Nilson Gomes-Carneiro

Especial para o Jornal Opção

O procurador de justiça Benedito Torres Neto lança seu segundo livro, “A Criação Judicial no Campo Penal — Limites e Possibilidades”, pela Editora D’Plácido, especializada no ramo. O evento será realizado das 18 às 22h de quarta-feira, 16, na Associação Goiana do Ministério Público, a AGMP (Rua T-29, 1758, Setor Bueno, Goiânia).

A obra contém a dissertação de mestrado que o autor defendeu no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), em Brasília, quando exercia o cargo de coordenador na Corregedoria Nacional do Ministério Público. O assunto é polêmico, pois tem a ver com o Supremo Tribunal Federal, elogiado por uns, criticado por outros, ignorado por ninguém.

A pergunta que surge logo na introdução: o STF “possui legitimidade para legislar em matérias atinentes a normas no campo penal, principalmente, quando em prejuízo do réu”? Após detalhar 177 obras, Torres Neto conclui: [atenção, vem aí spoiler]

“Ao final, reitera-se a obrigação de o STF atuar no campo penal em benefício do réu, mas a impossibilidade legal de atuar como legislador positivo para prejudicar o réu”.

Ou seja, respondeu à indagação do título desta resenha: não pode.

E não pode por quê?

“Contraria a Constituição Federal, o Código de Processo Penal, o Código Penal, tratados e acordos internacionais. Eis o limite do STF!”.

Benedito Torres: procurador de justiça do Ministério Público de Goiás | Foto: Divulgação da Editora

Entre a interrogação deduzida na página 15 e a exclamação da 224 aparece um escritor consciente de que, em PDF ou papel, suas teses precisam têm de surgir inteligíveis aos olhos de quem busca informações jurídicas abalizadas. Quanto mais espalham fake news, mais os especialistas são consultados por quem se interessa na liberdade encontrada em conhecer os dados verdadeiros. Mestre em Direito Constitucional, professor universitário na área, integrante do Ministério Público há 33 anos, eleito procurador-Geral de Justiça (três vitórias, dois mandatos) e presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais, entidade dos chefes dos Ministérios Públicos dos Estados e da União, ufa!, Benedito Torres Neto tem condições intelectuais de ser o tira-dúvidas. E tira várias no livro.

“O STF pode, sim, criar normas”, disse o autor em entrevista ao Jornal Opção, “mas com regramento”. Uma exceção é justamente a área penal quando piora a vida do réu.

O Supremo brasileiro não é o único no mundo a herdar de legisladores folgados a apertada função de legislar. Seus similares na Alemanha e na Itália, por exemplo, foram pioneiros “na atuação como legislador positivo, objetivando preencher as lacunas da lei, em matérias relativas a direitos fundamentais, não cumpridas por agentes públicos ligados aos poderes constituídos”.

Legislador positivo é o que escreve as leis, os decretos, as emendas à Constituição. No Brasil, existe demais o legislador negativo, aquele que obtém os votos populares e quando chegam ao Congresso querem trabalhar somente como despachantes. É um tal de emenda para empreiteira construir asfalto, indústria vender maquinário, atravessador fazer show. Nada de cumprir o que são pagos para fazer, legislar e fiscalizar. Por isso aparecem as tais lacunas. Já que Câmara e Senado não querem legislar, o Judiciário se socorre de seus próprios ministros.

Torres Neto, 60 anos recém-completados, está no quinto mandato de presidente da entidade de sua classe, a AGMP, onde vai autografar os exemplares de “A criação judicial no campo penal”. Polido, elegante, diplomático, um gentleman. Seria visconde se isso aqui fosse monarquia. Então, o leitor não deve ir afoito ao livro esperando porretadas nos parlamentares inertes parasitários. De seus parágrafos emanam aulas, não broncas. Disseca os princípios constitucionais, como o da legalidade e o da proporcionalidade, que esmiúça “à luz da técnica integrativa normativa, inclusa dentro das chamadas decisões construtivas”.

Um dos males de quem apela para o xingatório é esmurrar quem dá a cara a tapa – o STF – e não quem se omite – o Congresso Nacional. É comum o desfile de oradores às tribunas das Casas legislativas para, com sua retórica de açougue vegano, esbofetear o Supremo. Nem ficam vermelhos (ou verde-amarelos, conforme o caso). Se o Judiciário precisa “preencher lacunas”, o culpado é o Legislativo, que as escancara.

A Constituição é um verdadeiro camelódromo, tem de tudo, tudo é com ela, por isso tudo deságua em seu guardião, o Supremo. Responsáveis por essa bandalheira? Os chamados constituintes originários, aqueles que a redigiram em 1987/1988, e os que agora a transformam numa colcha de retalhos pútridos: entopem a Carta Magna do que querem, não do que é indispensável. Perto de completar 35 anos, até hoje não foi completamente regulamentada. E a bomba cai no solo do outro lado da Praça dos Três Poderes, no STF. É um troço estranho, mas calculado: os políticos não trabalham no que deveriam, passam a bola quadrada para o Supremo dominar e depois se enfurecem com as medidas tomadas ao arrepio dos produtos de sua desídia (preguiça em juridiquês).

Para elaborar as teses do livro, Benedito Torres Neto estudou em obras de alguns dos mais renomados cientistas, como o alemão Claus Roxin (a maior estrela viva do Direito no mundo atualmente), o normativista Hans Kelsen (nasceu na República Tcheca, morava nos EUA, é tido como austríaco e chamado de alemão), o constitucionalista português José Joaquim Gomes Canotilho, os brasileiros Luís Greco (amigo do autor, mora na Alemanha desde o século passado), Ademar Borges (seu orientador de mestrado), Paulo Gonet (um dos favoritos para ser o próximo procurador-Geral da República) e Lenio Streck (o astro do momento no Direito brasileiro).

Também são citados ministros do STF atuais (Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, presidente eleito do Supremo) e ex (Teori Zavaski). Da Argentina, Eugenio Raúl Zaffaroni, um gênio cuja nomeação para a Suprema Corte foi a grande obra de Néstor Kirchner. Entre os filósofos de ponta, o iluminista alemão Immanuel Kant.

Outro objeto de consulta de Benedito Torres Neto foram as decisões do STF, da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Tribunal Constitucional Federal Alemão, Tribunal Constitucional de Portugal, Anuario Iberoamericano de Justicia Constitucional, Tribunal Constitucional da Colômbia.

Leia Benedito Torres Neto hoje e seja um qualificado debatedor de conteúdo jurídico de amanhã em diante.

Nilson Gomes-Carneiro é jornalista e advogado. É colaborador do Jornal Opção.