Na Terra são os próprios governos, com uma burocracia e nepotismo infernal, que limitam a concorrência matando a competição

Em conhecida piada, São Pedro estava à porta do Céu recepcionando as almas da última safra. A primeira da fila apresentou-se. O Santo a abençoa e diz:  — Você teve muita sorte. As regras mudaram a partir de hoje. Foi decretada a liberdade de escolha. Nenhuma alma mais será compulsoriamente condenada ao céu ou ao inferno. O Nosso Senhor foi convertido ao ideário liberal pelos economistas da Escola Austríaca. Convenceu-se de que sem a liberdade individual não existe o livre arbítrio. Doravante, todas as almas terão o direito de conhecer as nossas instalações e as dos concorrentes para decidir onde gozar o descanso eterno. Para exercer o seu direito, sugiro, que, depois de conhecer o mercado, venha para uma visita.

Em seguida, o Santo ordenou a um anjo que a encaminhasse ao Inferno. Ao chegar lá foi recebida pelo próprio Satanás. Este a levou por amplos salões, animados por gente de corpos e rostos lindos, que a saudaram amavelmente. Visitaram praias de nudismo, restaurantes do Michelin, hotéis seis estrelas e tudo que o bom gosto pode apreciar. Após o almoço, foi oferecida uma sala de repouso em companhia de jovens. Terminada a experiência, dando-se por satisfeita, manifestou o desejo de permanecer de vez no local. Satanás, porém, recusou dizendo: — Faz parte das regras que as almas devem assinar um contrato irrevogável e irretratável para serem aceitas. Volte a São Pedro e retorne com o documento reconhecido pelo tabelião do Céu.

Pintura de Alberto Zardo 1

A alma procurou São Pedro, que tentou convencê-la a conhecer o Céu. Foi em vão. Ela não via a hora de retornar. Providenciou o contrato, despediu-se, sem ao menos olhar para trás, e vai direto ao Inferno. Apresentou-se ao recepcionista, um capeta com corpo de bode, soltando fumaça pelo nariz, fogo pelos olhos e chifres enormes. Assustou-se, mas esperou pelo melhor. Decepcionou-se com as acomodações oferecidas. O local era horrível: quente, barulho infernal, sujeira por toda parte e gente horrorosa.  Angustiada disse ao seu guia: — Este não é o local que escolhi! Isto é totalmente diferente! Deve ter havido um engano! Ouviu como resposta:  — Você deveria saber que as recepções são como test drives. É só para seduzir. Fazem parte das campanhas publicitárias, que oferecem um mundo ideal. Não tem nada a ver com a realidade. A propaganda é um sonho desenhado por um publicitário, a realidade é o que nós tivermos para entregar. São como os políticos nas campanhas eleitorais, prometem mundos e fundos; como as companhias aéreas com as viagens maravilhosas; e como os bancos, que dizem fazer tudo por você. Nada além de vãs promessas. Não existe compromisso. Nós somos iguais: anunciamos o Paraíso e entregamos o Inferno.

A vítima inconformada pediu uma entrevista a Satanás. Este ouviu as suas queixas com visível má vontade e lhe respondeu: — Estou muito surpreso. Você já assinou um contrato irrevogável e irretratável, que é como ter pago um bilhete de voo ou aberto uma conta bancária. Não tem direito a reclamação. Mas, ainda assim, aqui ainda é melhor do que na Terra, onde as companhias aéreas e os grandes bancos são monopólios disfarçados, um escancarado cartel. Usam e abusam da clientela e ninguém se rebela. É uma servidão aceita passivamente. Aqui você teve a opção do Céu. Pior de tudo, na Terra são os próprios governos, com uma burocracia e nepotismo infernal (perdoe o abuso do termo) que limitam a concorrência matando a competição. Lá como cá, a competição está restrita à propaganda enganosa, e é isto o que nos diferencia do Céu. No resto todos os infernos são iguais!