Os Estados Unidos estão cozinhando o dólar em água morna, como na conhecida história do sapo. No começo do mês de junho de 2024, o Tesouro dos EUA anunciou que vai endividar-se ainda mais. O valor será maior do que os especialistas imaginavam.

Há não muito tempo, Jamie Dimon, nada menos do que presidente do maior e mais prestigioso banco mundo, alertava para o risco do endividamento americano, que estava sendo financiado com emissões de títulos da dívida pública. Ver artigo “O dólar não tem o céu como limite… pode ser o fim do Império americano?” na coluna de 3 de março de 2024 (confira o link abaixo).

Agora, não muito depois, é a vez do mais bem-sucedido empresário do mundo vir a público com um alerta assustador. Declarou Elon Musk: “O dólar pode ir a zero caso os EUA não parem de emitir dívida”. Desse modo, em uma troca de mensagens na plataforma da qual é dono, o X (que todo mundo continua a chamar de Twitter), Elon Musk revelou sua crescente preocupação com o dólar e os EUA. Elon Musk insiste que dólar vai para zero caso os Estados Unidos continuem gerando dívida.

Nenhum deles mencionou o término do acordo do petrodólar, que assegurava a conversibilidade do dólar como moeda de referência para pagamento do petróleo — o que aumenta o risco da moeda.

A Arábia Saudita não vai renovar o acordo de petrodólar com os Estados Unidos. O anúncio feito pelo príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman (MBS), no dia 9 de junho de 2024, é um divisor de águas na economia global e na geopolítica.

Mais um elemento que sinaliza a construção de um novo mundo multipolar. O acordo entre o país árabe e a maior economia do mundo perdurou por 50 anos e estabelecia que o petróleo saudita seria vendido exclusivamente em dólares estadunidenses, consolidando o dólar como a moeda dominante no comércio global de petróleo. Em troca, a Arábia Saudita receberia proteção militar e apoio econômico dos EUA.

Esse acordo deixou de existir. Na prática, parte do petróleo já vem sendo pago com moeda russa e chinesa. O yuan chinês, pretendente a disputar com o dólar uma posição relevante como moeda de troca e reserva de valor, já é hoje a terceira força monetária.

Nem sempre os profetas são ouvidos. Muitas racionalizações são construídas para provar que a capacidade de endividamento dos Estados Unidos está longe do seu limite.

Entre essas é a de que um concorrente ao dólar deve necessariamente estar escorado em instituições sólidas, que proporcionem segurança; em ampla conversibilidade, que propicie liquidez; e tradição, que dê confiança. E o yuan chinês não atende a todos estes requisitos, por enquanto.

O euro, a segunda moeda de curso internacional, não cumpriu também essas exigências e não decolou como moeda corrente em transações internacionais. Faltou ao euro a pujança da economia americana, uma estável instituição política (o Brexit foi uma ruptura), e não tem uma longa vida.

São essas considerações que alimentam os otimistas da resiliência do dólar, que permitem cozinhar o sapo em água morna.

Realmente, mesmo os pessimistas, não ignoram que desbancar o dólar não será obra fácil. Tudo indica que o tesouro americano ainda vai ter vida longa.

Mas a história é farta de fatos imprevisíveis que precipitaram verdadeiras catástrofes. Napoleão, excelente planejador e admirado guerreiro, subestimou o “general inverno” para colher os amargos frutos de uma Moscou esvaziada. O que levou de volta à França derrotado.

Certamente aqueles que negociam com o dólar, diante de alertas do maior banqueiro e do empresário mais rico do mundo, estão hoje nas pontas dos pés. Entretanto as alternativas de defesa contra uma desvalorização do dólar não estão disponíveis. A China está apostando no ouro para proteção das suas reservas, fugindo do dólar.

Porém, não é de calote que se trata, mas do tesouro não conseguir mais tomadores para a dívida medida em trilhões de dólares, e ser forçado a medidas anti-inflacionárias que levarão a uma recessão mundial sem precedentes.

God save the dollar!

Leia mais sobre a questão do dólar