Um certo grau da complexidade das coisas cria espaço para a especialização. Desde o filósofo e economista escocês Adam Smith (1723-1790), que defende a separação das tarefas, o mundo vem generalizando a sua prática. Surgem divisões dedicadas a diferentes campos: nas ciências, a sociologia, a economia; na medicina, a oncologia, a geriatria…. E por aí vai o mundo se subdividindo em partes menores para permitir a busca do maior domínio do assunto.

Na mesma sequência surgem as empresas especializadas em avaliação de risco financeiro: Moody’s, Fitch, Standard & Poor’s (The Big Three). Elas encontraram um nicho entre os investidores que, impotentes para dominar todas as informações dos participantes do mercado, levam em conta as suas notas (ratings) dos captadores de recursos financeiros públicos e privados.

Os denominados “graus de investimento” cujo nível superior se situa no triplo A (AAA) e descem 20 degraus até às junk. A avaliação leva em conta fatores como histórico de solvência, nível de endividamento, estabilidade política, segurança jurídica, entre outros. Os países economicamente mais desenvolvidos e que tenham o seu endividamento em sua própria moeda (Japão e Estados Unidos) têm proporcionalmente melhor espaço para endividar-se.

Cena de 1917, filme de Sam Mendes/Foto: Reprodução/© Universal Pictures

Um país ou empresa têm que remunerar o mercado de acordo com o grau de avaliação das Big Three para conseguir tomadores. Um exemplo recente é o da Alemanha, que coloca os seus bonds com taxas inferiores aos da Itália, ambas na mesma moeda, o euro — o que exclui o possível efeito inflacionário.

Entre todos os players do mercado, os Estados Unidos levam a vantagem de ser o emissor do dólar, que é reserva e meio de troca preferido pelo mundo. Tendo, ao contrário dos outros países, a opção de emitir a sua moeda em caso de não conseguir endividar-se no mercado. É uma situação ímpar, o que lhe dá credibilidade internacional e uma receita excepcional (a impressão de uma nota, que colocada no mercado por 100 dólares, deve custar ao Tesouro americano talvez 1% desse valor).

Entretanto, apesar das enormes vantagens de ser o emissor da moeda de preferência internacional, o dólar não tem o céu como limite. Consciência deste risco demonstrou Jamie Dimon, CEO do J.P. Morgan, o mais bem-sucedido banco do mundo, em recente debate em Washington com o Bipartisan Policy Center. Ele chama atenção para o crescente endividamento do tesouro americano, que já atingiu o número estratosférico de 34 trilhões de dólares, o equivalente a 120% do PIB, mas crescendo progressivamente.

Nesse cenário, o Congressional Budget Office estimou que o pagamento de juros sobre a dívida dos EUA possa superar as receitas totais do governo até 2030. Dimon diz: “A proporção da dívida do país poderá chegar a 130% até 2035. Temos um pouco de tempo. Mas quando começar (uma escalada) os mercados do mundo todo vão se revoltar”.

Se “revoltar” significa a fuga pelos mercados do dólar, os Estados Unidos poderão desencadear um choque político e econômico internacional. Pois terá que reduzir os seus gastos dramaticamente. Dimon teme o pior: “A redução do orçamento de defesa que ameaçaria o poderio militar do país, com sérios riscos para a segurança mundial”.

E, por consequência, provocaria um desarranjo na ordem econômica internacional. Como aconteceu com o Império Britânico após o endividamento público para custear a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Será que Dimon pensou, mas não ousou dizer ser esse talvez o fim do Império americano?

O endividamento público, que tem sido sustentado por taxas de juros que não refletem o risco dos tomadores, alimentaram a crença de que “gastar gera progresso”. A   Argentina é um exemplo prático. O céu não é o limite.