Futuros de Bolsonaro e do bolsonarismo não são o mesmo

09 julho 2023 às 00h00

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Na sexta-feira, 30, era pouco mais de meio-dia e meia quando Jair Bolsonaro (PL) se tornou inelegível para os próximos três períodos eleitorais: as eleições municipais de 2024 e 2028 e as eleições gerais de 2026. Qual foi a primeira imagem sua divulgada nas redes sociais? A do ex-presidente sem camisa sentado em uma banqueta, posando para um ensaio fotográfico, mostrando o dorso nu, o tronco peludo e as cicatrizes de suas cirurgias abdominais decorrentes da facada de que alvo durante a campanha à Presidência de 2018. Qual o propósito?
A imagem divulgada, na verdade, havia sido produzida ainda em abril, pelo fotógrafo gaúcho João Menna, que quis fazer essa foto – fez também outras, com o personagem de terno e também da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro – com vistas a que um dia o registro esteja nos livros de história.
Por que não havia sido publicada, desde então? Porque aguardavam o momento adequado – mais uma prova de como a estética bolsonarista, ainda que tosca, tem sempre método. Mais do que isso, é eficiente para seu público-alvo.
Quem primeiramente postou a foto foi o ex-secretário de Comunicação Social do governo Bolsonaro, Fabio Wajngarten, hoje uma mescla de advogado, porta-voz e faz-tudo do ex-presidente, que legendou a imagem no Twitter com uma mensagem curta, em tom de desabafo: “Vítima, (sic) Dessa tal DEMOCRACIA, que joga há muito tempo fora das 4 linhas, não por palavras e sim por atos e decisões.” Uma frase mal escrita, com erros de pontuação e do uso de conjunções, mas que diz muito sobre o que é Bolsonaro e o bolsonarismo: a busca incessante por gerar indignação sempre se mostrando como alvo do sistema – no caso, “se mostrando” é uma expressão bem literal.
Os escritos imperfeitos do assecla combinam harmonicamente com a imagem chocante, tanto pela pose, pelas queloides no corpo seminu e pela iluminação.
Ao contrário do que se possa pensar, o bolsonarismo precede seu nomeador. Olhando em retrospectiva, o cenário nacional na última década foi sendo traçado de modo que alguma figura radical e reacionária inevitavelmente se destacaria. Havia um grande e simbiótico apelo para isso sendo construído com a narrativa em que se envolveram os grandes veículos de comunicação midiático e a Operação Lava Jato – uma parceria que só foi desvendada de verdade em 2019, com a exposição das conversas entre procuradores da força-tarefa e deles com o então ministro da Justiça e ex-juiz, Sergio Moro, por meio de um material fruto de vazamento protagonizado por um hacker e entregue ao site “The Intercept Brasil”.
Mas com ou sem Vaza Jato, o Brasil já se tornava mais intolerante e dividido, na mesma esteira que seguia o mundo, desde o início da década passada. Da Primavera Árabe, no já longínquo 2011, brotaram flores do mal. O adubo perverso? As redes sociais, que começavam a mover multidões que não sabiam exatamente para onde estavam indo.
Acelerando a linha do tempo, Jair Bolsonaro foi eleito presidente porque as condições do momento lhe davam o cenário ideal. Para o Brasil, seu tempo de Palácio do Planalto foi o que é chamado de “tempestade perfeita”: a um País em crise, política e políticos convencionais em descrédito e uma nação inteira revoltada com a corrupção, assumia um presidente totalmente despreparado para o exercício do cargo. De bônus reverso no meio do caminho, uma pandemia mortífera batendo de frente com o negacionismo oficial.
Candidato à reeleição, fez de tudo para ganhar, mas perdeu, ainda assim. Tendo sido vencido nas urnas, não reconheceu a derrota, como fazia parte do plano de conspiração contra o sistema (embora na versão dele e de seus apoiadores seja o contrário), e esperou mobilizações da base popular e da cúpula militar em torno de si, messias que se achava. Teve de ir para a Flórida curar as feridas porque não tinha povo suficiente nem patentes tão graduadas em seu favor para um malfeito maior.
Bolsonaro está fora dos planos, como candidato. Mas é bom dizer que ele nunca foi o melhor nome para puxar o Brasil para a direita
E, agora, começa a colheita dos frutos das sementes que plantou. O primeiro é a cassação dos direitos políticos por oito anos, a contar da data do primeiro turno de 2022. Não que não venha mais, porque vem mesmo – e precisa vir, por justiça –, mas só a primeira estocada já basta para que o tabuleiro político da direita se toque de que precisará se recompor.
Bolsonaro está fora dos planos, como candidato. Mas é bom dizer que ele nunca, nem de longe, foi o melhor nome para puxar o Brasil para a direita. Bastava ver seu currículo: um capitão do Exército que foi para a reserva depois de um inquérito militar em que foi acusado de indisciplina, quebra de hierarquia e de planejamento de ações terroristas (com bombas em quartéis e um croqui de explosão da adutora do Guandu, no Rio); depois virou político eleito e reeleito à custa de declarações escandalosas e extremistas (entre elas a do desejo de fuzilar o então presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1999, e seu voto exaltando o torturador Brilhante Ustra na votação sobre o impeachment de uma torturada, a presidente Dilma Rousseff); no comando do País, perdeu para si mesmo quando, em vez de buscar capitalização (e capilaridade) popular com a comoção provocada pela pandemia, orgulhosamente se colocou na contramão da ciência, promovendo aglomerações, debochando da doença e desacreditando vacinas.
A foto do “mito” sem camisa feita por João Menna foi jogada ao ar para a extrema direita entender que a lente captava um perseguido, mártir de uma vendeta e de um aludido golpismo do Judiciário. Mas, como ressalta a cientista política Esther Solano, expert em bolsonarismo, existe boa parte da direita conservadora que agora já demonstra um “clamor por certa moderação”.
Bolsonaro poderá se tornar um bom cabo eleitoral para seu sucessor – ou sucessora. Aposentado da política como será por pelo menos oito anos, poderá ao menos bradar que deu nome a um movimento político: o bolsonarismo tem seu nome, mas é muito maior e achará outro a quem se devotar. E, nesse caso, o verbo soa profético: tudo indica que o próximo alvo da paixão extremada da militância será alguém de fato terrivelmente evangélico. E que todos saibam que os pastores já ouviram o som do rebanho.
É impossível negar a força simbólica que Bolsonaro conquistou. Ele é forte, mas está mais nu que no ensaio do fotógrafo gaúcho. Vai desidratar e perder valor de face na política, até porque não entregou a redenção “conservadora” que prometera. E o andor em que lhe carregou o bolsonarismo vai passar a conter outro santo nem tão santo assim.