Durante meses e meses, estranhamente, aquele nome desconhecido apareceu pontuando relativamente muito bem nas pesquisas, às vezes até fazendo frente, em porcentuais, a um medalhão como João Doria (PSDB). Afinal, quem raios era André Janones, para chegar a 3% em um levantamento de intenção de votos para a Presidência da República?

A história dessa nova sensação da política brasileira – e atualmente também o arquirrival do chamado “gabinete do ódio” bolsonarista – é meteórica nesse mundo tão conturbado de plenários, gabinetes, palanques, ternos e gravatas. Hoje com 38 anos, André Luís Gaspar Janones nasceu em Ituiutaba, no Triângulo Mineiro, e foi criado pela mãe, Divina, empregada doméstica – o pai, cadeirante, morreu quando ele era muito pequeno.

O primeiro emprego de Janones foi como cobrador de ônibus. Na juventude, foi filiado ao PT, segundo ele “levado pela defesa das minorias, dos mais pobres, dos trabalhadores”. Saiu porque o partido teria abandonado suas próprias bandeiras. Advogado formado, passou a ser uma figura popular em sua região por usar as redes sociais para cobrar o cumprimento de decisões judiciais envolvendo o governo e a prefeitura de Ituiutaba, principalmente em relação a tratamentos médicos.

Mas a primeira eleição foi apenas em 2016 – e já para prefeito, Candidatou pelo Avante para governar a cidade natal e ficou em 2º lugar, com 13.759 votos. Dois anos depois, aumentou sua popularidade quando se colocou como uma das principais lideranças da greve dos caminhoneiros no Brasil em 2018. Foi o que bastou para o sucesso na postulação para a Câmara dos Deputados: sagrou-se o terceiro deputado federal mais votado de Minas Gerais, com 178.660 votos. Chegou lá levado pela onda da “nova política” e dizendo-se dissociado dos polos liderados por Jair Bolsonaro (então no PSL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Sempre tendo o Facebook como carro-chefe de suas redes sociais, ele novamente ganhou ressonância quando das votações do auxílio emergencial, em 2020: uma de suas lives à época chegou a ser a mais comentada (177 mil respostas) do mundo ocidental, com 3,3 milhões de visualizações, igualando marca da cantora sertaneja Marília Mendonça, que morreu em novembro de 2021.

Somando tudo isso ao fato de Minas ser o segundo maior colégio eleitoral do País, consegue-se explicar, de certa forma, como André Janones alcançou índices de intenção de voto que nem a candidata Simone Tebet, com a estrutura do MDB, havia obtido até o início da campanha. Mesmo assim, inexplicavelmente, seus concorrentes e até mesmo a mídia o ignoravam quando se falava em articulações e nomes cogitados como “terceira via”.

Foi nesse cenário que o deputado estridente das redes abriu mão de sua pré-candidatura a presidente para fechar um acordo altamente estratégico com Lula. Fontes disseram à BBC News Brasil que a reaproximação de Janones com seu ex-partido havia começado no início do ano, tendo a presidente nacional do PT e colega de Câmara, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), como negociadora.

O PT não desprezou o potencial de Janones e se deu muito bem. Após em 2018 ter recebido dos bolsonaristas, em doses bastante multiplicadas, o veneno que destilara contra Marina Silva, então a candidata do PSB/Rede nas eleições presidenciais de 2014, o partido viu no deputado mineiro alguém que poderia dar mais “punch” à equipe digital de campanha e contrapor no mesmo tom a agressividade da extrema-direita nas redes sociais.

E é exatamente esse o papel que Janones está cumprindo na corrida eleitoral. Para entender melhor o que representa sua figura, ele se tornou uma espécie de fusão de Jorge Kajuru com Arthur do Val, o Mamãe Falei, deputado estadual por São Paulo recentemente cassado por falas sexistas contra ucranianas. O discurso antipolítica de Janones se assemelha ao do radialista e senador por Goiás, hoje no Podemos; e sua prática de redes sociais tem consistido em usar o smartphone para constranger adversários políticos, com entradas “ao vivo” ou como se fosse assim, trazendo quem assiste para a cena do fato.

Em uma má noite de Lula, estrategicamente ou não apático durante grande parte do debate, o entrevero acabou ganhando holofotes. E Janones serviu como para-raios do ex-presidente

Um bom exemplo foi o enfrentamento com o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, que, na antessala do debate da Band com os presidenciáveis, se levantou da cadeira gritando e xingando Lula quando o petista apresentou dados sobre desmatamento no Brasil. Janones reagiu e o bate-boca se instalou. Rapidamente, o deputado pegou seu celular e começou a filmar o destempero de Salles – que é candidato a deputado federal pelo PL paulista. Também o vereador Nikolas Ferreira – e também candidato à Câmara dos Deputados por Minas Gerais – entrou na briga (foi chamado de “mascote da milícia” por Janones), que por pouco não acabou em vias de fato.

Em uma má noite de Lula, estrategicamente ou não apático durante grande parte do debate, o entrevero acabou ganhando holofotes. E Janones serviu como para-raios do ex-presidente. O colunista Chico Alves, do portal UOL, resumiu muito bem a situação: “Esse bate-boca tirou o foco dos bolsonaristas da fraca atuação do Lula, por exemplo. Nas redes sociais, muitos deles se ocuparam mais em falar de Janones e rebatê-lo do que explorar essas falas de Bolsonaro contra Lula ou o fraco desempenho de Lula. Então, ele traz algum resultado, sem dúvida.”

O “barraco” foi apenas um a mais na coleção recente de André Janones com os bolsonaristas. Em um mês de aliança com Lula, o parlamentar já gritou aos quatro ventos das redes sociais que Jair Bolsonaro vai acabar com o auxílio de 600 reais em dezembro; que o presidente é um “miliciano vagabundo” (desqualificações acrescentadas por xingamentos mais pesados ainda); que – dirigindo-se ao deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) –, pela liberdade de expressão, poderia talvez opinar que “seu pai, juntamente com você e seus irmãos, mandaram assassinar uma vereadora [Marielle Franco] no Rio em 2018”; que não sabia o que iria fazer “sem os vídeos motivadores do Luciano Hang pra começar o meu dia” (logo depois da ação da Polícia Federal contra ele e mais sete empresários envolvidos em mensagens golpistas via WhatsApp).

Também por causa de declarações ofensivas, Janones virou alvo do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), que acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) contra o deputado. Ironia do destino, colocando caçador no papel da caça. É para isso que o histriônico político de primeiro mandato, mas com um espantoso alcance na internet entrou na campanha petista: distrair a artilharia inimiga, que até o momento continua aturdida com os ataques e perdendo tempo.

Enquanto isso, os dias passam e as semanas ficam curtas até a hora de ir às urnas. A estratégia não tem muito a ver com o que parte dos petistas gostariam. Eles torcem o nariz, alguns com uma mistura de pudor e asco e outros, talvez, com inveja da habilidade e desembaraço da língua ferina de Janones. Todos, no entanto e por enquanto, não têm como negar que a tática pouco diplomática está surtindo efeito. As consequências? As consequências vêm depois, já dizia o saudoso, experimentado e superdiplomático Marco Maciel, vice-presidente de Fernando Henrique Cardoso, ambos tidos como “gentlemen” da política. Mas não são tempos de gentilezas, convenhamos.