Galípolo trilha caminho de Campos Neto: processo lulista de fritura vai começar?

21 junho 2025 às 22h52

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Ainda está fresca na memória de quem acompanha a política e a economia nacionais a guerra travada em 2023 e 2024 entre o presidente da República, Lula da Silva, e o então presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, tendo como ponto central a taxa de juros do país. Também líder do Comitê de Política Monetária, o Copom – órgão instituído no âmbito do BC e responsável por direcionar a política monetária e a taxa de juros básica no Brasil, Campos Neto era alvo de críticas constantes do chefe do Executivo federal pela forma com que o economista conduzia a taxa Selic.
“Não precisamos ter política de juros altos nesse momento. A taxa Selic de 10,5% está exagerada”, disse o presidente, em junho de 2024, ocasião em que também afirmou que quem tinha interesse em um Banco Central autônomo “era o mercado”. “Eu tive um Banco Central independente, o Meirelles ficou 8 anos no Banco Central no meu governo, sem que o presidente se metesse. O que você não pode é ter um Banco Central que não está combinando com o que é o desejo da população”.
Campos Neto era constantemente bombardeado principalmente pelo núcleo lulista, que atribuía a ele a atitude de “trabalhar contra o país”, fazer oposição ao governo federal e ainda de ter um alinhamento ao ex-presidente, Jair Bolsonaro, responsável por sua indicação ao BC em 2019.
Em janeiro deste ano, o “fardo” do governo de Lula finalmente deu descanso. Gabriel Galípolo assumiu a presidência da instituição após indicação do presidente, que não poupou elogios e votos de boa sorte ao sucessor de Campos Neto. “Eu quero te dizer que você será, certamente, o mais importante presidente do Banco Central que esse país já teve, porque você vai ser o presidente com mais autonomia que o Banco Central já teve”, reforçou o presidente da República.
Um outro que não perdia oportunidades de destacar as qualidades de Galípolo era o deputado federal e um dos maiores aliados de Lula, Lindbergh Farias, do PT. Em entrevista concedida ao portal Poder360 em janeiro, mês em que o novo presidente do BC tomou posse, disse Farias: “Eu acho que a entrada do Galípolo não é qualquer coisa. Porque você tem ali um interlocutor com o mercado, com as instituições financeiras. O Banco Central tem muito peso ali. […] Ele quer que o governo Lula dê certo”. O parlamentar acrescentou ainda achar que “houve uma sabotagem política de Roberto Campos Neto”.
Agora, cinco meses depois, as decisões de Galípolo à frente do Copom parecem ter dado um fim à “lua de mel” com o governo. No último dia 18 de junho, citando como justificativa o “ambiente externo adverso e particularmente incerto em função da conjuntura e da política econômica nos Estados Unidos” e a “volatilidade de diferentes classes de ativos”, além do cenário nacional, com “expectativas de inflação para 2025 e 2026 apuradas pela pesquisa Focus em valores acima da meta”, o Banco Central confirmou a elevação da taxa básica de juros em 0,25 ponto percentual, para 15% – o maior patamar em 20 anos.
A guinada de Galípolo parece ter pegado o governo desprevenido (ou talvez não). O que antes eram gracejos e votos de boa sorte, se tornaram críticas e condenações. Nomes fortes de Lula, que antes alçavam o novo presidente do BC a um pedestal, pela sua proximidade com o presidente, passaram a atacar ferozmente suas medidas. O próprio Lindbergh Farias foi um deles.
O líder petista classificou o aumento da Selic como “indecente e proibitivo” e, mesmo sem citar nominalmente Gabriel Galípolo, como era feito com Campos Neto, as decisões do dirigente do Banco Central não foram poupadas. “O BC não pode ignorar o impacto fiscal de sua política monetária. Se dizem que a dívida preocupa tanto, por que a política de juros não considera o custo que ela própria impõe às contas públicas?”, questionou.
Outra lulista de carteirinha a manifestar contrariedade à alta dos juros imposta por Galípolo foi Gleisi Hoffmann. “No momento em que o país combina desaceleração da inflação e déficit primário zero, crescimento da economia e investimentos internacionais que refletem confiança, é incompreensível que o Copom aumente ainda mais a taxa básica de juros”, disse Gleisi, pelas redes sociais. Note, caro leitor, que novamente a figura do carismático presidente do BC também passou longe de ser citada.
Agora, claro, não faltam opositores para dizer que Lula foi “tigre” com Campos Neto e agora é “ovelha” com Galípolo. Afinal, o chefe do Executivo tem se mantido em silêncio enquanto seu escolhido para o Banco Central trilha exatamente o mesmo caminho do antecessor (o próprio Campos Neto chegou a se manifestar, dizendo que “teria feito a mesma coisa” que o substituto. “Eu poderia falar: ‘Viu? Me criticaram tanto e agora a taxa está maior’. Mas minha honestidade intelectual não me deixa embarcar nessa”, alfinetou o ex-dirigente do BC).
Por outro lado, Lula demonstra coerência com a posição firmada na posse de Galípolo, de que ele teria total autonomia à frente do Banco Central. Afinal, enquanto a taxa Selic atinge o maior patamar em duas décadas, o petista permanece a observar, sem nada a declarar, cumprindo, inclusive, o que declarou em agosto do ano passado: “Se um dia o Galípolo chegar para mim e falar ‘tem que aumentar os juros’, ótimo. Ele tem o perfil de uma pessoa competentíssima”.
A questão é que o cerco vai apertar, e a base eleitoral e política de Lula vai cobrar que o presidente, assim como fez com Campos Neto, também ponha freios em Galípolo. Se o petista terá coragem de fazer isso, a ver. Lula fica diante de duas opções: ou acata o argumento do Copom de que a alta histórica da taxa de juros “é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante”, e deixa Galípolo trabalhar ao seu modo, tal como prometido, ou segue o que pedem seus auxiliares e inicia o processo de fritura do jovem Gabriel, assim como se deu com Campos Neto.