Diferente das outras variantes, a Ômicron tem uma entrada favorita para nossas células. Isso explica espalhamento rápido, menor gravidade média da doença e até aponta possíveis tratamentos

Gráfico de novos casos da Omicron não se parecem com nada que já tenhamos visto sobre a Covid-19 | Foto: Reprodução / Our World In Data

Na Europa, América do Norte, África e Oceania, a variante Omicron está quebrando recordes de infecção por Covid-19. Respondendo por 95,4% dos novos casos nos Estados Unidos, a nova variante paralisou voos, trens, escolas e já infectou um quinto da polícia e bombeiros americanos.  Ao redor do mundo, governos estão apostando nas primeiras indicações de que as vacinas ainda protegem contra doenças graves e que o Omicron pode ser uma variante mais suave, mas os estudos publicados afirmam que essa é uma aposta arriscada.

Enquanto os dados iniciais da África do Sul, Dinamarca e Reino Unido sugerem que a nova cepa causa doenças menos graves, os menos graves também podem sobrecarregar os hospitais, o que eleva a mortalidade por todas doenças e acidentes. Os primeiros estudos de vários grupos de pesquisa sugeriram que o Omicron se replica menos nas células do pulmão do que outras variantes, e dois novos estudos sugeriram um possível mecanismo, com base em como ele entra nas células humanas.

Como a Omicron é diferente?

Depois de se ligar ao receptor ACE2 (uma proteína na superfície celular), os vírus Sars-CoV-2 podem se fundir com as células humanas por duas rotas de entrada. Ou o vírus entra diretamente na ocasião da divisão celular, quando uma proteína humana chamada TMPRSS2 cliva a proteína spike na superfície do vírus; ou o vírus pode ser engolido pela célula humana, sendo envolvido pela vesícula celular (endossomo). O vírus então escapa para o interior (citoplasma) da célula com a ajuda de outras proteínas de clivagem de espículas chamadas catepsinas.

A Omicron é menos eficiente do que outras variantes para entrar na célula via clivagem da proteína spike pela TMPRSS2, segundo os primeiros estudos laboratoriais sobre a cepa. Como resultado, estudos com bloqueadores químicos das catepsinas mostraram que são capazes de fechar a porta de entrada favorita da Omicron, apesear de não inibir a atuação das variantes Alfa e Delta. Bloqueadores químicos (os compostos camostat e E64d), entretanto, não são medicamentos, e o indício é no momento apenas uma ideia promissora. 

Além disso, há a já difundida ideia de que a Omicron pode poupar os pulmões e causar doenças mais brandas porque o TMPRSS2 é mais comum nas células das vias aéreas inferiores, mas é importante ressaltar que existem poucos dados que apóiem ​​isso. As células infectadas com Omicron também podem ter menor probabilidade de se fundir com células vizinhas para formar células grandes chamadas sincícios, que podem ser uma causa de doença grave.

Por que a Omicron está se espalhando tão rápido?

É possível que essas diferenças na biologia celular do vírus encurtem o tempo entre a exposição e o início dos sintomas. Há que estudos sugerem que o tempo médio de incubação da Omicron é de apenas 3 dias, enquanto o da Delta é de cerca de 4 dias e o das demais variantes é de mais de 5 dias. Mas outras diferenças também podem ser responsáveis.

Uma dessas diferenças é a capacidade da Omicron de contornar a imunidade fornecida por infecções e vacinas anteriores. Um estudo dinamarquês sobre a propagação do SARS-CoV-2 analisou 12 mil famílias e descobriu que, em domicílios com surto de Delta, os não vacinados tinham duas vezes mais chances de serem infectados por um membro da família do que aqueles que foram totalmente vacinados. Em famílias atingidas pelo Omicron, as pessoas não vacinadas e totalmente vacinadas tinham chances praticamente iguais de pegar o vírus.

Isso não significa que as vacinas contra Covid-19 não funcionem! O mesmo estudo mostra claramente que as vacinas ainda previnem formas graves da doença. No estudo dinamarquês, uma dose de reforço reduziu o risco de infecção pelo Omicron pela metade. Ser vacinado também reduz a chance de uma pessoa infectada infectar outras. Para ambas as variantes, uma pessoa não vacinada tinha 41% mais probabilidade de infectar outro membro da família do que uma pessoa totalmente vacinada.

Outra possível explicação para a propagação explosiva da Omicron é a de que, se a doença realmente causa sintomas mais leves, muitas pessoas podem continuar circulando infectadas e contaminando pessoas, enquanto as variantes que causam doença na forma grave deixam pacientes acamados em isolamento. Essa hipótese, entretanto, é difícil de medir em estudos científicos, pois pessoas assintomáticas não costumam se testar.

A Omicron é mais branda?

Os dados da África do Sul, onde os casos já começaram a diminuir, dizem que a variante Delta colocou três vezes mais pessoas no hospital do que a Omicron. Mas infecções anteriores e a população relativamente jovem do país podem ter ajudado a manter baixos os casos graves. Na Inglaterra e Dinamarca, onde a maior parte da população está vacinada, os casos de infecção pela Omicron também são menos graves. 

Nos Estados Unidos, entretanto, o cenário é menos otimista:  mais de 100.000 pessoas já foram hospitalizadas. Além disso, há sinais de que a Omicron pode causar mais febre, vômitos e diarreia – sintomas que levam à desidratação e agravam outros problemas de saúde, como diabetes. Esses casos precisam de menos cuidados intensivos, mas ainda podem sobrecarregar os hospitais.

A gravidade da Omicron em pessoas sem vacinas e sem infecções prévias permanece uma questão em aberto.

A Omicron será a última variante assustadora?

Provavelmente não. Com a maior capacidade da Omicron de escapar da imunidade e se espalhar, o vírus terá mais oportunidades para mutar. Afinal, cada infecção em um novo indivíduo – cada replicação do vírus dentro de um organismo – é uma oportunidade para mutações aleatórias surgirem. Frequentemente escutamos algo como: “a evolução favorece vírus pouco letais, pois assim os hospedeiros espalham a doença ao invés de morrer”, mas esse não é necessariamente o caso. 

Primeiro, porque as mutações são aleatórias e a impressão de estratégia evolutiva desenhada intencionalmente por uma espécie surge apenas depois de diversas táticas terem sido inesperadamente testadas. Até que humanos e o novo vírus deixem de lutar pela sobrevivência e coabitem o planeta em harmonia (e nada garante que esse cenário seja mesmo futuro), variantes mais graves podem surgir. 

Em segundo lugar, a “lei” da Rainha Vermelha diz que, para ser selecionada, uma mutação só precisa apresentar uma vantagem relativa ao cenário atual. Nosso quadro hoje é de aumento descontrolado de casos, e não há pressão seletiva que recompense uma variante mais branda, contanto que os infectados possam espalhar o vírus suficientemente antes de se isolarem. Variantes mais brandas podem surgir, mas apenas por sorte. 

Mas, para terminar em um tom otimista, podemos nos lembrar de que a própria Omicron pode ajudar a domar o que vier a seguir. A vacinação e as infecções naturais expuseram muitos milhões de pessoas a versões anteriores da proteína spike do Sars-CoV-2, treinando sistemas imunológicos para responder a essas variantes. As infecções com Omicron provavelmente fortalecerão e ampliarão a imunidade, tornando as novas variantes menos perigosas.