Químico ligado à Camargo Corrêa diz que levou mala com dólares para Lula
18 fevereiro 2017 às 20h08
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Davincci Lourenço garante que o ex-presidente buscou a mala com dólares na Morro Vermelho Táxi Aéreo. Era dinheiro da Camargo Corrêa para facilitar contrato com a Petrobrás
A revista “IstoÉ” estampa na capa da última edição a denúncia do químico Davincci Lourenço de Almeida, ex-sócio de Fernando de Arruda Botelho, acionista da empreiteira Camargo Corrêa que morreu, num acidente aéreo, há cinco anos. O autor da denúncia garante que levou dinheiro numa mala para o ex-presidente da República Lula da Silva — seria “propina para facilitar contrato com a Petrobrás” — e frisa que Arruda Botelho teria sido “assassinado” (menciona até um brigadeiro que teria articulado o crime). A reportagem “Levei mala de dinheiro para Lula” é assinada pelos jornalistas Sérgio Pardellas e Germano Oliveira. A Petrobrás não se pronunciou a respeito.
Segundo a “IstoÉ”, Davincci era íntimo dos integrantes da cúpula da Camargo Corrêa, empreiteira quase tão gigante quanto a Odebrecht. Esteve em reuniões com o presidente da empresa, Dalton Avancini, e era encarregado de “missões especiais”. Os dirigentes da construtora o teriam usado como portador de uma “mala de dólares para Lula”. A revista assinala que “é a primeira vez que uma testemunha ligada à empreiteira reconhece ter servido de ponte para pagamento de propina ao ex-presidente”.
Davincci não sabe quanto havia na mala, mas disse que levou o dinheiro “no início de fevereiro de 2012 do hangar da Camargo Corrêa em São Carlos (SP) até a sede da Morro Vermelho Táxi Aéreo em Congonhas, também de propriedade da empreiteira”. Ele sustenta que entregou a mala “nas mãos de um funcionário da Morro Vermelho, William Steinmeyer, o ‘Wilinha’, a quem coube efetuar o repasse ao petista”. Steinmeyer nega ter recebido a “encomenda”.
“O dinheiro estava dentro de um saco, na mala. Deixei o saco com o dinheiro, mas a mala está comigo até hoje”, frisa Davincci. Na sua versão, Lula buscou a mala, tendo a proteção de um segurança. “Lula ficou de ajudar fechar um contrato com a Petrobrás. Um negócio de R$ 100 milhões”, pontua Davincci. Na Morro Vermelho, segundo o denunciante, Lula fez selfies com funcionários e diretores.
Davincci afiança que também levou malas de dinheiro para funcionários da Petrobrás. A herdeira do grupo Camargo Corrêa, Rosana Camargo de Arruda Botelho, teria dado autorização para pagar os diretores da Petrobrás. “O Fernando me dizia que a ‘baixinha’, como ele chamava Rosana Camargo, sabia de tudo”, anota Davincci.
Davincci, químico sem formação universitária, inventou o produto UV30, usando para limpar aviões, e criou uma empresa para bancar a produção, a Demoiselle Indústria e Comércio de Produtos Sustentáveis Ltda. Entre os sócios estavam Davincci, Fernando de Arruda Botelho, Rosana Camargo de Arruda Botelho e Alberto Brunetti. Porém, em 2012, a Camargo Corrêa decidiu sair do grupo. Mas depositou 200 milhões de dólares no Bank of America, nos Estados Unidos, em nome da Demoiselle. “O dinheiro tinha por objetivo promover o produto no exterior e fechar parcerias com a Vale Fertilizantes, Alcoa, CCR, e outras empresas interessadas na expansão do negócio. A operação intrigou Davincci. Mas o pior ainda estaria por vir.”
Os negócios entre os quatro sócios resultaram num depoimento ao Ministério Público de São Paulo, concedido ao promotor José Carlos Blat. A Operação Lava Jato, em Curitiba, recebeu o documento produzido a partir da audiência de Davincci. Blat disse à revista que o químico pode ter sido usado como “laranja” pela Camargo Corrêa.
Davincci garante que sofreu “11 ameaças de morte”. A promotora Fábia Caroline do Nascimento reabriu o caso do suposto assassinato de Fernando de Arruda Botelho (o avião em que estava teria sido sabotado). “Estou na fase da oitiva das testemunhas”, afirma um delegado de polícia. “Dois dos quatro irmãos de Fernando de Arruda Botelho, Eduardo e José Augusto, suspeitam de que pode ter havido mais do que um acidente”, diz a “IstoÉ”. “Vou ajudar a descobrir a verdade sobre o que aconteceu. Mas um conhecido ligado ao Exército procurou meu irmão (José Augusto) para dizer que
“O nível de nojeira da equipe que comandava os negócios do meu irmão era muito grande. Tudo o que aconteceu naquele dia do acidente aéreo foi estranhíssimo. Meu irmão estava sendo roubado. Como ele não tinha controle do que acontecia com o avião, ele pode ter sido sabotado sim. Era fácil sabotar o avião. Ele era da Segunda Guerra. Podem ter mexido no avião no dia da queda”, contou Eduardo Botelho à “IstoÉ”. “Se ele não tivesse morrido naquele dia, iria fazer uma limpeza gigantesca nas fazendas da Camargo”, ressalta. Ele está de relações cortas com a viúva Rosana Camargo. “Uma máfia cercava meu irmão. Como pode um gerente de fazenda que ganha R$ 4 mil comprar quatro casas num condomínio fechado em São Carlos?”, inquire.
Eduardo Botelho confirma que Fernando Botelho era amigo de Davincci e que os sócios querem tomar-lhe a empresa. “Ele (Davinci) morou na minha casa aqui na fazenda. Meu irmão dizia que eles iriam fazer chover dinheiro com o produto. Depois que meu irmão morreu, tentaram quebrar a patente, criaram outras empresas similares à Demoiselle. Tudo para tirá-lo da jogada.”
Outro lado
Advogados de Rosana Camargo disse que a bilionária está sendo alvo de “crimes de calúnia, difamação e injúria por parte de Davincci”. “Ele responde a diversas ações judiciais, já tendo sido obrigado pela Justiça a cessar a divulgação de ameaças”, contrapõe o advogado Celso Vilardi. A Muniz e Advogados Associados, representante da Camargo Corrêa, assinala, segundo relato da “IstoÉ”, “que Edgard de Oliveira Júnior, em razão dos desentendimentos entre os sócios, deixou espontaneamente a sociedade que mantinha com Davincci”. “A empresa foi dissolvida, liquidada e a patente colocada à disposição”, garante. Procurada para confirmar a negociação intermediada por Lula, conforme depoimento de Davincci, no valor de R$ 100 milhões, a Petrobras não respondeu até o fechamento desta edição. William Steinmeyer, da Morro Vermelho, confirma que conhece Davincci (“um cara excêntrico”), mas jura que não recebeu qualquer encomenda dele.
A reportagem não apresenta a versão de Lula da Silva. Considerando a gravidade da denúncia, o ex-presidente, ou seus advogados, deveria ter sido ouvido.
Notícia é apontada como falsa
Advogados de Lula processam a revista IstoÉ e jornalistas
O ex-presidente da República quer indenização de 1 milhão de reais. Ele alega que denúncia da revista é falsa
Nota
“Na condição de advogados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, propusemos hoje (23/02/2017) ação de reparação por danos morais contra a Editora Três Ltda. (em recuperação judicial), Sérgio Pardellas, Germano Oliveira e Davincci Lourenço de Almeida em decorrência da reportagem “Levei mala de dinheiro para Lula”, texto mentiroso e sensacionalista publicado na IstoÉ (edição nº 2462 de 22/2/2017). A ação pede a condenação solidária dos réus ao pagamento de indenização no valor de R$ 1 milhão.
“Os demandados se acumpliciaram para produzir essa infame e leviana acusação sobre uma “mala de dinheiro” recebida por Lula em troca de suposta ajuda para a construtora Camargo Correia “fechar” um contrato com a Petrobras. Tal fato jamais ocorreu. O mais grave é que a reportagem fiou-se na fantasiosa versão de Davincci Lourenço de Almeida, pessoa cujo histórico de vida contempla outros atentados contra a honra alheia.
“Cabe registrar que, no período da acusação formulada pelos demandados, Lula não exercia qualquer cargo público e passava por um intenso tratamento de saúde, buscando a cura de um câncer.
“IstoÉ foge à responsabilidade de uma imprensa séria, preocupada em apurar a verdade dos fatos. Mais do que isso, afronta os direitos à personalidade que são assegurados a Lula pela Constituição Federal.”
Cristiano Zanin Martins & Roberto Teixeira
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