Nesta segunda-feira, 2, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, completa 75 anos e estará compulsoriamente aposentada. A última sessão sob seu comando foi na quarta-feira, 27. Vai fazer falta. Vinda da área trabalhista, no cargo de ministra ela se destacou pela defesa das pautas das minorias e dos estratos mais frágeis da população.

Vai fazer falta também por outro motivo, numericamente essencial. Em 2011, Rosa Maria Pires Weber foi escolhida à Corte pela então presidente Dilma Rousseff (PT), depois de seis anos como ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST), para o qual havia sido indicada pelo presidente anterior, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No Supremo, ela substituía Ellen Gracie, fazendo com que se mantivesse no undecateto de cadeiras o número que passou a haver desde que Cármen Lúcia assumiu sua cadeira, em junho de 2006, na vaga de Nelson Jobim: duas mulheres ante nove homens.

Já são, portanto, mais de 17 anos em que essa é a composição por gênero na principal instância do Judiciário nacional. Em relação à proporcionalidade, são dois onze avos, ou pouco mais de 18%, para elas. Muito pouco, pouquíssimo. Mulheres são a maioria da população e do colégio eleitoral. Também foram elas quem certamente deram a Lula os votos a mais necessários para a apertada vitória sobre Jair Bolsonaro (PL) – embora não haja um escrutínio de “votos masculinos x votos femininos” nas urnas, é possível inferir esse dado baseado no que apontavam todas as pesquisas.

A depender das intenções de Lula no que diz respeito ao STF, haverá o temido retrocesso: parodiando o filme, ficarão lá dez homens e uma Cármen. É que, a não ser que haja uma reviravolta na cabeça do mandatário, nas próximas semanas Rosa Weber será sucedida por um dos nomes desta trinca: Flávio Dino, ministro da Justiça; Jorge Messias, titular da Advocacia-Geral da União (AGU); e Bruno Dantas, presidente do Tribunal de Contas da União (TCU).

Obviamente não faltam mulheres aptas para suceder Rosa. Citando algumas: a jurista Vera Lúcia Araújo, que integrou lista tríplice ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) no ano passado; a juíza federal Adriana Cruz; a promotora Lívia Santana e Sant’Anna Vaz; a advogada e professora Soraia Mendes; a ministra do STJ Regina Helena Costa; a desembargadora federal Simone Schreiber; e as advogadas Dora Cavalcanti e Flávia Rahal, do grupo Prerrogativas, principal esteio pró-democracia dentro dos operadores do Direito. As quatro primeiras são mulheres negras.

Ocorre que Lula – que em seus mandatos anteriores se notabilizou por escolhas pessoalmente desinteressadas dos nomes para o Supremo, bem como para todas as demais indicações discricionárias – não é mais o mesmo. Apesar de toda a resiliência que demonstrou diante do trator chamado Operação Lava Jato, os 580 dias de cadeia em um processo contaminado pela suspeição de seu protagonista, o juiz Sergio Moro, deixaram marcas. Também se lembra de que, quando precisou de um habeas-corpus para sua liberdade, o STF lhe disse não. Entre os seis votos negativos, cinco eram de escolhas suas ou de Dilma: Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Edson Fachin e Rosa Weber – o outro foi o então novato Alexandre de Moraes, indicado por Michel Temer (MDB).

Não é nada republicano escolher alguém para uma vaga na Suprema Corte por ser companheiro de café

Agora, o petista não quer mais “errar”. Assim como foi com Cristiano Zanin, quer alguém de sua estrita confiança também para a segunda e provavelmente última escolha que fazer neste mandato. Alguém que possa telefonar sem se sentir constrangido ou sem constranger. Ou, como citou ironicamente o apresentador Gregório Duvivier, em seu Greg News, na HBO, alguém para “tomar um café”. “Vamos fazer Lula tomar um café com uma mulher negra, sugeriu o humorista.

Não é nada republicano escolher alguém para uma vaga na Suprema Corte por ser companheiro de café. E, ademais, o fato de que não tenha uma mulher tão próxima para isso diz muito sobre o mundo masculino que é a política. Nem Zanin nem Messias nem Dantas têm o estofo de qualquer das mulheres listadas dois parágrafos acima, mas não é excelência para o cargo que o presidente quer. Convencê-lo do contrário – ou seja, de, de fato, “fazer a coisa certa” – será uma tarefa hercúlea que alguns acreditam, com otimismo, que talvez possa ser bem-sucedida por meio da habilidade da primeira-dama, Janja da Silva.

Mas quem poderia ser um meio termo? Existe, aliás? Alguém que, de certa forma, agrade ao governo, seja confiável, competente para o cargo e também satisfaça aos clamores de quem quer mais diversidade no Supremo?

Nesse caso, o melhor nome também está no primeiro escalão de Lula: é o negro Silvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, um dos maiores intelectuais brasileiros da atualidade. Suas contribuições na área do Direito o colocam na condição óbvia de notório saber jurídico – o principal requisito técnico para a cadeira de ministro –, especialmente em questões relacionadas à igualdade racial e justiça social.

Silvio é professor titular de Direito Constitucional na renomada Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, e tem uma sólida reputação como intelectual e defensor dos direitos humanos. Também é autor de diversos livros e artigos que abordam temas como discriminação racial, direitos civis e direitos humanos. É dele a essencial definição-conceito denominada “racismo estrutural”.

Em sua incursão na política governamental em uma pasta que não teria tanto protagonismo em outros tempos, e também sem muitos recursos, Silvio Almeida tem ganhado visibilidade por causa da oposição raivosa: assim como Flávio Dino, vem sendo presença constante nas salas de comissão do Congresso Nacional para atender a convocações de CPIs e CPMIs. Responde a perguntas capciosas de forma brilhante e serena – no que é levado a comparações a seu colega da pasta da Justiça. Na semana passada, viralizaram cortes de mais uma participação sua no Legislativo, em confrontos com os deputados da extrema direita Nikolas Ferreira (PL-MG) e Carla Zambelli (PL-SP).

Por sua trajetória pessoal, não parece que Silvio “trairia” Lula de alguma maneira. Pelo mesmo motivo, sua indicação seria um bom sinal ao Senado, Casa em que ocorre a sabatina para o cargo; à opinião pública, que espera gente com perfil adequado e o mais independente possível; e à militância engajada, que, na falta de uma mulher, ficaria satisfeita em ver um Supremo menos branco.

Silvio Almeida talvez fosse esse “ovo de Colombo” para a situação delicada de combinar tantos interesses. A melhor escolha “não mulher” do presidente. Mas corre por fora e, diante do cenário, muito dificilmente será o indicado de Lula. Uma pena para o Brasil que o sistema vença mais essa.