tornar o Brasil vítima de troça internacional.
7 — Embaixadas caras e inúteis
Lula promoveu a abertura de 44 novas embaixadas brasileiras, nos lugares menos expressivos do planeta (principalmente nas ilhas caribenhas e na África), ao custo aproximado mensal de meio milhão cada. Totalmente inúteis, estão hoje sendo fechadas.
8 — Perseguição ao senador Roger Molina
O senador boliviano Roger Pinto Molina despertou a ira de Evo Morales ao denunciar o que todos sabiam: o envolvimento do seu governo com o tráfico de cocaína. Perseguido, asilou-se em 2012 na embaixada brasileira em La Paz. Ali ficou 15 meses confinado em 20 metros quadrados, pois embora automaticamente asilado, não obtinha do governo Evo um salvo-conduto. Com problemas de saúde, foi retirado às escondidas da embaixada e levado para o Brasil pelo corajoso diplomata Eduardo Saboia. O episódio deixou Evo Morales furioso, e Dilma Rousseff, para acalmá-lo, demitiu o ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota. Mais uma humilhação, depois do confisco da Petrobrás, imposto por Evo Morales ao Brasil. Agora, com a cumplicidade de Dilma Rousseff.
Esses, apenas alguns aspectos de nossa política externa petista, que nossos colunistas mais conhecidos gostam de enaltecer. Muitos outros exemplos podem ser lembrados, mas por hoje basta. Ficam os outros para outra vez.