Por A.C. Scartezini

[caption id="attachment_19547" align="alignleft" width="620"] Renan Calheiros, presidente do Congresso: “Não surpreenderá se a matéria for – e será – derrubada no Senado” / Foto: Marcos Oliveira/ Agência Senado[/caption]
Ao repelir a regulamentação dos conselhos populares, o Congresso demonstra a falha do timing do Planalto e do PT ao colocar a questão em decreto que os parlamentares não poderiam emendar. Começa que a pressa em tratar do assunto no fim do mandato do governo despertou desconfiança, ainda mais por ser decreto e não um projeto de lei.
É possível supor que, na dúvida sobre a reeleição da presidente Dilma, o PT procurou aparelhar o controle social do governo como forma de manter-se no poder no caso de uma vitória da oposição nas urnas. Isso em plena eclosão de descobertas de corrupção antiga e atual nos órgãos governamentais, o que ampliava a incerteza quanto ao rumo do humor dos eleitores.
A falta de sensibilidade ao desconfiômetro do Planalto fez com que a votação do decreto ficasse para se realizar na hora e na forma erradas, entre a reeleição da presidente e o início do novo governo. Como se verifica, é o momento em que se estimula a ansiedade das bancadas governistas pela ampliação do espaço de presença na nova equipe da Esplanada dos Ministérios.
A falha quanto ao senso de oportunidade presidencial criou uma crise nas relações com os partidos aliados. Veja-se a anatomia da aprovação pela Câmara, na terça-feira, do decreto-legislativo que deputados do PMDB formularam para anular aquele outro da presidente, o que disciplina os conselhos populares.
A evidência de maioria a favor da anulação dispensou o voto individual dos parlamentares. A votação foi simbólica. Com o Planalto estavam apenas os três partidos mais à esquerda no Congresso, o PT, o PCdoB e o PSol.
Resta ao governo tentar impedir que os senadores confirmem a anulação do decreto petista aprovada pelos deputados. “Não surpreenderá se a matéria for – e será – derrubada no Senado”, anunciou previamente o presidente da casa, Renan Calheiros, alagoano do PMDB.
A batalha do governo para salvar o decreto tem tudo para ser inglória no momento em que tantos cargos públicos podem ser abertos e preenchidos, inclusive no comando do Congresso. Calheiros, por exemplo, gostaria de presidir o Senado pela quarta vez, embora diga o contrário. No caso, seria arquivado o acordo pelo revezamento com o PT no cargo.
É verdade que o PMDB do presidente da Câmara, deputado Henrique Alves, está ferido pela derrota, há uma semana, na eleição a governador do Rio Grande do Norte. Contra ele, Lula fez campanha a favor do concorrente, Robinson Faria, atual vice-governador pelo PSD. A derrota deixa Alves sem emprego a partir de janeiro.
Mas o PMDB gostaria de manter a posição indicando um desafeto do Planalto, o líder do partido na Câmara, deputado Eduardo Cunha, do Rio. A promoção de Cunha a presidente seria um agravo a Dilma, além de representar outro prejuízo para o PT no compromisso com o rodízio do comando parlamentar.
Quanto a Henrique Alves, reconheça-se que o desgaste do PT junto ao presidente da Câmara tem a ver com o empenho dele, como intérprete do PMDB na conquista de posições e na defesa das competências parlamentares que seriam absorvidas pelos conselhos populares.
Alves é o responsável pelo decreto-legislativo, que sistematicamente tentou votar antes que a campanha eleitoral pegasse embalo. O governo impediu a votação porque temeu a derrota dos conselhos. Então a votação ficou para este momento em que cargos importantes estão em oferta no governo e no Congresso.
No ano que vem, as relações do Planalto com os partidos aliados tendem a se aquietar – o que não garante nova oportunidade aos conselhos populares. Antes, porém, Dilma terá de repensar o seu projeto político global para o segundo governo, a começar pela ideia chamada de regulação da mídia. O conteúdo do projeto é desconhecido, mas promete mais crise além do Congresso.

[caption id="attachment_19544" align="alignleft" width="620"] Vândalos atacam prédio da Editora Abril, que edita a revista Veja: denúncia sobre corrupção desagradou Lula e o PT / Foto: www.jornaltudobh.com.br[/caption]
A presidente Dilma tenta ajeitar as coisas. Passou a dizer que a chamada regulamentação da mídia não pensa em censura à imprensa com o controle do conteúdo das informações. Ela afirma que se trata de cogitação quanto à organização econômica de empresas de mídia. Seja lá o que for, a face visível do projeto se volta ao controle de meios de comunicação.
É sintomático o fato de que, há quatro anos, Dilma herdou a questão do antecessor Lula e a engavetou no palácio porque não queria mais encrenca com a imprensa. O mensalão e a onda bolivariana contra a mídia no continente estão na origem e na contínua gestação do plano.
Desde Lula, a coisa foi relembrada entre petistas a cada nova onda de denúncias de corrupção no governo dos últimos anos. O apoio ostensivo da imprensa à candidatura presidencial do tucano Aécio Neves contra a reeleição de Dilma exacerbou o desengavetamento da trama. Lula xingou a imprensa e jornalistas. Mais perigosos do que a oposição, por incontroláveis.
Quando Dilma menciona o caráter econômico da mídia, sugere o modelo bolivariano de desmonte de conglomerados de comunicação para reduzir o poder deles na formação de opinião pública. A influência deles sobre consumidores e formadores de opinião se torna um risco ao Estado. Haveria um limite à multiplicação de meios de comunicação por uma mesma empresa.
A implantação desse controle teria de passar pelo Congresso porque mexe com a liberdade de expressão ou com o regime jurídico de empresas privadas, mesmo que as de mídia explorem serviços públicos por concessão. Arriscaria o Planalto tratar da questão por mais um decreto, que o Congresso não pode emendar, mas apenas aceitar ou repelir?
Ao assumir o Ministério das Comunicações há quase quatro anos, o companheiro Paulo Bernardo, recebeu a tarefa de cuidar da questão, mas não animou Dilma a ir em frente. O projeto legado por Lula continuou na gaveta apesar de cobranças petistas
Talvez o misterioso plano opere sobre aquelas duas coisas, a liberdade de expressão e o regime jurídico de empresas. Quanto à primeira, a Constituição de 1988 parece definitiva. Está no nono item do artigo quinto, que, em seu conjunto, trata de direitos e deveres individuais e coletivos:
— É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.
Enfim, o controle da mídia seria mais um passo de poder para o PT, como a reforma política e os conselhos populares. Os movimentos sociais educados no petismo seriam os soldados dessa expansão de domínios. Cada passo à frente na mobilização de militantes poderia ser um avanço na formação de milícias para confrontos armados com a posição, como na Venezuela chavista.
O que sugere o ataque, há uma semana, à Editora Abril, em São Paulo, como protesto ou punição contra a publicação pela revista “Veja” de que o doleiro Alberto Youssef comunicou ao Ministério Público e à Polícia Federal, na delação premiada, que Lula e Dilma sabiam do assalto à Petrobrás. Aonde Lula pretende chegar com o estímulo ao conflito entre classes?
[caption id="attachment_19538" align="alignleft" width="620"] José Dirceu: mensaleiro vai cumprir restante da pena em liberdade / Foto: Ricardo Padue/Brasil Notícia[/caption]
O poder federal deixou a divulgação de fatos impopulares para depois da eleição presidencial, de modo a não prejudicar a candidatura da presidente Dilma. O Executivo, por exemplo, deixou para depois o aumento dos juros básicos de 11 para 11,25%.
Na mesma quarta-feira, comunicou mais um baque na economia: por causa da paralisação econômica, o aumento na arrecadação de impostos e contribuições foi de apenas 0,7% nos primeiros nove meses deste ano em relação ao mesmo período em 2013, descontada a inflação. A previsão inicial do governo era de 3,5%. Mau sinal para o próximo ano.
No Judiciário, veio uma contribuição do ministro amigo Luís Roberto Barroso, no Supremo Tribunal Federal. Ele deixou divulgar na terça-feira algo que poderia ter feito uma semana antes: liberou o companheiro Zé Dirceu para a prisão residencial.
Antes de sair das grades, Dirceu terá de esperar até a nova terça, dia 4, quando se apresenta à Vara de Execuções Penais, em Brasília, para conhecer formalmente as regras do regime domiciliar, que lhe permite sair para o trabalho e dormir em casa. Se saísse 11 dias depois, completaria na prisão um ano dos sete anos e 11 meses a que foi condenado pelo mensalão.
No mesmo dia, na cidade italiana de Bolonha, a Corte de Apelação mandou soltar o mensaleiro petista Henrique Pizzolato. Ex-diretor de marketing do Banco do Brasil que fugiu do país ao ser condenado a 12 anos e sete meses de prisão. Ao soltá-lo, os italianos negaram a sua extradição pedida pelo governo brasileiro.
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Henrique Pizzolato: mensaleiro petista teve extradição negada na Itália / Reprodução[/caption]
Com a coincidência desse desfecho para cada um, Zé Dirceu e Pizzolato formam, neste pós-reeleição, duas faces distintas que compõem o alívio para mensaleiros. No caso de Dirceu, o ministro Barroso evitou que o refresco fosse anunciado antes da eleição presidencial. Quanto a Pizzolato, foi uma coincidência, naturalmente.
Se as duas situações fossem conhecidas dias antes, passariam aos brasileiros uma imagem de impunidade que seria prejudicial à reeleição. No mínimo, Dirceu e Pizzolato avivariam a lembrança dos eleitores quanto ao crime do mensalão, com prejuízo à imagem e votos do PT.
Apesar da indignação com que o governo posou em Brasília a respeito do desprezo italiano pelo pedido de extradição de Pizzolato, a soltura do companheiro lá na Itália causa alívio. Se vier ao Brasil, será preso como foragido da Justiça. Se viesse preso com a extradição, poderia, de alguma forma, contar o que sabe sobre o mensalão.
Enfim, a lembrança viva da impunidade relativa de mensaleiros serve como advertência sobre o futuro de políticos e outras pessoas que estão sendo comprometidas pela Operação Lava Jato sobre os roubos na Petrobrás. Com mais quatro anos no Planalto, o esquema petista incriminado poderá se valer da circunstância de ser governo proteger nas investigações e punições que, pelo andar da carruagem, um dia deverão acontecer.

Campanha de ódio petista pode desengavetar o controle da mídia, colocar em ação os conselhos sociais e estimular a reforma política em benefício próprio
[caption id="attachment_18950" align="alignleft" width="300"] Candidata Dilma Rousseff em comício bancado pelo dinheiro público[/caption]
Há mais de um mês a agenda da presidente Dilma estava em branco no Planalto. A dedicação presidencial era toda da campanha pela reeleição. O último registro era de 19 de setembro, quando a candidata foi ao escritório receber um grupo de atletas. Após 32 dias, Dilma mandou colocar na agenda presidencial a visita, na terça-feira, a Goiana, em Pernambuco.
Com isso, o novo voo eleitoral ao Nordeste se tornou programa oficial: uma visita a trabalho da presidente à fábrica local da Fiat. A viagem em campanha não foi paga pelo PT. A conta coube ao governo, com pompa e circunstância. O partido não pagou, mas fez a festa. A visita de Dilma, com discurso de campanha, ocorreu entre um mar de bandeiras petistas agitadas por fãs com camisas também em vermelho.
A burla permitiu a Dilma tripudiar em cima de seu rival a presidente, o tucano Aécio Neves. Coisa do Lula, que apareceu em Goiana para se juntar àquela espécie de comitiva presidencial. Ele era presidente, em 2009, quando acertou com a Fiat que a fábrica seria em Pernambuco, sua terra. Passou para trás o então governador Aécio, que se empenhou para a empresa fincar em Minas, aonde chegou em 1976, todas as suas unidades.
Na véspera da viagem a Goiana, Lula ofereceu uma entrevista por telefone a rádio de Recife. Era para tirar sarro, conspirar contra o presidenciável tucano e gabar-se de seu poder a favor do Nordeste, onde o PT apresenta Aécio como inimigo lá no Sul Maravilha. Lula repetiu, por telefone, a história sobre como deixou o mineiro a ver navios, ops, automóveis.
Em campanha, o ex aproveitou a entrevista para se opor à proposta do desafiante tucano a favor da troca da reeleição por um único mandato de cinco anos. “Dois mandatos de quatro anos são o suficiente”, rebateu, fez as contas e demonstrou, com meio disfarce, que poderia voltar ao Planalto dentro de quatro anos.
“Quando chegar em 2018, eu terei 72 anos e tenho fé em Deus que o Brasil vai produzir quadros novos, jovens”, disfarçou, como se pudesse não ser candidato a presidente mais vezes. “A gente faz política, eu não sei como será o contexto político daqui a quatro anos”, deixou a porta aberta a uma convocação das massas pela volta.
Naquele mesmo dia da entrevista, ministros do Supremo Tribunal Federal nomeados por Lula e Dilma se manifestaram, no Rio, sobre a reforma do sistema político-eleitoral, mas não se pronunciaram sobre a manutenção da reeleição que o PT de Lula defende para esticar a permanência do partido no poder.
[caption id="attachment_18948" align="alignleft" width="248"] Dias Toffoli, presidente do TSE: ex-advogado do PT vive drama de definir questão que afetava o partido | Foto: Ricardo Setti/STF[/caption]
A mudança no jogo entre as relações eleitorais e políticas deve criar o financiamento público a campanhas? O PT é a favor, para todos os partidos. Ironicamente, hoje os petistas e seus aliados são os grandes beneficiados pelo dinheiro público, desviado em movimentos escusos para financiar também candidatos, além de deixar algum a quem opera o sistema.
Na mesma segunda-feira em que Lula telefonou de São Paulo para a rádio em Recife e falou da reforma, o ministro da Justiça, companheiro José Eduardo Cardozo, ofereceu declarações, no Rio, em defesa da mudança:
“Se queremos um Estado de direito legitimado, temos uma tarefa inadiável: a reforma política. Não é possível conviver com um sistema (político-eleitoral) que, pelas formas de financiamento, gera corrupção estrutural. Isso não pode mais ser aceito entre nós.”
Lula não mencionou financiamento eleitoral, nem Cardozo disse algo sobre reeleição. A diferença é que Cardozo se levou pelo auditório onde estava, numa conferência nacional de advogados promovida pela OAB. Ali, uma sombra pairava sobre todos: as denúncias sobre corrupção do governo que contaminaram a reeleição presidencial.
Cardozo pegava carona numa parte da ramificação governista do Supremo Tribunal Federal que se apresentou na reunião. Autor de uma palestra por encomenda da OAB, o ministro Luís Roberto Barroso, nomeado pela candidata Dilma Rousseff, recomendou ao futuro presidente, fosse quem fosse, uma receita da reforma para higienizar o sistema político-eleitoral:
— Quem quer que ganhe as eleições tem que ter comprometimento patriótico e dedicar o primeiro semestre a mudar essas instituições que transformaram política em negócio privado.
A receita de Barroso admite que empresas doassem dinheiro a campanha eleitoral, mas apenas a um partido, não a candidatos. A doadora poderia fechar contrato de fornecimento ao governo a quem financiou, mas apenas depois de uma quarentena pós-eleitoral.
O discurso de Barroso inspirou o presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, nomeado por Lula, a recomendar um teto às doações de empresas, para evitar contribuições excessivas. Receitou mais duas providências: o fim da coligação partidária na eleição de deputado e vereador; e um sistema para peneirar os partidos e evitar que proliferem sem controle.
Antes deles, o ministro Dias Toffoli, nomeado por Lula, publicou artigo onde recomendou a proibição de financiamento por empresa, a limitação de contribuição por pessoa física, a fixação de um teto para gastos de campanha e a criação de uma barreira que impeça a proliferação de partidos como os 28 que, neste ano, elegeram deputados federais.
Admitiu Toffoli que partidos nanicos vivem da oferta de seus serviços a partidos mais fortes, como o acesso a dinheiro do fundo partidário e o espaço no horário eleitoral de televisão e rádio. Uma oferta na qual se fartou a campanha da reeleição de Dilma neste ano: “Ficam sujeitos a se colocar a serviço de projetos políticos de agremiações mais robustas”, nas palavras de Toffoli.
Os três ministros que se expressaram, durante a semana, sobre pontos diferentes da reforma política representam quase um terço da atual composição do Supremo com dez juízes. Mesmo que não se reeleja, Dilma terá tempo para preencher a vaga aberta. Se nomear mais um, o PT será o padrinho de 7 ministros entre 11, seis deles influenciáveis pelo Planalto.
Na verdade, não cabe ao Supremo determinar a reforma, mas eventualmente julgar dúvidas que surjam sobre decisões na esfera legislativa. Mesmo assim, sugestões e articulações informais deles podem ser úteis na condução do processo de definição sobre as mudanças eleitorais. Veja-se uma manobra recente de Toffoli como presidente do Tribunal Superior Eleitoral.
Na segunda-feira, o TSE começou a julgar o pedido do PT para proibir o PSDB de divulgar no horário eleitoral uma antiga gravação em que a candidata Dilma elogia o desafiante Aécio Neves. A votação empatou em três a três. Cabia ao presidente Toffoli desempatar, mas ele pediu vistas porque estava numa situação difícil.
Antigo advogado petista no próprio tribunal, o companheiro estaria na berlinda qualquer que fosse o seu voto, contra ou a favor de Dilma. “Até elogio fica proibido?”, ironizou o ministro Gilmar Mendes, sem levar em conta o drama do colega Toffoli, mas apenas o inusitado da questão levantada pela campanha da reeleição.
E o que fez Toffoli? Não apresentou o voto de desempate. Chamou os advogados do PSDB e PT e sugeriu que todos desistissem de reclamações pendentes no tribunal a cinco dias do final da eleição presidencial em nome da boa ordem eleitoral. O acordo saiu e ele não precisou votar.
Como ocorreu no primeiro turno presidencial, a turma que se envolve com o apoio à eleição do tucano Aécio Neves passou a semana cabisbaixa com a queda da cotação do candidato nas duas mais importantes agências de pesquisa, Datafolha e Ibope. Hoje, a precisão dos números das amostras de opinião deixa dúvidas consistentes. Começa pelo principal, a cotação do prestígio dos candidatos. Dois dias antes da votação, o Ibope atribuiu a Dilma, em quatro de outubro, 46% das preferências; colocou Aécio em segundo com 27 pontos; e mostrou Marina Silva com 24. No dia seguinte, véspera da eleição, o levantamento do Datafolha emplacou Dilma com 44%; Aécio, 26; e Marina, 24 pontos. As contas sempre consideram os votos válidos. Abertas as urnas na noite de 6 de outubro, domingo, o flagrante da vida real determinou a Dilma 42% das preferências. Menos do que os 46% do Ibope e os 44 do Datafolha. Aécio recebeu 34%, mais do que os 27 do Ibope e os 26 do Datafolha. Marina ficou com 21%, menos dos que os 24 do Ibope e do Datafolha. Questão de margem de erro de dois pontos para cima ou para baixo? Não explica tudo, muito menos a votação surpreendente que a vida real revelou para Aécio. Agora, com o fim do segundo turno, as pesquisas recebem uma nova chance para flagrar tendências sem distorção tão profunda. Antecipou-se o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, companheiro Dias Toffoli, e com aparente boa intenção. A ideia dele é chamar logo as agências de pesquisa para uma análise conjunta em torno das previsões e resultados eleitorais. Quer mais precisão de todos. Para começar, a unificação da margem de erro entre todos. Porém, as dúvidas vão além de margem de erro. Ao longo da campanha, a cotação de Dilma caia nas pesquisas, mas subia a satisfação com o seu governo, o otimismo com a economia crescia para cima. O governo apregoava taxas inéditas de emprego, mas virá por aí, a propaganda duvidosa, a explicação para o incremento da sensação de bem-estar do povo em situação econômica adversa? Sim, o governo manipula dados socioeconômicos, como mente na campanha. Na quinta-feira, liberou o IBGE para divulgar que a taxa de desemprego desceu de 5% em agosto para 4,9 no mês passado, a menor taxa desde 2002 – o esporte preferido do PT, comparar-se a era FHC. Porém, fechadas as urnas hoje, estará liberada a divulgação de desempenho negativo. O Ipea poderá expor dados apurados pela Pnad sobre pobreza e desigualdade social, antes proibidos por causa da campanha. Os brasileiros também poderão conhecer problemas com a coleta de impostos e o desempenho de alunos de português e matemática na rede pública.
A radicalização do debate de campanha se tornou algo mais do que o jogo da verdade nua e crua: o tucano quebrou o mito sagrado em torno da presidente
[caption id="attachment_18348" align="alignright" width="310"] Eleitores indecisos: agora o grande alvo dos dois candidatos à Presidência[/caption]
A pesquisa do Datafolha divulgada na quinta-feira revelou que 9% dos eleitores escolheram seus candidatos apenas no dia da votação do primeiro turno, há duas semanas.
São os eleitores tardios que esperam pelo estalo mágico diante das urnas. Outros 6% disseram que se decidiram na véspera.
Eles, os indecisos, abrem brecha para o empate técnico entre o tucano Aécio Neves e a presidente Dilma, sendo que a reeleição da segunda possui o dobro do potencial de crescimento do desafiante pelos cálculos do Datafolha: 13 contra 6%. Mas a contas revelam ainda que este é o segundo turno mais disputado desde a volta da eleição direta em 1989, há 25 anos.
Os indecisos eram 6% dos eleitores nos dados apurados pelo Datafolha há uma semana, contra outros 6% de nulos ou brancos. Na pesquisa do Ibope, coletada na mesma época e divulgada também na quinta, os indecisos eram 5%, contra 7% de votos nulos ou brancos.
Rejeição
Nesta corrida final, Aécio tem contra si o aumento da rejeição pelos eleitores, que encosta no número dos que prometem não votar em Dilma de jeito nenhum. No Datafolha, a rejeição a Aécio cresceu de 34 para 38% no espaço de uma semana. A de Dilma, no mesmo período, caiu de 43 para 42%. Na pesquisa do Ibope, a rejeição a Aécio subiu de 33 para 35%. A de Dilma desceu de 41 para 36%.
No Datafolha, os eleitores que dizem votar em Dilma estão em queda. Na última pesquisa antes do primeiro turno, ela tinha 48%, desceu a 46 e agora ficou com 43. Aécio está em alta. Tinha 42%, foi a 44 e chegou a 45. Ambos em empate técnico, considerando a margem de erro de dois pontos para cima ou para baixo.
No Ibope, as promessas de votos em Dilma estão em queda como no Datafolha. Eram de 45% antes do primeiro turno, desceram a 44 e chegaram 43. As promessas a Aécio subiram bem, mas depois cairam. Eram de 37%, saltaram a 46 e caíram a 45. Novamente, os dois candidatos estão empatados diante da margem de erro de 2%.
[caption id="attachment_18347" align="alignright" width="620"] Juiz federal Sérgio Moro: os petistas não querem que ele faça seu trabalho de apurar ação de quadrilha na Petrobrás[/caption]
Na mira das denúncias sobre corrupção no governo, a presidente Dilma, em defesa da reeleição vai ao ataque para denunciar manobras golpistas em série vindas da oposição. Trata-se de uma inovação da candidata ao inverter papéis: há um hábito político onde o golpe costuma ser instrumento de poder, vindo de cima para baixo contra a oposição.
A presidente confiou na base governista do Congresso e tentou algo assim quando, depois das manifestações de rua de junho do ano passado, lançou a ideia de uma constituinte para tratar exclusivamente da reforma política.
Se a exclusividade do tema já é algo exótico, a proposta incluía a excêntrica realização de um plebiscito prévio para o povo definir os itens passíveis de mudança na Constituição pelos constituintes. Considere-se ainda que a eleição de uma assembleia para mudar a Constituição não é sugestão que caiba a iniciativa do Executivo.
A ênfase na denúncia de golpismo surgiu na entrevista em que Dilma saiu da defensiva por um momento e foi ao ataque contra a oposição. Acusou oposicionistas de explorarem eleitoralmente a exibição na televisão de trechos em áudio de depoimentos à Justiça Federal pelo ex-diretor Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef a respeito da corrupção na Petrobrás.
Acuada pelas delações dos dois corruptos a respeito da coleta de propinas entre 13 empreiteiras, todas fornecedoras da Petrobrás para financiar o PT e os aliados PMDB e PP numa reedição do mensalão, a presidente considerou golpista a divulgação do áudio. Para beneficiar seu desafiante na sucessão presidencial, Aécio Neves (PSDB).
Numa entrevista à imprensa, a candidata à reeleição usou três vezes o termo golpe neste conjunto de 19 palavras com final atrapalhado:
— Agora, na véspera eleitoral, sempre querem dar um golpe. Estão dando um golpe. Esse golpe, nós não podemos concordar.
Se a oposição queria um golpe, o PT veio com o contragolpe, que não passa de outro golpe. No começo da semana, uma delegação petista, à frente o presidente do partido, Rui Falcão, denunciou o responsável pelo processo da Petrobrás, juiz federal Sérgio Moro, ao Supremo Tribunal Federal e à Procuradoria Geral da República.
Os petistas desejam que o juiz seja forçado a oferecer ao partido o acesso a todo o depoimento concedido por Costa e Youssef em troca da redução da pena criminal deles pela delação premiada. O acesso abrangeria as provas contra políticos que os dois réus apresentaram. Os petistas ainda acusam Moro pelo vazamento de informações sobre o processo.
Bem, aquela entrevista de Dilma sobre golpe. Ao acusar a oposição de “manipulação eleitoreira”, ela confundiu os processos jurídico e policial da apuração do roubo na petroleira. Considerou que o áudio foi deliberadamente vazado para ajudar a oposição. “Eu acho muito estranho e muito estarrecedor que, no meio de uma campanha, façam esse tipo de divulgação”, espantou-se.
A presidente preocupou-se com a carga explosiva de relatos criminais que prejudicam a reeleição, mas não deu bola ao conteúdo das denúncias. Assim como ignorou que os depoimentos de Costa e Youssef não eram secretos, ao contrário dos testemunhos na Polícia Federal. Nem poderia a Justiça interromper o seu trabalho de apuração por causa de campanha eleitoral.
Há dois anos, o Supremo Tribunal Federal não suspendeu o julgamento do mensalão, embora Lula, como quem chantageava, apelasse ao ministro Gilmar Mendes para evitar que mensaleiros fossem julgados no mesmo semestre de campanha eleitoral nos municípios. Ele queria o julgamento depois das eleições, ou seja, na prática, no ano seguinte.
A quadrilha ou ciranda da presidente Dilma em torno de golpe como mote da reeleição pode derivar do vezo de Lula em pressentir conspiração contra o partido ou governo deles em meros gestos de oposição ou de crítica ao sistema. Lula, com a mania de usar expressões fortes como meio de impressionar a clientela política e popular.
É um hábito esquisito na medida em que o golpe geralmente é associado a quem detém poder. Em 1964, a maioria militar estava na oposição ao governo Jango, mas exercia o poder armado. Recordemos um confronto de poder que ocorreu há 48 anos, em outubro de 1966 — mês também de eleições nos Estados.
A ditadura rompeu um acordo político com as lideranças governistas e cassou seis deputados do velho MDB, destinado pelo regime a fazer oposição. A Câmara não aceitou a ruptura do trato com os militares. Os cassados se refugiaram ali mesmo no plenário da casa, sob a proteção do presidente, Adauto Lúcio Cardoso, mineiro da Arena que se elegia deputado pelo Rio.
Certo dia, o marechal Castello Branco, ocupante do Planalto, mandou cortar a água e a luz do prédio. À noite, sob sua ordem, uma tropa militar invadiu a Câmara para retirar os cassados e fechar o Congresso. “Eu sou o poder militar. E o senhor quem é?”, o coronel Meira Mattos, chefe da operação, interpelou Adauto, que o encarou e rendeu-se:
— Eu sou o poder civil e curvo-me à força dos canhões.
Aquele, sim, era golpe de verdade, conflito entre poderes, que resultou no fechamento de um deles, o Legislativo. Dois anos antes, Meira Mattos se credenciou a fazer política com tropa armada ao comandar a intervenção em Goiás com a deposição do governador Mauro Borges. Era outro golpe.
E os golpes que Dilma observa na oposição? Sem usar a o termo, ela pressentiu golpe ao comentar com repórteres a ideia do rival Aécio Neves (PSDB) a favor do fim da reeleição em troca do mandato presidencial de cinco anos. “Quero saber que negociação está por trás dessa questão”, suspeitou da proposta e especulou:
“É uma negociação entre tucanos? É isso? É uma negociação para aumentar para cinco anos e depois prorrogar? É o tipo de proposta que tem de vir para a mesa clarinha, para a agente poder se pronunciar. Ninguém consegue fazer um governo efetivo em quatro anos.”
A malícia é um dom político, mas parece que Dilma subestimou o poder do PT e aliados em frear no Congresso a proposta de Aécio. É como se bastasse ao tucano, no próximo domingo, derrotar a reeleição que está em jogo para impor a mudança no mandato.
Na verdade, a presidente tem a missão de preservar a reeleição como regra do jogo para tentar garantir mais oito anos a Lula no Planalto a partir da sucessão em 2018. Façamos a conta Se Dilma se reeleger agora e Lula conquistar mais dois mandatos o PT completará 24 anos de poder sucessivo. Não é nada não é nada, trata-se de um quarto de século. Mas o PT quer mais.
As denúncias de irregularidades que se renovam coincidem com o alto interesse pela nova votação presidencial exposto nas pesquisas de tendências
[caption id="attachment_17757" align="alignleft" width="620"] O ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa entrega o esquema de corrupção que favoreceu o PT e aliados / Foto: Luis-Macedo[/caption]
A.C. Scartezini
A duas semanas do encontro final com as urnas presidenciais, as denúncias de corrupção no governo se impõem como tema eleitoral no mano a mano da disputa entre o desafiante Aécio Neves (PSDB) e a reeleição da presidente Dilma. Emparelhados, mas o tucano com ligeira vantagem e em ascensão.
A novidade é que o ímpeto de resposta de Dilma se calou no primeiro momento depois que a televisão exibiu a gravação da voz da confissão de dois dos principais agentes do roubo de dinheiro público na Petrobrás, o ex-diretor Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef. Ambos em depoimento à Justiça Federal em Curitiba, como delação premiada.
Mais tarde, Dilma convocou coletiva, assustada com as falas de Yousef e Costa. “Acho muito estranho e muito estarrecedor que, no meio de uma campanha eleitoral, façam esse tipo de divulgação”. Repetiu — ou melhor, reafirmou — o discurso de que não aceita corrupção em seu governo:
— Queria reafirmar que tenho tolerância zero com a corrupção ou com qualquer outro tipo de irregularidade.
Há uma impaciência petista que revela fadiga diante de acusações que não se interrompem. “Não pode ser colocada na conta do PT”, antecipou-se o presidente do partido, Rui Falcão, a repórteres sobre aquele jatinho que pousou em Brasília e caiu nas mãos da Polícia Federal porque levava R$ 116 mil em dinheiro vivo no momento em que se iniciou o segundo turno.
Mas de quem é a grana e por que voou de Belo Horizonte a Brasília nas mãos de petistas? “Não conheço”, escafedeu-se o recém-eleito governador de Minas pelo PT, Fernando Pimentel, sobre os dois companheiros que acompanhavam o piloto. Supõe-se que seja sobra da campanha de Pimentel que decolou em busca de outro destino porque ele foi eleito no primeiro turno.
O PT deseja que se investigue outra tentativa de voo com dinheiro, uma semana antes do primeiro turno. Em São Paulo, ao embarcar rumo ao interior, Mario Welber foi interceptado com R$ 102 mil em dinheiro vivo, mais cheques. Seria caixa dois da campanha a deputado federal de Bruno Covas, de quem Welber foi assessor. O neto de Mário Covas foi eleito.
Além da corrupção, a crise na economia age contra Dilma. “O brasileiro tem uma série de outros produtos substitutos para a carne, como frangos e ovos”, sugeriu o secretário de Política Econômica, Márcio Holland, no Ministério da Fazenda, a troca de dieta contra a alta da carne. Mas Dilma assegura que os reajustes do salário mínimo e os programas sociais elevam a renda.
Nesse ambiente, a campanha presidencial volta às ruas com o equilíbrio entre Aécio e Dilma revelado nas pesquisas do Datafolha e do Ibope divulgadas na quinta-feira. Os números vitais de ambas coincidem na apuração de tendência dos eleitores, com ligeira vantagem ao desafiante tucano, que pela primeira vez se iguala ao apoio à reeleição.
Coletadas na primeira metade da semana, as pesquisas atribuem a Aécio 46% dos votos, contra os 44 pontos concedidos a Dilma. Como a margem de erro é de dois pontos para cima ou abaixo, os candidatos estão com empate técnico. Porém, Aécio deu um salto e Dilma caiu.
No último Datafolha antes do primeiro turno há uma semana, o desafiante tinha 42% das preferencias. Agora escalou quatro degraus sem Marina na jogada. A reeleição ostentava 48%. Escorregou quatro pontos.
A última pesquisa do Ibope antes de domingo passado, atribuiu a Aécio 42%. Agora, subiu nove degraus inéditos a ele. Dilma exibia 45% e voltou a escorregar, mas apenas um ponto dessa vez.
Também se repetem nas pesquisas dos dois institutos os números dos votos válidos, descontados os brancos ou nulos, mais os indecisos. Neles, Aécio tem 51% contra 49 de Dilma, em mais um empate técnico.
Essas três categorias de atitude do eleitor apresentam resultados baixos e coincidentes nas duas pesquisas. Os brancos ou nulos são 6%. Os indecisos, 4%. Portanto, em cada 10 eleitores, somente um dispensaria a sua opção entre Aécio e Dilma, o que comprova o alto interesse pela eleição.
Atrativo que tende a incrementar-se e a repercutir na audiência do horário eleitoral da televisão com o duelo de ataque e defesa em torno das denúncias. Embate mano a mano que promete marcar a frenética sucessão presidencial deste 2014, depois de um primeiro turno presidencial inflacionado por dez candidatos. Entre os quais apenas três interessavam.
[caption id="attachment_17749" align="alignleft" width="230"] Doleiro Youssef: “Presidente Lula ficou louco, mas teve que empossar Paulo Roberto na diretoria”[/caption]
Em depoimento no Congresso como testemunha dos desfalques da Petrobrás, Meire Poza, ex-contadora do doleiro Alberto Youssef, admitiu que o esquema de operação pagou a multa de R$ 28,6 mil imposta pelo Supremo Tribunal Federal ao mensaleiro Enivaldo Quadrado, cambista condenado por lavagem de dinheiro no julgamento do mensalão.
A multa a Quadrado não passa de um pó diante do rombo na Petrobrás que se calcula em torno de R$ 10 bilhões, com a participação de Youssef e do ex-diretor de Abastecimento da petroleira Paulo Roberto Costa. Mas pode explicar onde o PT arrumou dinheiro para pagar um total milionário de multas a mensaleiros, em 2012, como os R$ 667,5 mil devidos por José Genoino.
Os depoimentos de Youssef e Costa abastecem generosamente a campanha do PSDB neste caminho rumo ao final da eleição. O PT se articulou, nos últimos dias, para atribuir a FHC a responsabilidade pela bilionária carreira de Costa na Petrobras. Diziam que foi o ex-presidente quem buscou Costa em escalão modesto da empresa e o trouxe ao palco.
Com mais confiabilidade, a imagem e o som do depoimento de Youssef gravado pela Justiça Federal atribuiu a promoção de Costa ao ex-deputado José Janene, antigo líder do PP e mais um paranaense na turma. O doleiro disse que em 2004 os aliados de Lula trancaram a pauta de votações durante três meses para exigir do presidente Lula a promoção de Costa a diretor.
“O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficou louco, teve que ceder e realmente empossar o Paulo Roberto na diretoria de Abastecimento”, entregou o doleiro, com elegância e respeito. Mencionou o nome completo do ex-presidente, que se endoideceu com a greve parlamentar e cedeu. Culpa de Janene, que comandou a operação e morreu há quatro anos e um mês.
O fato é que Lula se aproximou de Costa, o bom amigo Paulinho, que teria turbinado a eleição da presidente Dilma há quatro anos, com injeções no caixa do PT, PMDB e PP. O esquema cobraria o pedágio de 1% do contrato com cada fornecedor da Petrobrás, mais o que vinha de cobrança depois.
Sobre o valor líquido de cada contrato seria cobrada a propina de 3%. Deles, 2% seriam do PT e 1% do PP. Receberia pelos petistas o então polêmico tesoureiro João Vaccari Neto “Todo mundo sabia o que estava acontecendo”, referiu-se Youssef a petistas e políticos aliados ao comentar a transferência de dinheiro para governistas.
Treze empreiteiras gigantes são mencionadas como participantes do esquema. Todos esses dados transmitem credibilidade aos depoimentos, reforçados pelas gravações com áudio e imagem. Tem mais, os acusados trocam a delação pela redução da pena, mas a transação só vale se o acusado provar o que afirma.
Mesmo assim, Lula desdenhou ao se reunir com o PT em São Paulo, na noite de quarta-feira. “Estou de saco cheio de denúncias em véspera de eleição”, desprezou. “È todo ano a mesma coisa.” A culpa é da imprensa. “Ninguém precisa provar nada, é só insinuar”, sentenciou. A mentira ou denúncia só vale se vier dele, especialmente em eleição.

[caption id="attachment_17742" align="alignleft" width="374"] Tucano Aécio Neves: a ameaça à reeleição de Dilma Rousseff / Foto: Igo Estrela/Coligação Muda Brasil[/caption]
Ao final da soma dos votos do primeiro turno, surgiu o cálculo de um professor de ciência política avaliando que basta à reeleição da presidente Dilma a conquista de um terço dos 21,3% dos votos legados por Marina Silva (PSB/Rede) ao ser excluída no primeiro turno. Se Dilma teve 41,6% dos votos, com mais alguns pontos viria o sucesso final.
Acontece que a política não é lógica, não evolui em linha reta, não se calcula com aritmética nem matemática. Se o processo fosse cartesiano, coerente, Marina transferiria automaticamente seus votos ao presidenciável Eduardo Campos ao assumir a vice dele. Mas não foi assim. Os votos marineiros se manifestaram apenas quando Campos morreu e ela assumiu a vaga do PSB.
Como no marketing comercial, o que move o eleitor é o mesmo impulso que conduz o consumidor ao produto na prateleira de uma loja. O impulso pode ser pragmático, ideológico ou revolucionário, sempre uma força que move o paciente rumo a um objetivo. Às vezes, solidário a uma onda social que pode se manifestar coletivamente, como no caso de Marina pós-Campos.
E agora Marina transferiria votos a Aécio ou Dilma? A pesquisa do Datafolha ofereceu uma pista, na quinta-feira: 40% dos eleitores que disseram marinar no primeiro turno admitem que ela possa influenciar o novo voto deles. Porém, 65% deles fizeram uma espécie de correção em outro item: disseram que não votam em Dilma de “jeito nenhum”.
No momento da coleta de dados pela pesquisa parecia certo o apoio de Marina a Aécio. Depois ela apresentou 13 condições ao apoio, desde o fim da reeleição à definição de fazenda produtiva. Ela parece esquecer que tudo aquilo estava no programa de governo do PB/Rede derrotado no primeiro turno. É como se desejasse governar sem ter sido eleita.
Era o mesmo charme que Marina fez antes de aderir pró-forma ao PSB no momento em que a sua Rede não recebeu o carimbo de livre trânsito do Tribunal Superior Eleitoral. Mais fácil foi o consentimento dela em ser candidata a vice de Eduardo Campos. Porém, teve toda a calma antes de declarar que aceitava substituir o companheiro morto.
Neste turno final, nem os votos que Dilma conquistou na primeira rodada são seguros. A configuração do campo de batalha mudou. A ameaça à reeleição não está mais em Marina, mas em Aécio Neves sob o novo contexto, onde o fator corrupção deve ter maior peso com a introdução de Lula entre os suspeitos de sempre.

[caption id="attachment_17738" align="alignleft" width="620"] Presidente Dilma Rousseff diante da parede dourada do Palácio da Alvorada: imagem de luxo que pobres gostam / Foto: Cadu Gomes/ Dilma 13[/caption]
Há um mês, os jornais da televisão servem aos brasileiros a imagem diária de entrevistas com a presidente Dilma Rousseff diante de uma parede dourada que ilumina o salão principal do Palácio da Alvorada. O ouro soa como símbolo de luxo, poder e riqueza em torno de uma candidata que se apresenta como protetora dos pobres e oprimidos.
A fixação da televisão na parede de ouro, que Dilma, falante, aceita sem inibição ou constrangimento, pode ressoar na elite branca como uma ironia do poder presidencial ou deslumbramento da candidata dos pobres no palácio onde mora sem despesas pessoais. Mas a extravagância faz sentido, seduz o povo sem poder.
Quem não percebeu foi o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Dias Toffoli, antigo militante do PT e advogado do Palácio do Planalto na era Lula. Aborrecido com a falta de atenção de Dilma a um pedido pessoal, Toffoli questionou o uso da residência oficial como comitê a serviço da reeleição, há três semanas.
A resposta da presidente veio em seguida na forma cínica de desafio, numa nova entrevista, no próprio Alvorada. “Se não pode ser no Palácio da Alvorada, serei uma sem-teto e irei para a rua dar entrevista porque não tenho casa aqui”, devolveu Dilma, que não comparece ao expediente do Planalto desde 19 de setembro, quando foi ao escritório receber um grupo de atletas olímpicos.
A ideia da parede de ouro faz sentido porque a opulência do poder eleva o orgulho, a autoestima da clientela dos programas sociais do governo, os eleitores do PT. No mínimo, a opulência é uma garantia de que não faltará dinheiro. Lembre-se a Lei Joãosinho Trinta, decretada há quase 40 anos:
— Pobre gosta de luxo, quem gosta de miséria é intelectual.
O carnavalesco Joãosinho sancionou a lei em 1976, ao conquistar o concurso de escolas de samba do Rio com o luxo das alegorias da Beija-Flor. A frase era uma resposta aos críticos que condenavam a opulência do desfile da escola de samba, sob os holofotes da avenida, em nome de uma população pobre de Nilópolis, sede da escola bancada por bicheiros.
A sentença era mais uma inspiração de Joãosinho Trinta, numa frase que tem tudo a ver com o perfil do jornalista Elio Gaspari, diretor na época da revista “Veja”, cujas páginas procuravam oferecer ao leitor sentimentos de luxo, poder e riqueza. Trata-se de uma satisfação íntima que o leitor nem sempre encontra entre as misérias da imprensa diária.
A fixação na parede de ouro do Alvorada ao fundo da presidente não surgiu necessariamente de uma percepção do marketing da reeleição. A origem pode estar em sugestão de fotógrafos e cinegrafistas que costumam solicitar aos entrevistados poses e fundos que valorizem a imagem. Porém, se a parede se fixou como produto diário, foi porque o marketing de Dilma a sancionou.
Em outra atitude, os marqueteiros prepararam o pano de fundo da reunião da candidata, na terça, com um grupo de aliados eleitos nos Estados dois dias antes. Atrás de Dilma, a parede do frio Centro de Convenções de Brasília trazia de ponta a ponta a ideia de impor a noção de que a guerreira a ser reeleita possui um coração valente a serviço dos fracos e oprimidos.
Era um painel com conceito de venda do culto da personalidade, típico do autoritarismo. Ao centro, um retrato da jovem Dilma do tempo em que estava na luta armada contra a ditadura. Os óculos pesados não ajudavam a enfeitar o rosto da moça, mas valorizavam a percepção de uma pessoa séria, compenetrada numa missão histórica, política.
Ao lado, a inscrição “Coração valente” (sic). É o tema de uma música feita por Anderson Freire para embalar a campanha da reeleição da guerreira, sob o título “Dilma Coração Valente”. Com certeza, o compositor se inspirou no filme norte-americano “Coração Valente”, tradução literal de “Heartbrave”, um épico que Mel Gibson rodou em 1995.