Covid-19 “levou” o tenente-coronel Hrillner, a pessoa que mais gostava de rir no mundo
07 setembro 2020 às 14h40
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O tenente-coronel da PM Hrillner Braga Ananias morreu na noite de domingo deixando um legado na Segurança e na Educação
Nilson Gomes
Hrillner nasceu para servir. Tinha nome de militar europeu, mas era goianiense com todas as nuances do pé rachado: torcia para o Vila Nova, gostava de ouvir música ao redor de mesa de bar, mesmo não sendo mesa, mesmo não sendo em bar, desde que cercado de gente e sorrindo, sorrindo tímido, sorrindo muito, de tudo e todos. E todos ali tinham alguma história para falar de quando Hrillner os ajudou em alguma coisa, a carregar os móveis numa mudança, a doar sangue para o primo do vizinho do recém-chegado do Pará que ninguém conhecia, a conseguir uma casa, enfim… Assim era Hrillner Braga Ananias, que a Covid-19 levou na noite de domingo, 6. O coronavírus não sabe, mas vitimou a pessoa que mais gostava de rir no mundo. Sem ele, o planeta fica triste.
Hrillner nasceu para proteger. Dava-se muito bem com idosos, crianças, cachorro. Quem não conseguia conviver com ninguém, eis um público seu. Era jeitoso. Empurrava o carrinho na feira. Parava para ajudar motorista a trocar pneu. Dava carona do Parque das Laranjeiras até onde o folgado fosse. Mais que isso: era afável, deixava a pessoa se sentir no comando da conversa, da amizade, da caminhada.
Hrillner nasceu para servir e proteger. Por isso, entrou na Polícia Militar. Vocacionado era seu nome, seu posto, seu jeito. Tudo bem, tinha o DNA do pai, Omildo, coronel honesto que fez fama por abominar subornadores e subornados. O irmão, Ananias, também é PM. Mas a família do Hrillner eram os 7 milhões e 200 mil goianos. Um bandido cometia crime em Porangatu, ele estava numa viatura em Jataí e lamentava. Aliás, estar em viatura era o melhor lugar do mundo, a melhor hora, a melhor ação. Não queria estar em outro local.
Hrillner nasceu para sorrir. Tirei este feriadão para fazer uma hackathon (maratona de perscrutar ideias). De cada dez conversas, citava o Hrillner em uma dezena. Durante a semana, esteve mal, melhorou, melhorou ainda mais, piorou e piorou de vez. Quando o interlocutor o conhecia, a lembrança era sempre sobre algo que fez Hrillner sorrir. Podia ser qualquer coisa, pois sorria de tudo. Tenho agenda com 30 mil telefones, cerca de 18 mil pessoas, provavelmente 3 mil delas em comum com o Hrillner. Trabalhamos juntos durante 13 anos. Não me lembro de vê-lo triste. Nem quando o Túlio errou o pênalti que levaria o Vila para a série A do Brasileirão. Nem quando o Vila caiu para a Terceirona.
Hrillner nasceu para tornar felizes seus próximos. Não apenas familiares, policiais, amigos. O próximo no sentido cristão, o ser humano. Sempre foi um militar linha-dura contra o crime, na sede de proteger a sociedade. Mas nunca injusto. Desde que o conheci, no início de 2000, ele se dedicava à Educação. Trabalhávamos na Secretaria de Segurança Pública, que juntamente com a de Educação preparava a militarização de uma escola. Protestei por ser o Colégio Hugo de Carvalho Ramos, que perderia o nome do grande escritor. Houve acordo com a PM, algo assim, para manter o batismo. A preocupação de Hrillner era outra: os alunos terem paz para estudar. Não adianta ostentar na fachada a homenagem a um vulto se lá dentro reina a desordem.
Para resumir, o oficial superior que andava em viatura nas quebradas levando paz às pessoas de bem continuou pesquisando a Educação, que reconhecia ser a única salvação contra a criminalidade. Nos últimos tempos, tivemos longas conversas sobre a militarização das escolas municipais em Goiânia. Participamos juntos de live promovida por ele com uma autoridade internacional no assunto, o major Alex, policial militar goiano que está na Europa fazendo doutorado em ensino militar. Hrillner ia convidar o Alex para essa hackathon, quando me informou que testara positivo para covid 19. A doença não atrapalharia, pois estava em casa e de lá participaria: “Vou falar com o Alex para arrumar a senha do Zoom”. No dia seguinte, informou via aplicativo que iria ser internado.
Eis o Hrillner Braga Ananias que a Educação perdeu. Combatia o crime, mas sabendo que era efeito. E lutava pela causa: “Chefe, com a militarização vamos evitar que milhares de crianças experimentem drogas”. Citava uma pesquisa que virou livro provando que quantia ínfima de alunos do Proerd, um programa da PM que alerta a estudantes sobre os malefícios das drogas, cometem delitos após o curso. Com a militarização, bastava focar no aconselhamento pelo exemplo. Não havia melhor exemplo que ele.
Hrillner melhorou todos os ambientes pelos quais passou. Como policial, pergunte a moradores de Jataí, Goiânia, Anápolis. Como amigo, semeava a alegria até em velório, mesmo com a pose de coronel ao tentar segurar o riso após uma piada. Para a esposa, Cristiane, era o marido companheiro, para quem não existia tempo ruim. Cristiane sabe que a vida é uma passagem, vai continuar, e sua nova missão é celebrar a memória de seu amor.
Hrillner será lembrado sempre que um policial servir, que um militar proteger, que um professor elevar o nível da turma, que um estudante evitar o caminho do mal. De minha parte, não esquecerei o seu sorriso franco, às vezes por quase nada, uma anedota repetida, um caso contado tantas vezes que ele pedia para contar de novo. Goiás perdeu um grande trabalhador. A sociedade perdeu eficiente protetor. A Cris perdeu sua companhia. Eu e outros milhares perdemos um amigo. A Educação perdeu um apóstolo. Agora, cabe a todos nós cuidarmos de seu legado. E que herança bonita o Hrillner nos deixou: servir, proteger, educar.