Constituição brasileira ganha versão inédita em língua indígena

20 julho 2023 às 08h31

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Trinta e cinco anos após sua promulgação, a Constituição Brasileira alcançou um marco histórico ao ser traduzida pela primeira vez para uma língua indígena: o nheengatu. Essa nova versão da Carta Magna foi patrocinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e lançada em cerimônia na maloca da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), no município de São Gabriel da Cachoeira (AM).
A presidente do STF, ministra Rosa Weber, esteve presente no evento e destacou a importância história do feito. Segundo ela, a tradução para um idioma indígena simboliza o compromisso de garantir que todos os povos indígenas tenham acesso à Justiça e ao conhecimento das leis que regem o País. Segundo ela, isso fortalece a participação desses povos na vida política, social, econômica e jurídica do Brasil.
A tarefa de traduzir a Constituição para o nheengatu foi realizada por um grupo de 15 indígenas bilíngues provenientes da região do Alto Rio Negro e Médio Tapajós. Essa iniciativa foi promovida em consonância com a Década Internacional das Línguas Indígenas (2022-2032) das Nações Unidas. O último levantamento das línguas indígenas no Brasil, feito no Censo de 2010, revelou que as 305 etnias brasileiras mantêm vivas 274 idiomas em todo o País.
Rosa Weber enfatizou a importância de preservar e valorizar a diversidade linguística brasileira, que conseguiu sobreviver apesar dos sucessivos ataques desde o início do processo de colonização do território, que era lar de inúmeros povos indígenas antes de ser denominado Brasil. Essa preservação e valorização são fundamentais para a construção de uma sociedade plural e inclusiva.
Os indígenas presentes na cerimônia comemoraram a tradução da Constituição. Lucas Marubo, do povo marubo, destacou que a tradução abre um precedente para que outros povos também tenham seus direitos traduzidos. “Momento histórico para os povos indígenas”, destacou. Já a tradutora Inory Kanamari, do povo kanamari, lembrou que é a primeira indígena da sua etnia a exercer a advocacia. “Estamos num país com diversidade imensa e não escuto nossas línguas nos espaços. A gente precisa fazer parte”, concluiu Inory.
Língua Geral Amazônica
A presidente do STF Rosa Weber disse que a escolha da língua nheengatu se deu devido a importância dela para região amazônica. “Partiu da percepção de que esta língua historicamente permitiu a comunicação entre comunidades de distintos povos espalhados em toda a região amazônica, até a fronteira com o Peru, Colômbia e Venezuela, e chegou, segundo historiadores, a ser prevalente no Brasil, até ser perseguida e proibida”, explicou.
Chamada de Língua Geral Amazônica, o nheengatu é a única língua ainda viva hoje que descende do tupi antigo, tendo traços que a relacionam com o tupi falado na costa brasileira. “Aprendi que o nheengatu é uma língua do tronco do tupi-guarani e legou para a língua brasileira milhares de vocábulos, o nosso sotaque nasal e com prevalência de vogais, que em conjunto com a herança de outros idiomas indígenas e dos idiomas africanos, caracteriza a nossa língua como única e uma das mais ricas do mundo”, concluiu Weber.
Também participaram do lançamento da Constituição em Nheengatu a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, e a presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Joenia Wapichana.
*Com informações do STF.
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