A esquerda de Goiás é o futuro do Brasil, diz Vladimir Safatle. E isso não é um elogio

22 outubro 2023 às 00h04


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Vladimir Safatle esteve em Goiânia na semana passada para encerrar a 27ª Semana de Filosofia, evento promovido pela Faculdade de Filosofia (Fafil) da Universidade Federal de Goiás (UFG). Ele concedeu entrevista exclusiva ao Jornal Opção, programada para sair na edição da próxima semana.
Durante a conversa, o escritor, filósofo e professor titular da Universidade de São Paulo (USP) foi provocado a falar sobre os rumos da esquerda. Ao tomar conhecimento do quadro do campo em Goiás, Safatle foi taxativo: “Talvez [a esquerda de] Goiás seja o futuro do Brasil”.
Quem conhece a perspectiva, bastante engajada, do intelectual sabe que isso está longe de ser um elogio. O professor, referência no campo ideológico, se situa à esquerda mesmo dentro do espectro do PSOL, partido pelo qual foi candidato a deputado federal por São Paulo nas eleições de 2022 (obteve 17.644 votos).
A força do PT goiano sempre se concentrou nas maiores cidades – e não em todas elas –, mas mesmo esse papel foi enfraquecido na última década. Em Goiânia, o partido “progrediu” de zero para uma cadeira na Câmara, de 2016 (quando tinha o prefeito da cidade, Paulo Garcia) para 2020. Em 2012, havia conseguido fazer quatro nomes.
Na Assembleia Legislativa, onde o partido já chegou a ter quatro deputados, hoje tem três – Antônio Gomide, Mauro Rubem e Bia de Lima –, mas passou por um momento pior entre 2019 e 2022, com apenas dois representantes. O PSB, do vice do governo federal, Geraldo Alckmin, tem apenas o deputado Karlos Cabral e, em Goiânia, o vereador Pedro Azulão Júnior, ambos nada radicais. O PDT tem o casal Morais: George na Assembleia e Flávia na Câmara, mas ninguém pode chamá-los de esquerdistas sem cometer uma grande distorção.
A situação dos demais partidos de esquerda em Goiás é ainda mais anêmica: PCdoB e PV, da federação com o PT, não tem parlamentares eleitos em nenhuma das duas casas. A federação PSOL-Rede em Goiás junta dois partidos mais voltados para as próprias teses do que para o pragmatismo eleitoral.
Não é à toa que, desde a campanha de 2022, muito se falou em uma aliança do campo da esquerda com o PSDB e se falava em uma aproximação com Marconi Perillo, histórico desafeto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Chegou a se cogitar aliança com José Eliton, ex-vice-governador na gestão Marconi e ex-tucano (que, aliás, havia sido eleito pelo então DEM, hoje União Brasil).
Da perspectiva de um socialista genuíno como Safatle, é possível entender que a esquerda goiana, no todo, está “endireitada”. Não que se espere vida fácil para esse campo ideológico em um Estado dominado pelo agronegócio na economia e com um alto índice de evangélicos na população. Mas, na verdade, o cenário difícil em relação às demais forças é apenas um dos problemas do PT e dos demais partidos do grupo progressista em Goiás.
A má notícia, para a “esquerda raiz” e segundo Vladimir Safatle, é que a tendência é que Goiás seja o Brasil amanhã. (E.D.)