A impunidade permeia os tribunais, pois os caros advogados são mestres em desvios, retardamentos, reduções de penas, arquivamentos e prescrições

De Aveiro, Portugal — A Criminologia é uma ciência, como se sabe. Tem como base disciplinas como a Biologia, o Direito Penal, a Sociologia e a Psicologia, entre outras. Como ciência do meio social que é, está longe de atingir o grau de precisão das ciências do meio físico, responsáveis pelas maravilhas tecnológicas que a cada momento contemplamos. É uma ciência aproximada, do mais ou menos, onde pouquíssimas afirmativas vão carregadas de certeza e onde não se pode estabelecer conexões matemáticas exatas entre causas e efeitos. Mas na Criminologia há uma certeza consolidada ao longo de séculos de observação: há uma razão direta entre impunidade e aumento da criminalidade. Onde grassa a impunidade, o crime se multiplica.

O Brasil de hoje, daqui a alguns anos ou séculos, será citado nos compêndios de Criminologia como um exemplo acabado de impunidade e suas consequências. A impunidade contempla nestas plagas tanto o menor a poucos dias da maioridade legal, e que cometeu assassinato com requintes de maldade quanto o político grã-fino que assaltou o Tesouro Nacional e dele levou milhões e milhões que fazem falta na saúde pública. Contempla tanto o traficante que circula livremente nas áreas de domínio do crime organizado, onde exibe seu armamento de guerra, responsável por muitos assassinatos, como o invasor de propriedades que depreda, destrói e às vezes também mata. Contempla os chefões do crime que fazem das prisões escritórios, recebem celulares, drogas e até armas que tranquilamente lhes levam parentes e advogados, como dá confiança ao assaltante que sabe o assaltado inerme, porque existe um Estatuto do Desarmamento que proíbe o cidadão mas não o meliante de se armar.

A impunidade contempla até o político confesso, condenado, que devolveu o produto do roubo, e anula suas penas por conta de firulas processuais. Ela beneficia religiosos que desviam os donativos dos fiéis e abusam de sua confiança, apoiados nas facilidades da justiça.

A impunidade começa nas audiências de custódia, passa pela demonização da polícia, a quem o mínimo erro é punido. Há impunidade, mas não para os policiais. A impunidade permeia os tribunais, pois os caros advogados são mestres em desvios, retardamentos, reduções de penas, arquivamentos e prescrições, apelidos vários para a velha e velhaca Impunidade.

A Impunidade se refestela nos Tribunais Superiores, onde ministros julgam causas de quem os nomeou e anulam sentenças dos tribunais de primeira e segunda instâncias que punem corruptos conhecidos. Também desses tribunais vem a proibição de ações policiais em certas áreas durante a pandemia, como se em época pandêmica tráfico e outros delitos não existissem. E vem a suspensão dos mandados de desocupação, dando a invasores a permissão de continuar delinquindo.

ONGs pretensamente de Direitos Humanos afagam bandidos e atacam a polícia, aplaudindo a impunidade. Partidos extremistas fazem escândalos se uma vítima é um seu afiliado, por mais suspeito que seja, mas desconhecem execuções de crianças pelos tribunais do crime.

Processos contra políticos graúdos dormem nas gavetas dos Tribunais Superiores, mas jornalistas são rapidamente punidos com prisão, até sem processo, se criticam um membro do Supremo. E a imprensa, com raras, raríssimas exceções, seja por cumplicidade, seja por covardia, se cala, e quem cala consente. Por isso mesmo vale a pena citar alguns jornalistas dignos, destemidos, que não se dobram e não aceitam tanta impunidade: Alexandre Garcia, Augusto Nunes, Caio Copolla, Cristina Graeml, J. R. Guzzo, Paulo Polzonoff Jr., e alguns poucos mais. E vão como exemplos:

1

J. R. Guzzo no “O Estado de S. Paulo”, no dia 19/12/2021 (Artigo: “É Permitido Roubar”):

“O Brasil, por responsabilidade direta do seu aparelho judiciário mais alto, está se transformando oficialmente num país onde o crime compensa. Não qualquer crime, é claro – só os crimes de corrupção e os que são cometidos por quem tem dinheiro para pagar escritórios milionários de advocacia criminal. É óbvio que o público pagante ouve os proprietários do sistema dizerem o tempo todo que estão aplicando a lei. Mais: a cada bandido solto, garantem que estão salvando a democracia e o “estado de direito”. Mas os fatos, derivados da matemática, comprovam que vale a pena viver sistematicamente do crime no Brasil de hoje. É roubar, recorrer à Justiça de primeira grandeza e correr para o abraço”.

2

J. R. Guzzo no “O Estado de S. Paulo” no dia 12 de dezembro de 2021 (artigo: “Pode Invadir”):

“A lei brasileira proíbe a invasão de terras, com todas as suas letras, artigos e parágrafos; até agora, em 132 anos de República, ainda não apareceu nenhum jurista que tenha sido capaz de descobrir uma exceção, mesmos nos confins mais remotos da legislação, que permita a alguém invadir alguma terra que não lhe pertence e ficar ali de boa…

A Constituição, no artigo 5, garante o direito à propriedade privada, mas a Justiça brasileira não está de acordo com essa regra. Está sempre ansiosa em se enrolar na bandeira da “função social” da propriedade para decidir em favor da primeira invasão que lhe passar pela frente…

O conceito de “função social”, pela lógica mais elementar, apenas adverte que a propriedade individual não pode causar prejuízo ao interesse comum – não é uma licença para “A” invadir a terra de “B”. A Justiça acha que é”.

3

J. R. Guzzo na “Gazeta do Povo” de 19 de dezembro de 2021 (Artigo: “Ladrão Rico na Cadeia? O Supremo Faz Tudo para Corrigir essa ‘Anomalia’”)

“Se existe neste país uma coisa que realmente incomoda o Supremo Tribunal Federal e seus satélites do alto poder judiciário nacional é ver ladrão rico na cadeia. Não sossegam enquanto não conseguem soltar, ou não identificar migalhas processuais que os beneficiem, ou anular sentenças, ou absolver em parte – enfim, enquanto não fizerem “alguma coisa” para ajudar e, se possível, colocar o criminoso na rua, devolvendo a ele a possibilidade de começar tudo outra vez…

Aconteceu de novo, desta vez com ninguém menos que o ex-governador Sérgio Cabral, do Rio de Janeiro, que conseguiu ser condenado a 400 anos de prisão …

Os ministros acabaram de demostrar isso, mais uma vez, com a anulação de uma das penas de Cabral, de 14 anos de cadeia – o que abre o caminho para liquidar o resto do saldo devedor, na maior rapidez que for possível…

É como Lula: seus processos penais foram anulados pelo STF porque deram um jeito de decretar que ele deveria ter sido julgado em outra cidade e, nesse caso, as condenações não valem. Não interessa à Justiça brasileira se Lula roubou ou não; o que interessa é saber se foi julgado no lugar certo, segundo a burocracia judicial”.

4

O jornal “Gazeta do Povo” do dia 20 de dezembro passado, em editorial intitulado “Um Retrocesso de 277 Anos”, afirmava:

“Que os tribunais superiores têm imposto inúmeros retrocessos no bom combate à corrupção já é algo amplamente conhecido, especialmente neste 2021 repleto de decisões que vêm desconstruindo praticamente tudo que um diligente trabalho dos órgãos de investigação e as instâncias inferiores do Judiciário construíram. Mas agora é possível ter uma noção do tamanho do estrago: levantamento do jornal ‘O Estado de S. Paulo’ concluiu que tribunais superiores anularam incríveis 277 anos e 9 meses em penas de prisão apenas neste ano — do total, 78 anos e 8 meses se referem a condenações de políticos”.