Por Euler de França Belém
As pesquisas eleitorais publicadas no final de semana colocaram o grupo de Antônio Gomide (PT) com as barbas de molho. A 15 dias das eleições, o cenário para o governadoriável petista deixou de ser desanimador para entrar no terreno do desespero.
Além de confirmar que sua candidatura realmente não encantou o conjunto do eleitorado goiano, os estudos mostram algo pior: Marconi Perillo (PSDB)pode chegar ao final da disputa com mais votos que Gomide até mesmo em Anápolis.
Para tornar a situação mais desesperadora para o grupo do ex-prefeito, seu irmão, o deputado federal Rubens Otoni (PT), pode ter menos votos que Alexandre Baldy (PSDB) na cidade. É o que também apontam pesquisas recentes nos últimos dias.
O problema para Gomide e Otoni tem configurações diferentes. O candidato a governador, por não ter chance nenhuma, despertou o raciocínio do voto útil entre os anapolinos: se votarem em Gomide, ajudam a colocar Iris Rezende (PMDB) no segundo turno. Como se sabe, o peemedebista é rejeitado em Anápolis.
Para Rubens Otoni, a questão é outra. Pela primeira vez, encara um candidato a deputado federal que, além de ter uma campanha organizada e competitiva em todo o Estado, tem um perfil de empreendedor, que combina mais com a cidade. “Votar em Alexandre Baldy virou um movimento em Anápolis”, diz um observador.
No sábado, Marconi e Baldy reuniram uma multidão impressionante para a caminhada que fizeram pelas ruas da cidade. O clima foi tão festivo e descontraído que, durante um trecho, chegaram a andar em bicicletas cedidas por moradores. O sorriso dos dois, disse o mesmo observador, era sinal de vitória.
Admitindo a margem de erro do levantamento do Serpes, de 3,46%, é praticamente impossível garantir que Vanderlan Cardoso “avançou” e que Iris Rezende “caiu”
[A 14 dias das eleições, se tiver segundo turno, a tendência é que seja disputado por Marconi Perillo e Iris Rezende]
Ao lado de Fortiori, Grupom, Datafolha, Vox Populi, Ibope, o Serpes é um dos mais qualificados institutos de pesquisa do país. Em Goiás, Estado no qual se especializou, tem como principais concorrentes o Fortiori e o Grupom, ambos respeitáveis e com históricos de acertos impressionantes. Porém, as pesquisas rigorosas do Serpes nem sempre são bem interpretadas por alguns repórteres inexperientes de “O Popular”, como Caio Henrique Salgado. É provável que o diretor técnico do instituto, Antonio Lorenzo, tenha apresentado uma interpretação para servir de baliza para Salgado, que, no entanto, deve tê-la ignorado, por motivos não conhecidos. Vamos apresentar uma série de questionamentos não sobre a pesquisa em si – a divulgada na edição de domingo, 21, pelo diário “O Popular” –, e sim a respeito da interpretação feita pelo repórter, com anuência (e responsabilidade), acredita-se, da editora-chefe, Cileide Alves.
Pop, e não o Serpes, sugere que Vanderlan “avançou”
1 – Na pesquisa divulgada em “O Popular”, o Serpes informa que sua margem de erros, “para mais ou para menos”, é de 3,46%. O repórter Salgado, porém, não levou em consideração a margem de erro ao sugerir que Vanderlan Cardoso, candidato a governador de Goiás pelo PSB, “avançou” e que Iris Rezende, candidato pelo PMDB, “caiu”. Informa o título da capa: “Vanderlan avança, Iris cai e Marconi fica estável”.
Se Vanderlan, registra o Serpes, cresceu 2,8%, saltando de 7,2% para 10%, mas a margem de erro é de 3,46%, a interpretação do jornal está, possivelmente, equivocada. O “crescimento” do socialista, estando dentro da margem de erro, não deve ser considerado, como foi, “avanço”. A rigor, ele tanto pode ter 10% (ou 10,66%) quanto 6,54%.
Não se pode dizer que Iris “caiu”, ao contrário do que frisa “O Popular”. O peemedebista tinha 25,1% e “caiu” para 22,4%, quer dizer, perdeu 2,9%. Considerada a margem de erro, de 3,46%, não se pode dizer, ao menos não com precisão, que houve um recuo. Tanto que, numa próxima pesquisa, poderá voltar a ter os mesmos 25,1%.
“O Popular” também menciona o “crescimento” do candidato do PT, Antônio Gomide – de 5,9% para 7,2%, ou seja, um “avanço” de 1,3%. Nem é preciso mencionar a margem de erro, de 3,46%, para observar que o dado não pode ser considerado, tecnicamente, crescimento.
Curiosa mas estranhamente, “O Popular”, ou Salgado, só acertou mesmo ao dizer que o candidato do PSDB, Marconi Perillo, estabilizou-se, crescendo de 39,3% para 40,4%. Mas não ressaltou um ponto que será apontado por nós na nota 3.
2 – No título interno, o jornal diz: “Iris perde terreno, mostra Serpes”. Será que o instituto mostra exatamente isto? Ora, a diferença entre o peemedebista e o candidato do PSB ainda é de 12,2%, quer dizer, um número considerável e muito difícil (mas não impossível) de ser superado – a 14 dias das eleições.
Tucano pode ganhar no primeiro turno
3 – A pesquisa Serpes forneceu um dado relevante, talvez decisivo, mas “O Popular” não o ressaltou na primeira página nem no título da página 19. O Serpes apurou que todos os candidatos, juntos, têm 40,4% das intenções de voto. Marconi, sozinho, tem os mesmos 40,4%. Noutras palavras, a possibilidade de o tucano-chefe ganhar no primeiro turno não é nada pequena. No entanto, “O Popular”, ou Salgado, afirma que se trata de uma incógnita. Ignorar os próprios números, que estão sugerindo o contrário, aí, sim, é uma incógnita, até uma grande incógnita.
“O Popular” desmereceu tanto a informação que só lhe deu espaço no sexto parágrafo da reportagem, em módicas três linhas. Jornais apreciam títulos de impacto, mas “O Popular” parece que fez questão de ignorar uma informação, crucial, que poderia ter resultado num título que, além de verdadeiro, provocaria mais interesse nos leitores, provavelmente. Um título mais ou menos assim: “40,4% a 40,4%: Juntos, todos os candidatos têm o mesmo número de pontos de Marconi Perillo”.
Marconi supera Iris em Goiânia
4 – O jornal também não deu destaque a uma informação nova apontada pela pesquisa Serpes. No oitavo parágrafo, quase no fim da reportagem, Salgado publica: “... a nova rodada mostra, pela primeira vez, Marconi à frente de Iris em Goiânia”. Ora, se é a primeira vez, “O Popular” deveria ter destacado o dado, altamente importante e inteiramente fora da margem de erro. Iris caiu – e agora caiu mesmo – de 36,9% para 25,3%. Uma queda de 11,6%! A exclamação, mesmo num texto analítico, é inevitável. Por três motivos: 1 – Iris caiu em Goiânia, a capital na qual foi prefeito – apontado como bem-sucedido –, deixando o poder em 2010, e conseguindo eleger o sucessor, o petista Paulo Garcia. 2 – Marconi tinha 30% e passou para 30,1%, isto é, manteve-se estável, mas agora à frente de Iris. 3 – Marconi agora está em primeiro lugar em todas as regiões do Estado, mas nem assim “O Popular” ousou, ou melhor, não quis ousar, aparentemente.
“O Popular” comete o erro de, com base na pesquisa, não explicar o suposto “crescimento” de Vanderlan. O motivo? Não se sabe. Talvez seja possível arriscar uma explicação: o “crescimento” de Vanderlan, barrado pela margem de erro, não foi visto como considerável pelo Serpes, e sim apenas pelo jornal.
Salgado, ante um dado espetacular – a queda de Iris em Goiânia, cidade onde é uma espécie de ícone –, deveria ter perguntado a Antonio Lorenzo (já que parece não ter lido a pesquisa com a devida atenção e interesse): os votos que Iris perdeu foram “transferidos” para quais candidatos? Para Marconi, não foi. Para tanto, Salgado deveria ter observado a pesquisa com mais interesse em busca dos dados que, quem sabe, poderiam explicar o suposto “crescimento” de Vanderlan e Gomide. Seriam votos de Goiânia? Vanderlan estaria “tomando” votos do peemedebista-chefe na capital? É uma informação importante – se verdadeira –, mas os leitores de “O Popular” não tiveram acesso a ela.
5 – Na pesquisa espontânea, Marconi aparece com 32,5% e os demais candidatos, somados, têm 30,2. O tucano supera todos, com 2,3% de dianteira. “O Popular” não deu nenhum destaque à informação.
Pesquisa não mostra “alta de rejeição” de tucano
6 – Ao tratar a rejeição dos candidatos, Salgado e “O Popular” novamente ignoraram a margem de erro. A rigor, nem se pode dizer que a rejeição de Marconi subiu. Pois, se a margem de erro é de 3,46%, e a rejeição “subiu” 2,5%, não se pode, como sabem os pesquisadores Antonio Lorenzo, Gean Carvalho (Fortiori) e Mário Rodrigues (Grupom), falar em “alta”. No caso de Iris Rezende, é aceitável sugerir que a rejeição subiu, pois o crescimento foi de 4,1%, quer dizer, 0,64% acima da margem de erro. Ainda assim, não se trata, em comparação com a rejeição anterior, e aceitando-se o peso da margem de erro, de um crescimento forte. Portanto, o título da matéria correlata, “Líderes têm maior alta de rejeição”, é impreciso, como, de resto, praticamente toda a reportagem (Salgado parece ignorar a lógica).
Há outras impropriedades, mas as apontadas bastam para que o leitor, examinando por si, a partir de nossas indicações, tire suas próprias conclusões. Dada a seriedade de “O Popular” – seus repórteres e proprietários não têm histórico algum de manipulação de dados –, é muito difícil concluir, ou meramente insinuar, que há uma tentativa de forçar a realização do segundo turno, daí o “incentivo” a Vanderlan. É mais provável que a pesquisa foi entregue para um repórter sério mas inexperiente, caso de Salgado, interpretar e ele não soube perceber a qualidade e nuances do levantamento, tecnicamente perfeito, do Serpes.
[Olavo Noleto, de terno escuro, e Rubens Otoni, à direita, de camisa branca: as principais apostas do PT de Goiás para a Câmara dos Deputados]
Vinte e dois petistas, ouvidos por um repórter do Jornal Opção, disseram, sob a proteção do off, o que efetivamente pensam sobre os favoritos do partido para deputado federal. Eles dizem que positivo mesmo, para o PT, seria a eleição de Rubens Otoni, Olavo Noleto, Mauro Rubem e Edward Madureira – políticos absolutamente qualitativos. Porém, admitem que isto é impossível. Por isso, sugerem que as energias e os parcos recursos financeiros do partido estão realmente concentradas em dois nomes – Rubens Otoni e Olavo Noleto.
O único de fato garantido, dada sua história política e intenso trabalho na organização do PT em todo o Estado, é o deputado federal Rubens Otoni. Ele é visto como hors-concours, como virtualmente eleito. Ninguém no partido acredita que pode perder a eleição. Rubens, frisam, é maior do que o PT goiano, com forte apoio até fora do partido. O PT acredita que, com muito esforço, será possível eleger um segundo deputado. O segundo nome preferido da máquina partidária é o de Olavo Noleto. O jovem petista tem o apoio do prefeito de Goiânia, Paulo Garcia, e do ex-prefeito Pedro Wilson. A candidata a senadora, Marina Santana, também está empenhada em sua campanha.
Rubens e Olavo, portanto, são a duas principais apostas do PT de Goiás para a Câmara dos Deputados.
Mauro Rubem é petista, respeitado pelas cúpulas, mas permanece, de algum modo, uma espécie de outsider, quer dizer, um político que não é controlado pelas principais tendências do partido em Goiás. É visto como “excessivamente independente”. Ele é apontado como o político que empurra do PT para uma linha mais independente, mais crítica e aguerrida. Não se trata, afirma os entrevistados, de um conciliador. Todos gostam dele, o admiram, mas mantém um pé atrás a respeito de algumas de suas posições. Acham-no ideológico demais, com um discurso meio passadista.
Edward está no PT, é respeitado pelos líderes do partido, mas não é visto integralmente como um petista. É percebido como um quase-petista. Os entrevistados argumentam que, para se tornar um petista de verdade, é preciso filiar-se ao partido e, ao mesmo tempo, a uma de suas tendências. Só assim alguém pode-se tornar um petista confiável. Não se entra no PT como se entra no PSDB, no PSD ou no DEM. O filiado casa-se com o partido e, principalmente, com uma tendência. São as tendências, e não exatamente o partido, que fazem as campanhas de seus membros.
A rigor, Mauro Rubem e Edward estão na disputa muito mais para fornecer quociente eleitoral para Rubens e, sobretudo, para Olavo. Os petistas não acreditam que possam ser eleitos, mas serão decididos para a eleição de, notadamente, Olavo. Rubens ganha praticamente sozinho.

San Tiago Dantas e Sobral Pinto ganham novas biografias. Memórias de Pio Corrêa e Roberto Campos são do balacobaco. Há um estudo lacunar mas de qualidade sobre Milton Campos. Falta pesquisar Petrônio Portella

[caption id="attachment_15655" align="alignleft" width="300"] “Paradiso”, romance de Lezama Lima, é o “Grande Sertão: Veredas” de Cuba, uma obra-prima universal[/caption]
A Alemanha tem uma tradução respeitada de “Grande Sertão: Veredas”, romance de Guimarães Rosa. O escritor mineiro, que sabia alemão — foi cônsul em Hamburgo —, dialogou com o tradutor e aprovou seu trabalho. Mas uma editora encomendou outra tradução (para 2015), que está sendo feita por Berthold Zilly, professor universitário na Alemanha. Zilly está dando aulas em Florianópolis, mas sobretudo está se inteirando das coisas do Brasil, do uso da língua no cotidiano e não formalmente, para traduzir Guimarães Rosa com menos imprecisão. A complicada teia que envolve erudito e coloquial na sua prosa às vezes confunde até leitores brasileiros, mesmo especialistas. Zilly quer capturar a riqueza linguística e a língua viva, oralizada.
O romance “Ulysses”, de James Joyce, recebeu três traduções no Brasil, grandes empreendimentos culturais de Antônio Houaiss, o pioneiro, de Bernardina Pinheiro (tida como autora da versão mais pedestre, o que não significa baixa qualidade) e, a mais recente, de Caetano Galindo. Uma tradução melhora a outra e torna o livro mais legível.
Agora, o Brasil terá duas traduções de “Paradiso”, de Lezama Lima (1910-1976), o Guimarães Rosa cubano. Havia a tradução de Josely Vianna Baptista, de excelente qualidade, publicada pela Editora Brasiliense. Porém, sondada pela Estação Liberdade, Josely Vianna decidiu retraduzir o livro, resgatando ainda mais a sua relevância literária.
Porém, a Editora Martins garante ter os direitos autorais da obra no Brasil, adquirida do Estado cubano (que, por sinal, não costuma pagar direitos autorais para escritores estrangeiros) e está ameaçando processar a Estação Liberdade para impedir a circulação da tradução de Josely Vianna. A Martins encomendou sua própria tradução à poeta Olga Savary.
A briga judicial pode retirar pelo menos uma tradução do mercado — talvez até as duas. Para os leitores, o que importa mesmo é ter duas edições que possam ser comparadas. Li a primeira tradução feita por Josely Vianna. É de uma excelência rara. O leitor certamente fica com a impressão de que Lezama Lima, um artífice da palavra, escrevia em português, não em espanhol, tal a perícia da tradutora.
É provável que a Justiça decida pela circulação da tradução da Martins, a de Olga Savary, o que será uma infelicidade para o leitor — dada a alta qualidade do trabalho tradutório de Josely Vianna.

[caption id="attachment_15645" align="alignleft" width="300"] Eça de Queiroz: em sua carta, o escritor português fala das mortes dos escritores ingleses Thomas Carlyle e George Eliot (Mary Ann Evans)[/caption]
Bristol, ao Fevereiro 1881.
Querido Ramalho
O seu tempo é precioso; portanto, sem considerações gerais armadas em pórtico, vou direito ao meu caso. Venho pedir-lhe que se encarregue de uma missão: ir ao Diário de Portugal, e exigir em meu nome, aos cavalheiros que dirigem esse jornal, uma explicação. Aqui lhe ponho os fatos, condensados, e nas linhas essenciais:
Quando eu estive em Lisboa, o Malheiro pediu-me que escrevesse para o Diário um romance: apelou urgentemente para a nossa velha amizade, e deu-me razões determinantes. Para o satisfazer, interrompi a Capital, estragando-a para sempre, creio eu, porque vejo agora que não poderei recuperar o fio de veia e de sentimento em que ela ia tratada; e faltei aos meus compromissos com o Chardron. O contrato com o Malheiro era eu dar-lhe uma novela de vinte e cinco a trinta folhetins, com a remuneração de trinta libras, preço de amizade. Apenas o trabalho ia em meio, reconheci que tinha diante de mim um assunto rico em caracteres e incidentes e que necessitava um desenvolvimento mais largo de “romance”. Comuniquei isto ao Malheiro, que se alegrou — e para fazer pacientar os leitores do jornal, presenteei o Diário com uma novela: o Mandarim (grátis!!!)
Mal vira porém que eu ia fazer um romance tratei de lhe assegurar uma existência mais longa que as das folhas volantes de um jornal: ocupei-me da sua aparição em livro. O Chardron aceitava as minhas propostas (se bem me lembro, uns quatrocentos mil réis em dinheiro e mais uns livros, etc.) mas com a razoável condição de que o romance (a esse tempo já com o título decidido: Os Maias) seria primeiro impresso e remetido para o Brasil, depois publicado em Lisboa no folhetim do Diário: isto era justo para evitar a contrafação sobre os folhetins remetidos daí para o Rio. O Malheiro, porém, recusou esta combinação: isto é, ele não tinha direito de recusá-la; suplicou-me que a não efetuasse, com receio de que o Chardron, apenas publicado o romance, o pusesse traiçoeiramente à venda em Portugal. O receio era pueril, mas eu cedi ao Malheiro — perdendo desde logo as excelentes ofertas do Chardron!
Propus então ao Malheiro que editássemos nós ambos o livro. Êle recusou-se também, e com muito critério, porque, sem experiência nem relações, corríamos a um prejuízo certo.
Durante todas essas negociações, o manuscrito inicial de Os Maias ia-se completando. Instei, pois, com o Malheiro, para que me deixasse resolver de qualquer modo a questão da edição em volume. Depois de longos silêncios, renovadas instâncias minhas — o Malheiro aparece-me com uma brilhante proposta: uma firma editora de Lisboa oferecia-se a publicar o livro, dividindo ao meio os produtos comigo. E os detalhes da proposta eram ainda mais belos: a edição seria rica, seis mil exemplares, para começar, etc., etc. Imagine Você, querido Ramalho, a minha alegria: escrevi ao Malheiro uma carta de reconhecimento comovido: e como via nessa proposta uma pequena fortuna (o Malheiro afiançava-mo) decidi logo fazer não só um romance, mas um romance em que eu pusesse tudo o que tenho no saco. A ocasião, confesse, era sublime para jogar uma enorme cartada. Havia na proposta uma coisa vaga: era que eu não devia comunicar com a firma —meus manuscritos, provas, notas ao revisor, etc., tudo deveria ir pelas mãos do Malheiro ou do Sr. Tomás Sequeira. De fato, na proposta, o meu nome não aparecia: o contrato era feito entre o Malheiro e o editor; o Malheiro é que devia receber os proventos e passar-mos a mim; enfim, era como se fosse o Malheiro que escrevesse o livro. Isto era vago e confuso — mas desde que o Malheiro estava no negócio — era como se estivesse eu mesmo: eu tenho tanta confiança nele como em mim; o que me incomodava era não poder comunicar diretamente com os revisores. — Mas, enfim, trabalhava com grande esperança, dia e noite, e Os Maias estavam um robusto e nédio livro em dois volumes, um verdadeiro éclat para o burguês. Uma das condições é que apenas eu começasse a fazer a cópia, iria remetendo os capítulos um a um, e as provas me seriam “logo remetidas sem demora”. Você sabe que isto é indispensável ao meu processo de trabalho. E o Sr. Tomás Sequeira escreveu-me dizendo que tudo estava pronto, à espera do original, e a imprensa impaciente!
Remeti os dois primeiros capítulos, enormes, setenta páginas de impressão. E esperei ansiosamente as provas. Passaram quinze dias, um mês, dois meses, três meses. Nada! Comecei a inquietar-me e (idiota!), remeti o terceiro capítulo, outras trinta páginas de impressão. Recomecei a esperar: passaram-se quinze dias, um mês, mês e meio. Nada! Nem provas, nem carta. Nada. Escrevi, ansioso, ao Malheiro, suplicando que me dissesse onde estavam as provas — o que fora feito do meu manuscrito? O Malheiro, apesar de repetidas instâncias, não me respondeu. Aflito já, dirigi-me ao Sr. Tomás Sequeira, numa carta humilde, patética, em que lhe implorava uma linha num bilhete de visitas. O Sr. Sequeira não se dignou responder-me. E aqui estou!
Afianço-lhe, sob palavra de honra, que estas coisas monstruosas e indignas são exatas. Eu, por enquanto, porém, não quero tomar uma resolução forte. Quero que Você, primeiro, arranque a esses cavalheiros a resposta que eles me recusam a mim.
Quero que Você não saia do Diário de Portugal, sem que lhe tenha sido declarado:
— Quais são as razões de uma tal descortesia?
— Qual a intenção do jornal a respeito da publicação de Os Maias?
— Por que não me foram mandadas as provas?
— Onde está o meu manuscrito?
Estava última pergunta é importante, querido, porque, burro que sou, inutilizei o manuscrito inicial desses capítulos: só tenho a cópia que mandei.
Para completar os renseignements, devo dizer-lhe: que o Malheiro já pagou Os Maias; que o romance está pronto no manuscrito inicial: que há (para diante do terceiro) outros capítulos copiados, e quase prontos: que a suspensão das provas, e a suspensão de tudo, fez que eu suspendesse, ou abrandasse a atividade do trabalho.
Confio esta questão à sua amizade, querido — e desde este momento fico, portanto, tranquilo. Se for necessário tomar qualquer resolução, tome-a. E faça desta carta, se quiser, uso para com esses senhores.
Pode Você imaginar o espanto e a melancolia em que estou — vendo que depois de ter sacrificado a Capital, os interesses que me fazia o Chardron e quase um ano de trabalho incessante — recebo em paga, desconsideração, desprezo e a destruição de muitas esperanças. É duro.
Enquanto a Os Maias — eu mesmo suponho um razoável trabalho — e isto aumenta a minha indignação... Basta de Maias.
Eu já não ouço de Você há períodos — a não ser pela Gazeta de Notícias. Estranha maneira de receber notícias de um camarada: mas ela basta-me; prefiro que Você não me mande da sua prosa manuscrita — contanto que me faça ler artigos como aquele sobre a estátua do Herculano — ou as impressões da Traparia. Estas últimas verdadeiro acepipe de gourmet.
Je me’n suis leché les babouines. Que justa sobriedade, que bom gosto, que finura, que intensidade de expressão! Você é o demônio; como é que Você consegue tirar do seu interior todas essas belas coisas?
Por aqui nada de novo — e o que há contrista suficientemente o coração do homem livre, e não menos os interesses do homem pensante. Estão fazendo da Irlanda uma Polônia e dando ao mundo o espetáculo da Inglaterra governando pela lei marcial, como o Czar. Este Gladstone que nos aparecia como o cavaleiro andante das verdades eternas, sai-nos um representante estreito das classes proprietárias do anglicanismo, e de uma espécie de cesarismo filosófico-religioso em que os gênios cristãos devem governar pela força e produzir o progresso autoritariamente... Ninguém o entende, é um tiranete pesado de velhice.
O nosso Carlyle foi-se. Outro tiranete, também: um devoto da força do idealismo heroico, dos gênios providenciais. Mas que alma forte, sincera, pura — que alma de profeta! A Inglaterra chorou-o dignamente: toda a imprensa durante dois dias ocupou-se só dele; a sua memória foi celebrada no Parlamento; todos os professores em todas as universidades e institutos dedicaram a Carlyle o dia da lição; e em todos os templos os pregadores do dia, nas mais pequenas aldeias, fizeram do púlpito o elogio do velho filósofo. Foi um nobre luta da inteligência. Morreu de velhice, extinguindo-se como uma lâmpada, sem doença e sem dor; nos últimos momentos emergiu do coma e disse, com serenidade, para os lados: “Adeus!” Os mais ilustres homens de ciência e arte estavam junto dele.
A morte de George Eliot, a grande romancista, também outro desgosto. Enfim, a Inglaterra está em sorte.
Esquecia-me dizer-lhe — que espero que Você me responda sobre a questão Maias, ou pela volta do correio, ou no dia seguinte. Não aceite as desculpas portuguesas — de “não recebemos as cartas”, ou “lá mandaremos a resposta”, ou “isso é com o editor”. Eu, o editor não sei quem é. Só tenho negócio com Malheiro e Sequeira. A esses deve Você arrancar a explicação. Confio em si, querido. — Os meus respeitos aos pés da Sra. D. Emília e de suas filhas — e formidável abraço do seu irmão em letras
Queiroz
Nota: O Jornal Opção não “corrigiu” trechos em que parece haver problemas, como “vou direito ao meu caso” e “‘Os Maias’ estavam”. A carta é endereçada a Ramalho Ortigão.
O inglês Orlando Figes é um dos maiores estudiosos da história russo-soviética. Seu livro “Sussurros”, sobre o stalinismo e a vida privada na União Soviética, é uma pesquisa exaustiva e muito bem escrita. “El Baile de Natacha — Uma Historia Cultural Rusa” (Edhasa, 828 páginas) é, num só volume, um dos melhores estudos sobre a cultura russa. Figes estuda detalhadamente a história da Rússia e reserva um belo e longo capítulo para discutir a cultura no período soviético. Boris Pasternak e Óssip Mandelstam ganham registros ímpares. No último capítulo discute a cultura russa no estrangeiro, abrindo espaço para Yevgeni Zamyatin (1884-1937) — cujo romance “Nós” é a base para o romance “1984”, de George Orwell — e Vladimir Nabokov, autor de “Lolita” e “Ada”, que, a despeito de escrever em inglês e de sua ocidentalização, permaneceu russo por toda a vida, inclusive na profunda admiração por Púchkin, Nikolai Gógol, Liev Tolstói, Tchekhov, Mikhail Liérmontov e Ivan Turguêniev. Curiosamente, Nabokov desprezava Dostoiévski como “grosso” e, portanto, autor do segundo time.
Está passando da hora de alguma editora brasileira traduzir o livro de Figes, um erudito que escreve com o máximo de legibilidade, coisa típica dos estudiosos ingleses. Antony Beevor escreveu: “Um estudo maravilhoso, exaustivo, magnífico... uma delícia de leitura”. Difícil discordar. “Um desses livros que nos obrigam a perguntar: como pudemos viver sem ele até agora?”, escreveu Robin Buss, no “Independent on Sunday”.
O título do livro tem a ver com o baile de Natacha Rostov no romance “Guerra e Paz”, de Liev Tolstói.
Os apoiadores de Vanderlan Cardoso têm verdadeira adoração por Mário Rodrigues, o pesquisador-chefe do Grupom. O instituto tem uma tradição de seriedade e competência, até agora não questionada. Porém, bastou o Grupom apontar que o governador de Goiás, Marconi Perillo, tem chance de ser eleito no primeiro turno, verificados os votos válidos, para um grupo de jornalistas começar a duvidar da qualidade do instituto de pesquisa.
Ao final da campanha, repórteres conscienciosos deveriam verificar a falta de veracidades de alguns candidatos. Por exemplo: um dos candidatos a governador tem dito, com frequência, que está “garantido” para o segundo turno. Está mesmo? É preciso anotar o que todos disseram e, contados os votos, mostrar quem estava dizendo a verdade, ou meramente fazendo política e, para tanto, sacrificando-a.
A manchete de um jornal é seu cartão de visita. No domingo, 14, o “Pop” publicou uma manchete acomodada: “Pesquisa mostra quadro eleitoral estável em Goiás”. Parece título feito por tucano paulista; mais em cima do muro, impossível. A pesquisa do Instituto Serpes contém uma série de informações que poderiam ter sido destacadas, mas o jornal optou por um título modorrento, que não incentiva ninguém a comprar exemplares.
Alguns repórteres dos principais jornais de Goiânia estão transcrevendo críticas dos candidatos ao governo de Marconi Perillo como se fossem autômatos ou meros datilógrafos. Não checam nada, apenas publicam, às vezes sacrificando a verdade.
Com 120 mil habitantes, o município de Senador Canedo ganha um jornal diário, o “Diário Canedense” (www.diariocanedense.com.br), que começa a circular na segunda-feira, 22.
Com projeto gráfico do design Leonardo Husc, o “Diário Canedense” será editado por seu proprietário, o jornalista Alexandre Braga, e terá uma redação com quatro jornalistas, um diagramador e colaboradores.
“Inicialmente”, afirma Braga, “o jornal circulará com oito páginas. Será um tabloide tipo o ‘Metro’”, e vai cobrir política, sociedade, cidade e variedade”.
[caption id="attachment_15625" align="alignleft" width="300"] Governador do Ceará, Cid Gomes / Reprodução[/caption]
A “IstoÉ” publicou reportagem informando que Paulo Roberto Costa disse, em depoimento à Polícia Federal, que o governador do Ceará, Cid Gomes, está envolvido no processo de corrupção da Petrobrás. O trecho no qual o governante cearense é mencionado não pode ser considerado como esclarecedor, mas a revista aparentemente não força a barra, com o objetivo de produzir sensacionalismo.
Cid Gomes recorreu à Justiça do Ceará, que proibiu a circulação da revista e mandou recolher os exemplares que estavam nas bancas. Há sempre o risco de magistrados estaduais, eventualmente pressionados por ligações pessoais — ressalte-se que pode não ser o caso do Ceará —, decidirem de maneira não isenta. Porém, o Supremo Tribunal Federal, por intermédio do ministro Luís Roberto Barroso, liberou a circulação da revista, explicitando que não é função da Justiça censurar publicações.
O STF entende que a parte que se considera ofendida deve processar os denunciantes, mas não tentar proibir, via Justiça, a circulação de jornais e revistas. Uma decisão sábia, dentro da lei e do espírito democrático, do competente ministro Luís Roberto Barroso.
Leitores me perguntam se Cileide Alves, editora-chefe do “Pop”, e Fabiana Pulcineli, repórter do mesmo jornal, apoiam a candidatura de Iris Rezende. Não sei, pois nunca perguntei, nem perguntarei, às duas sobre seus posicionamentos políticos-partidários. Simplesmente, porque não me interessa. Pulcineli é uma jornalista crítica, posicionada, aparentemente independente, até onde isto é possível. Alves escreveu uma dissertação de mestrado sobre Iris Rezende e está escrevendo sua biografia. Isto significa que, apesar da simpatia pessoal, o apoia? Talvez não. Seu marido, Fernando Pereira dos Santos, da cúpula da Secretaria da Educação do Estado, apoia a reeleição do governador Marconi Perillo e é muito ligado ao deputado federal Thiago Peixoto (PSD), aliado do tucano-chefe. A discussão em si não tem a mínima relevância. Se Pulcineli e Alves apoiam Iris, como querem tucanos, é um direito delas. Moralmente, as duas jornalistas são inatacáveis.
O empresário Carlos Cachoeira deve publicar um livro com o título de “Falta Alguém no Cepaigo” (uma referência ao célebre livro “Falta Alguém em Nuremberg”, de David Nasser. Esse “alguém” era Filinto Müller, chefe de polícia do governo Vargas). Trata-se de uma coletânea de artigos explosivos. Seis já estão escritos e serão publicados no “Diário da Manhã”. Os demais irão para o livro. Carlos Cachoeira pretende contar a história de sua ligação com um mandachuva do PMDB.