A Semana da Pátria passou, mas sempre é tempo de se vestir com as cores nacionais. Ou não? Se você sair pelas ruas de sua cidade e vir um cidadão trajando a camisa da seleção brasileira, pode ter certeza: se ele for questionado sobre a escalação dos 11 jogadores do atual escrete da CBF, dificilmente vai dar alguma resposta assertiva – até mesmo porque o contexto é bastante nebuloso para o futebol canarinho.

Por outro lado, nos dias atuais, a chance – ou seria o risco? – de o mesmo sujeito patriota citar corretamente outro conjunto de mesmo número só vem aumentando. Antes de seguir, porém, abrimos parênteses, porque é preciso fazer aqui um miniprotesto: é inconcebível que, no País do Futebol, a língua-mãe ainda não tenha uma palavra para designar um grupo de 11 indivíduos, embora haja termos para quando estão em 2 (dupla), em 3 (trio), em 4 (quarteto), em 5 (quinteto) ou até em 12 (dúzia), e assim por diante. Ora, no Brasil dos estádios ou dos tribunais, o 11 é mais importante do que o 12. E assim fechamos os parênteses.

Talvez pela qualidade do futebol brasileiro na época de Zico, Sócrates e Falcão, ou depois, na de Romário, Bebeto e Dunga, ou ainda com Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho, os senhores e senhoras que se enchiam de peças em verde e amarelo para ir às ruas geralmente tinham, de cabeça, de cor e de memória, todo o “undecateto” (esta coluna registra que, constatada a lacuna, criou aqui e agora o neologismo).

Mas o conjunto a que quer se referir este texto diz respeito a outra lista, outrora esquecida. É a relação de nomes dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). No sentido contrário ao dos craques de chuteiras, nas últimas décadas os homens de toga foram se destacando cada vez mais diante dos olhos da população.

Voltando algumas casas no tempo, o ponto de viragem talvez tenha sido o desempenho de Joaquim Barbosa, um dos raros ministros negros a passar pela Casa – os outros foram Pedro Augusto Carneiro Lessa (de 1907 a 1921) e Hermenegildo Rodrigues de Barros (de 1919 a 1937) –, ao atuar como relator do mensalão. Por acaso ou nada disso, ele foi nomeado em 2003, pelo então recém-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um ano depois de a TV Justiça ser criada para transmitir ao vivo as sessões da Corte. A midiatização do STF, naquele começo de milênio, acabou se potencializando várias vezes com a era das redes sociais e fazendo com que os protagonistas, de certo modo, passassem a beber do próprio veneno da popularidade recém-adquirida.

Foi ao ficar “famosinho” que Joaquim Barbosa foi elevado à condição de presidenciável, como se não ocupasse, como um dos 11 todo-poderosos do topo do Judiciário, o ápice da cadeia alimentar do poder. É que, para o povo em geral, pelo menos até anos atrás, a cadeira principal do Palácio do Planalto tinha primazia entre todas, mesmo entre as similares diante da teoria clássica de Montesquieu.

Mas, em tempos em que tudo se grava e se publica na louca e caótica arena das redes, tornar-se celebridade tem grande ônus, ainda que no Judiciário isso não seja exclusividade do STF, como já provou um ex-cotado à vaga, Sergio Moro. Aliás, o homem que foi o super-herói anticorrupção e (como uma década antes ocorreu com Joaquim Barbosa) foi cotadíssimo para disputar a Presidência e depois para uma vaga no Supremo, teve na semana passada mais um golpe duríssimo em sua reputação. É que o ministro Dias Toffoli anulou todas as provas dos acordos de leniência da empresa Odebrecht julgados na Operação Lava Jato e colocou uma “cereja no bolo”: tachou a prisão de Lula como “um dos maiores erros judiciários da história”. Não satisfeito, escreveu: “(Mas) foi muito pior (…). Tratou-se de uma armação fruto de um projeto de poder de determinados agentes públicos em seu objetivo de conquista do Estado por meios aparentemente legais”.

Foi a vez de Toffoli “brilhar”, mas cada um dos ministros tem tido seu momento. Inconteste, nos últimos anos, tem sido a energia de combate que vem de Alexandre de Moraes. Como já foi dito por esta coluna, ainda no fim de 2022, portanto antes do 8 de Janeiro, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem seu lugar tranquilamente reservado, e com destaque, nos futuros livros de história. Lição dos novos tempos: nem só de presidentes da República falarão os professores ao relembrar estes tempos.

Fica cada vez mais claro, para o cidadão que conhece de cor a escalação do “undecateto” do STF, que a figura do presidente pouco pode fazer sozinha

Assim como o STF, também o Congresso tem mostrado suas garras. No confronto com o ex-presidente Bolsonaro, da parte especialmente do Senado, que foi o esteio político que suportou a pressão golpista. De certa forma, portanto, atuou de forma positiva, pela democracia.

O outro lado da Casa, a Câmara dos Deputados, vem mostrando poder e protagonismo pelo menos desde 2015, quando seu então presidente, Eduardo Cunha (MDB), decidiu o destino da presidente Dilma Rousseff (PT), a qual bateu a mão na mesa e não se deixou aliciar pelo Centrão da época – claro, isso voltou-se contra ela, mas fica bem confortável agora dizer simplesmente que a petista não tinha “traquejo político” ou coisa parecida.

O ápice do poder de fogo dos deputados, no entanto, chegou com a ascensão de Arthur Lira (pP-AL), que parece não tem qualquer pudor para “negociar” a governabilidade do presidente de plantão, desde que seja em seus termos. Assim foi com Bolsonaro, assim está sendo com Lula.

Enfim, fica cada vez mais claro, para aquele cidadão que passou a conhecer de cor, nos últimos anos, a escalação do “undecateto” do STF, que a figura do presidente pouco pode fazer sozinha. Não importa se seja esse cidadão de direita ou de esquerda, ele está entendendo que a varinha de condão do Executivo tem poder limitado, e cada vez mais limitado, pelos Poderes vizinhos. Se isso é bom ou ruim? Tudo dependerá, sempre, do uso que cada um dos mandatários, seja presidente, deputado, senador ou ministro do Supremo, fizer daquilo que lhe foi dado.