Antipetismo leva parte do Brasil a votar em Jair Bolsonaro
16 setembro 2018 às 20h15
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Se eu fosse conservador não votaria em Bolsonaro: o candidato a presidente pelo PSL prega respeito à família e ofende a célula básica da família — a mulher
J. C. Guimarães
Uma das lições da atual disputa presidencial no Brasil é a seguinte: quando o temperamento ditatorial é de esquerda os liberais defendem fervorosamente a democracia. Mas se o candidato a ditador pensa como eles, estão prontos a também adorar um ditador. Significa que o brasileiro médio não tem horror a ditaduras coisa nenhuma: tem horror apenas se forem ditaduras de esquerda. Neste sentido a extrema-direita brasileira — aquela que prega a chamada “escola sem partido” — é tão ideológica quanto o PSTU.
Quem vota em Jair Bolsonaro? Segundo pesquisas, conservadores e tradicionalistas, ricos, grande parcela dos evangélicos. Setores da direita decepcionados com a política, talvez a única coisa que irmana os brasileiros dos três espectros políticos: esquerda, centro e direita. E por que votam em Bolsonaro? Errou quem atribui o índice eleitoral do capitão às suas improváveis virtudes. Acertou quem disse: antipetismo. É um candidato desprovido de qualidades tangíveis, que cresceu a reboque da insatisfação popular com o PT. É literalmente um Mito, no sentido de que não representa, de fato, uma solução para O Brasil.
O PT errou? Errou. Os petistas não gostam de admitir, mas o PT rasgou a bandeira da ética, conhecida por uma geração de militantes e eleitores, e pela qual conquistou milhões de votos. No governo, o partido assumiu para si o modus operandi da estrutura tradicional de poder no Brasil, transferindo seu profissionalismo político para o profissionalismo contábil. Não sou dos que advogam o PT a qualquer custo. Nem a forma de financiamento eleitoral vigente no país antes da última reforminha eleitoral. Mas daí a se aventurar em soluções perigosas vai uma distância quilométrica.
Deus e a família
Eu sempre me espanto quando Bolsonaro coloca Deus acima de tudo. Pode um homem cujos princípios se baseiam na família e na religião odiar tanto? O Cristianismo é ódio? Família é ódio? Não a família nem o Cristianismo nos quais acredito, aos quais Bolsonaro blasfema com sua ira. Se eu fosse conservador não votaria em Bolsonaro. Uma boa razão: Bolsonaro prega respeito à família e ofende a célula básica da família, que é a mulher. Como eu poderia respeitar minha avó, minha mãe, minha irmã e minha esposa e, ao mesmo tempo, respeitar um candidato que as ofende por sua condição de mulher? Ou bem eu respeito as posições de Bolsonaro ou respeito aquelas mulheres: impossível conciliar.
Se já não bastasse sermos ameaçados pelo bandido, Bolsonaro se propõe a armar o dito Cidadão de Bem, que criou. Numa visão completamente tosca e maniqueísta, o Mito – ou será Mico? – divide o mundo entre os bons e os maus. Os psicólogos sabem que esta é uma visão falsa e mentirosa, do homem. Nossa personalidade possui muitas gradações. De sorte que o novo e um tanto fictício personagem Cidadão de Bem pode, num mal-entendido qualquer, matar outro cidadão de bem, se estiver armado. Teremos então dois perigos à solta, ao invés de um: o criminoso profissional e o cidadão de bem, a quem o capitão e seu general a tiracolo delegam a “segurança pública”. E lavam as mãos como Pilatos?
Ultraliberalismo e autoritarismo
Bolsonaro é um extremista. E todo extremismo — inclusive de esquerda — não é desejável. Os dois produzem o mesmo resultado: divisão social, violência, opressão de uns contra outros. No limite, fascismo ou totalitarismo. Não só não resolve o problema do Brasil como criam mais um, além dos que já temos. Se a História serve para algo de útil, é para nos advertir que Hitler e Mussolini também eram anticomunistas ferozes. Deu no que deu: em trocar seis por meia dúzia. A violência e a opressão apenas mudaram de mão.
Se eleito, Bolsonaro em tese implantará uma política ultraliberal. Seu economista chefe (e possível ministro da fazenda) é conhecido pela capacidade intelectual, francamente antiestatista. Nenhum problema até aí: é o jogo democrático. Concordemos ou não com Paulo Guedes, com ele dá para discutir: estamos ainda no campo das ideias, da racionalidade. Eis justamente o ativo de que Bolsonaro, o elemento político da equação, não dispõe. Bolsonaro é incapaz de discutir ideias: no máximo tem conseguido expressar paixões, e paixões violentas.
Teríamos num hipotético governo seu uma economia supostamente ultraliberal “coordenada” por uma política autoritária. E é aí que Bolsonaro se afasta radicalmente do liberalismo: com sua cruzada moralista ele iria macular a esfera privada dos indivíduos e ditar-lhe normas – como acusa os socialistas de fazerem (em Cuba ou na Venezuela). Nenhum liberal autêntico prega ou acredita nisso, uma vez que sua crença se funda na liberdade individual. E também nenhum socialista poderá ser acusado daqui para frente de defender um Estado que se intromete na vida do cidadão. No Brasil atual o extremo-direitismo é o único candidato a cumprir este papel.
Com Bolsonaro o Estado continuará presente, oprimindo a vida do cidadão, por meio da política. E o instrumento constituição do Estado para oprimir chama-se violência, reeditada outra vez neste país (como no Estado Novo e no Regime Militar) para cercear a liberdade individual. O general Mourão, com pinta de caudilho, deixou isso bem claro, ao autonomear-se “profissional da violência”. Nada mais parecido com a velha América Latina do que botar na presidência novos caudilhos, com graus extremados de demagogia.
O que isso tem de diferente? Nada. De moderno? Também nada. É só a reedição do velho, piorado por mais ódio.
J. C. Guimarães é crítico literário.