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Primeiras eleições de peso pós-Trump mostram quadro em que não há claros favoritos

Cinco candidatos e um debate morno, que só foi visto até o fim pelos viciados em política e os apoiadores mais intrépidos. Todos os indecisos já se tinham ido deitar Frank Wan Especial para o Jornal Opção O primeiro grande debate entre os cinco candidatos à presidência da França aconteceu na segunda-feira, 20 de março. Em todo mundo se questiona, cada vez mais, o formato e o alcance destes debates. De momento, vai fazendo escola a nova moda americana dos candidatos em pé, das divisões dos tempos por temas e dos famosos um minuto e meio atribuídos a cada um dos candidatos no início e no fim. Se o debate foi fraco? Foi! Se esclareceu alguém? Talvez os debates sirvam mais para mostrar certas forças e fraquezas dos candidatos do seu discurso habitual do que para “esclarecer”. Relembro aos leitores dois aspetos que conferem importância a estas eleições. Por um lado, são as primeiras “grandes” eleições num país europeu com peso pós a vitória de Donald Trump – qual é o grau do contágio do  efeito populista Trump? Até onde pode ir a direita na Europa e no mundo? Por outro lado, do ponto de vista da história das eleições presidenciais francesas, esta situação é totalmente nova: nesta altura da campanha temos cinco candidatos “vivos”, isto é, qualquer um ainda com a possibilidade de obter o “ingresso” (“ticket” na gíria política francesa) para o segundo turno. Curiosamente, vê-se entre os analistas que acompanham o processo eleitoral um grau de unanimidade de análise que nunca foi visto. Portanto, o fenômeno é novo, complexo e com consequências graves para a história da Europa, mas é simples de acompanhar, talvez porque as figuras em jogo estejam politicamente bastante delineadas. “Vencedores” não houve e vencidos também não e, apesar de tépido, o debate foi digno. François Fillon Começo sempre por ele porque é figura central de todo este processo. Não fosse o “Processo Penelope” (processo judicial em que a mulher de François Fillon, Penelope Fillon, é acusada de receber dinheiro indevido fruto de trabalhos fictícios), estas eleições seriam um passeio simples para ele. Isso foi visto no debate: se Fillon estivesse à frente dos outros candidatos nas intenções de voto, não tivesse envolvido em processos judiciais e concomitante assassinato de personalidade,  teria saído, calmamente, vencedor deste debate. Muitas vezes, o debate pareceu uma aula de bom senso e técnica de governança: os quatro garotos gritavam e propunham irrealidades num tom, por vezes, colorido e François Fillon, com aquele ar de professor idôneo, num tom de voz de médico a acalmar os doentes, ia, tranquilamente, explicando às crianças, quer as de esquerda, quer as de direita que se tinham enganado no nome do imposto, que não eram aquelas as divisões administrativas ou que, somando tudo o que já tinham proposto no debate, nem o orçamento da França, Alemanha e EUA somados davam para pagar tanta irrealidade. Num dado momento, faz mesmo o impensável: confessa que uma medida que tomou enquanto primeiro-ministro, as famosas “Casas de Saúde” (não entro em detalhes), foram um fracasso que ele não esperava. Explicou que queria aproximar os doentes dos seus familiares  e que, financeiramente, a medida tem se revelado mesmo má – ainda concordo com ele que, se lhes for dada autonomia, é uma ideia excelente; a França, tal como o Brasil, é um país enorme e é uma dor terrível estar gravemente doente e ser tratado muito longe dos seus familiares. O debate foi sempre evoluindo com um Fillon técnico, realista e inquestionável. Surpreendentemente,  ou não, os adversários não trouxeram a palco os processos em que está envolvido. Falar dos processos é dar a Fillon o protagonismo e as máquinas dos candidatos não caíram nessa armadilha televisiva. Os jornalistas que conduziam o debate, manifestamente incompetentes, ignorantes e despreparados para estes pesos pesados da política mundial, só se excitavam com o eixo político-tribunal-escândalo-corrupção. Definitivamente, Fillon, quando se trata de discurso político, debate e governança realista é o homem mais competente que a França tem ainda na corrida. Marine Le Pen É preciso não esquecer que esta mulher nasceu já acompanhando o pai em comícios, reuniões, discursos, debates, etc.,  e que está “nesta vida” de televisões, debates e candidaturas há muitos anos: esta mulher é uma raposa velha. Inteligente, rápida, altamente bem preparada, tem perfeita noção da linguagem de televisão, possui oratória acirrada e frases montadas umas atrás das outras. É impossível apanhá-la em qualquer hesitação. Marine Le Pen, gostem ou não dela, não perde um debate seja com quem for. Fraqueza? Tem, tal como os comunistas, e todos os extremistas, uma espécie de playlist argumentativa e limita-se a correr os MP3 de forma célere. Podia ser substituída por um papagaio que ninguém perceberia a diferença. Contrasta com todos os outros candidatos por propor um referendo sobre a saída do  Euro – se a proposta de Marine Le Pen é extremista, a ausência de ideias dos outros candidatos sobre a posição da França na Europa também não ajuda a impedir que qualquer ideia absurda faça caminho. Num determinado momento aparece o tema “relação com a Rússia” e voltam-se a desenhar estranhas linhas de divisões entre os candidatos, daquelas que colocam extremistas de esquerda e direita do mesmo lado da barricada. Destaco, já no fim, a propósito de uma crítica que Marine faz a Emmanuel Macron, as famosas “pantufas”, alusão a “fulanos” (Macron, evidentemente) que começaram por ser acadêmicos formados na academia francesa e acabaram a trabalhar para a Alta Finança (Rotschild) e agora querem ser presidentes. Há um carinho particular deste ataque truculento: Marine tinha a lição estudada e Macron, que estava alerta, salta ferozmente na defesa, como quase não se tinha visto – é o momento em que os analistas ouvem já o som  da engrenagem das máquinas dos candidatos a se preparar para a segundo turno; foi, claramente, o primeiro ensaio de diversos frente a frente. É, de fato, provável termos estes dois no segundo turno. Jean-Luc Mélenchon Pareceu sempre o candidato que estava mais à vontade naquele formato: movia-se dentro da sua bancada, fazia um misto de discurso e resposta, provocava, respondia aos candidatos, dirigia os temas, fazia acusações, falava para o público no estúdio e se dirigia às câmeras. Quando vem a lume os processos judiciais tem uma expressão interessante: “quem tem processos é ele e ela (aponta para Fillon e Le Pen), não nos metam todos no mesmo saco” - de alguma forma, dando já o tom de alguma união ao centro-esquerda que, tarde ou cedo, se dará. Mélenchon subiu dez pontos nas intenções de voto, tem a máquina de 2012 toda montada, aprendeu os truques todos, sabe que a campanha tem diversos momentos. Consegue ir animando o debate, sem nunca sair  de certa linha, não cai na tentação do extremismo, vai apenas fazendo propostas que o demarcam dos outros candidatos, insiste na velha tecla da quinta república exaurida  e da convocação de uma assembleia constituinte para uma sexta república. Trai sempre os sentimentos profundos da esquerda radical: odeia tanto a direita extrema, como a esquerda moderada. Faz coro com os outros três candidatos na denúncia da vacuidade, artificialidade e marquetismo de Emmanuel Macron. Todos odeiam Macron, para o bem e para o mal, ele é o único que não resulta diretamente dos partidos políticos. Benoît Hamon Sendo o mais “lutador” de todos os candidatos e tendo muitas contas a ajustar com muita gente, dentro e fora de seu partido, afundou-se de forma espantosa. Fica a dúvida se se resguardou, se é por cálculo ou por outro motivo. Pessoalmente, penso que acusa algum cansaço físico: é o menos experiente deste ritmo de altíssima rotação, começou demasiado forte no início da campanha, tinha todas as esperanças e tem somado dissabores. Por exemplo, o dissabor da deselegância de Manuel Valls não o ter apoiado – Valls perdeu as primárias dentro do partido, é ético o candidato do partido apoiar o vencedor depois na campanha eleitoral e Valls é uma figura que tem muito peso político. De alguma forma, como se diz, o sistema político devorou os grandes candidatos: Manuel Valls, Nicolas Sarkozy e François Hollande. Ser candidato do partido socialista, ter como missão unir a família socialista, ganhar as eleições e “salvar” a França é um peso difícil de suportar, mas Hamon, como muitas vezes na política, pode perder e sair vencedor; esta derrota pode ser o adubo de um futuro político brilhante. A máquina de imagem ainda não o poliu: ainda tem uns laivos de fulano que discute política na lanchonete e de partidário cego que vai quase até à fronteira da agressão. No meio dos candidatos de peso, claramente, não se destaca. Assim que saiu do estúdio, a máquina (moda mundial também) tinha preparado um teatro de recepção apoteótica no exterior, como se o herói gigante tivesse ganho uma batalha e aí, imediatamente, apareceu logo mais à vontade. Emmanuel Macron É puro plástico. É filho do marketing, dos grupos econômicos, da sociologia, das equipes de publicidade, da psicologia de massas, dos estudos de mercado. Manteve-se igual no figurino que a mega-equipe lhe prepara sempre: quando fala, mantém o punho esquerdo cerrado (imagem de marketing com o símbolo: estou determinado) e aponta sempre o dedo da mão direita (imagem de marketing: sei em que direção vou levar vocês), quando se cala, sorri imediatamente dando a imagem do super simpático. Na imprensa, todos os dias há tsunamis de informações sobre Macron. Parece saído de um conto de fadas: a mulher é linda, a casa dele faz inveja às casas das telenovelas, o cachorro é fofo e ele é um deus que nos veio iluminar. Foi o último professor assistente do grande filósofo Paul Ricouer, mas agora trabalha para o banco Rothschild e tem toda uma série de trabalhos acadêmicos dedicados a Maquiavel. Le Pen, num dado momento, diz que, ao ouvi-lo durante sete minutos, não consegue reter uma única ideia e isso é totalmente verdade:  Macron tem um discurso redondo, tudo vai em direção ao futuro, à esperança, à união da França, enfim, tudo coisas que, traduzido em francês, não significam nada. Começou por ser um candidato que, no início da campanha, não era nem de esquerda, nem de direita, agora, nesta fase, passou a ser de esquerda e de direita! Tenho a certeza que, no fim do debate, só estavam ainda acordados e entusiasmados nós, os viciados em política, e os apoiadores mais intrépidos. Todos os indecisos já se tinham ido deitar. Frank Wan vive em Portugal. É ensaista, poeta, tradutor e professor

Mélenchon, o orador brilhante que não fala sobre os principais temas de interesse dos franceses

Candidato que foi jogado para extrema esquerda tem subido nas pesquisas e deve sair bem do debate da próxima segunda-feira, mas as eleições são como as guerras: todo mundo sabe como começam, ninguém sabe como terminam  [caption id="attachment_89679" align="alignleft" width="620"] Jean-Luc Mélenchon tem uma oratória brilhante, mas não consegue tratar dos principais temas de interesse da população francesa | Foto: Thomas Samson/ AFP[/caption]   Frank Wan Especial para o Jornal Opção À direita da direita temos Marine Le Pen, na direita moderada temos François Fillon e, depois, aparecem: Benoît Hamon, o candidato oficial do Partido Socialista (que ganhou as eleições contra Manuel Valls, que acabou, nestes dias, por lhe recusar o apoio – assunto que, nas hostes socialistas, é visto de forma diversa), o mágico Emannuel Macron que fundou o Movimento “Em Marcha” e que tem uma promissora carreira no mundo dos negócios a serviço da “Rotschild & Companhia”. Na extrema esquerda do espectro aparece Jean-Luc Mélenchon. Jean-Luc Mélenchon era o candidato da esquerda, mas o processo eleitoral acabou por empurrá-lo para a extrema esquerda. Coisas que o processo eleitoral tece. Era membro do Partido Socialista, saiu por volta de 2008 e fundou o Partido de Esquerda (PG, Parti de Gauche), o nome, praticamente, diz tudo. Mélenchon fecha o espectro de candidatos elegíveis. [relacionadas artigos="89508, 87921"] A semana anterior tinha sido dominada pelas diversas temáticas relacionadas à saúde. A saúde tem um peso considerável no orçamento da França, sobretudo nas últimas décadas, com o crescimento fulgurante dos casos de câncer e crianças que nascem com problemas diversos. O desespero político-econômico é tão grande que levou Marine Le Pen a propor que os estrangeiros em situação ilegal não tivessem direito a cuidados médicos. Como a saúde está sempre ligada à alimentação – é cada vez mais evidente, entre as populações, que os problemas de saúde estão ligados a acelerações químicas da agricultura – seguiu-se, com naturalidade, a problemática da agricultura. O tema é caro a Marine Le Pen, que propõe, há muito, medidas protecionistas para a agricultura francesa. É conhecido que a retórica da extrema direita sempre assenta na agricultura e na segurança. Mélenchon aborda o problema da agricultura com certa destreza, mas não consegue escapar dos velhíssimos chavões da esquerda da aliança dos operários e dos agricultores (relembro que Mélenchon foi ministro do Ensino Profissional). Nesse momento, para Mélenchon e para todos os candidatos, coloca-se uma das grandes questões da política moderna: qual é o verdadeiro impacto da televisão na vida dos cidadãos? Sempre que algum candidato vai a algum canal de televisão é sempre flechado com as perguntas no seu calcanhar de Aquiles e com um rendilhado de questões sobre sua relação com outros candidatos. Mélenchon, honra seja feita, foi um dos primeiros a perceber que as “idas à televisão”, nesta fase, não estão dando um bom resultado e decidiu voltar a um velho mecanismo: o comício. É curioso como o abuso dos meios modernos, muitas vezes, faz regressar velhos métodos. Por exemplo, as eleições que decorreram na Holanda, devido às suspeitas de contagens eletrônicas fraudulentas e ataques de hackers, foram feitas totalmente de forma não eletrônica. Por trás da ideia do comício estão as onipresentes redes sociais: faz-se um comício para um número controlado de já convencidos e estes, depois, naturalmente, chegam a mais pessoas também através das redes sociais. Mélenchon reúne mais ou menos 4 mil pessoas num comício e aparece sempre como um tribuno poderoso vestido com uma indumentária vagamente semelhante às velhas fotos de Trotsky e outros camaradas. Começa por desfiar o rosário das propostas doces: a agricultura alternativa, sem nunca explicar muito bem como a ia pagá-la, típico da esquerda em geral e de Mélenchon em particular; as cantinas escolares totalmente gratuitas – esta medida anda enchendo a boca de todos os candidatos; e segue de proposta em proposta. Sem o jogo da pergunta-resposta, em discurso livre, Mélenchon mostra os seus dotes geniais de oratória, arranca risos nas plateias, domina totalmente. Recorre a truques magníficos: finge perder umas folhas de apontamentos, começa a fingir que está perdido no discurso e inicia umas piadas sobre Fillon; como está diante de um auditório de esquerda, as piadas caem como uma luva. Depois começa a imitar o tom melodioso e ensaiado de Macron e esmaga na ironia totalmente o pseudo-centrista. Mélenchon evoca Jaurès e, com isso, conquista os jovens e emociona os que já não são tão jovens assim, mas nostálgicos de uma velha França que perderam. Claramente, temos duas gerações de socialistas em disputa: Mélenchon é filho do velho socialismo, filho das humanidades, do tempo em que tudo se decidia em discursos de congresso, de academia, de agremiação; Macron é filho do plástico televisivo, do Marketing, dos estudos de mercado, dos números das estatísticas e dos discursos orientados para perfis sociológicos. Todos os candidatos sabem que Donald Trump ganhou as eleições dos EUA centrando-se no problema do desemprego e todos ensaiam sempre alguns compassos da música do desemprego: Mélenchon recorre a estudos que indicam que o desemprego gera doenças e doenças graves, mas mostra que os modernos empregos também estão na origem de muitas doenças. Pisca o olho para 7 milhões de desempregados (10%). Como vai cobrir todas as dificuldades? Perseguindo os paraísos fiscais. Eis os novos velhos lugares-comuns. Mélenchon dá-lhes um toque de classe de esquerda “se eu for eleito, a festa acabou” (“La fête est terminée si c'est moi qui arrive”), vai pôr todos os vigaristas do capital para trabalhar. No discurso de todos os candidatos há sempre uma preocupação ecológica e Mélenchon também propõe umas medidas perfumadas com o nome de econômica-social-ecológica e segue com grandes frases e promessas vagas e interessantes, típicas desta fase do processo eleitoral. A França sente que esta quinta república está a definhar, a que Mélenchon chama, com alguma graça, de monarquia republicana e também reconhece a gigantesca necessidade de “reformas estruturais” – embora nunca se perceba bem o que os políticos querem dizer com este chavão. É bem conhecido que se ganhar teremos uma Assembleia Constituinte que irá iniciar a sexta república. No fundo, Mélenchon prega aos convertidos e sabe isso, pretende apenas com este Comício fornecer uma espécie de kit argumentativo para que seus apoiantes possam chegar a mais pessoas. Apesar de tudo, pela primeira vez nestas eleições, um candidato expõe publicamente em geral, de forma livre, o desenho das suas propostas e discorre sobre as mesmas apelando mais à nossa inteligência que ao primitivismo das frases e imagens feitas dos meios de comunicação. Mélenchon revisita os lugares comuns da esquerda acerca dos problemas sociais das grandes cidades, relembrando que todos os franceses são misturas de várias raças e todos vieram de algum lugar para as grandes cidades e que não é possível “desmistiçar” (vaga alusão ao nazismo e à direita mais pura). Mélenchon é um orador brilhante e trouxe o processo eleitoral para as velhas fronteiras francesas: a política é uma grande troca de palavras que antecede qualquer decisão importante, é feita de discursos, debates, artigos e conversas entre cafés e almoços. É por isso que a França é um país de literatura (e artes em geral), política e culinária. Terminado este brilhante comício, pessoalmente, a minha nota para Mélenchon é um zero absoluto: depois dos atentados diversos, Bataclan, Nice e outros, a França vive mergulhada no medo, Mélenchon não tem uma palavra sobre terrorismo, que é, praticamente, o tema número um das populações; num momento em que está em pauta a saída da Inglaterra da União Europeia pós-referendo, Mélenchon não tem uma palavra para a questão europeia; não forneceu uma única explicação de como tenciona relançar a competitividade das empresas, num momento em que a dívida francesa atinge os 100%. Segunda-feira, dia 20 de março, realiza-se na TF1 o primeiro debate televisivo que colocará frente a frente os cinco candidatos com maiores intenções de votos nas últimas pesquisas. Este debate, que oporá Jean-Luc Mélenchon, Marine Le Pen, François Fillon, Benoît Hamon e Emmanuel Macron mudará, naturalmente, a direção do processo eleitoral. Desde o início da campanha eleitoral, Mélenchon subiu surpreendentes 10 pontos nas intenções de votos. Na segunda-feira dar-se-á o primeiro grande embate televisivo num formato em que Mélenchon é temível: perguntas e respostas com tempo controlado. As eleições são como as guerras: todo mundo sabe como começam, ninguém sabe como terminam. Frank Wan vive em Portugal. É ensaista, poeta, tradutor e professor.

A ascensão da extrema direita e a desilusão do eleitorado

Eleições presidenciais francesas tornam claros os grandes dilemas da política moderna ocidental: a judicialização da política, o desânimo dos eleitores e a ascensão da direita [caption id="attachment_89515" align="alignleft" width="620"] Embora esteja no centro de processos jurídicos, Penélope Fillon salvou a direita francesa e tem um projeto: tornar o marido, François Fillon, presidente da França | Foto: E1[/caption] Frank Wan Especial para o Jornal Opção Qual é a sensação que domina neste momento? A campanha não arranca. Todos os candidatos sabem que há um momento em que tudo se harmoniza e começa a girar em torno de um conjunto de temáticas e cada um deles empurra para frente esse momento, sem procurar os temas fortes. De Emmanuel Macron, não esperem nada. Ele vem com a imagem polida pelos marqueteiros e tem a técnica dos televangelistas: emociona e não diz nada. Já François Fillon tem mais a perder do que a ganhar: joga no ataque enquanto o processo jurídico contra ele avança e na defesa quando tudo se acalma. Todos os outros estão perdidos nas manobras e nas maquiavelices políticas. Resumo: a campanha não “arranca”, os candidatos atolam-se nas suas máquinas de apoio e Marine Le Pen sai na frente. Apesar de uma semana em que esteve sempre em foco o processo jurídico contra sua secretária e um guarda-costas, Le Pen segue na frente. Ela fez, no domingo, 5, um discurso brilhante — quer no tempo, quer no vocabulário utilizado, quer no ritmo, quer nas temáticas — e, pasmem os deuses, é da boca de Le Pen que vem a grande temática do mundo político moderno: estaremos diante do domínio e controle dos juízes sobre o sistema político, armadilha em que caiu a Roma antiga? [relacionadas artigos="88259, 87921"] Na França, estamos longe do que se chama, em sociologia e estatística, “cristalização”: o momento em que as intenções de voto se estabilizam e as margens de erro diminuem de modo a nos permitir tirar ilações do que será o voto real. Lição esquecida por muitos no passado recente: podem fazer todos os truques na imprensa e redes sociais, mas é sempre o voto que conta. Neste momento, embora a imprensa, nos seus resumos de um minuto, mostrem sondagens de resultados finais, o mais importante para quem acompanha as filigranas do processo político é saber quem são os terceiro e quarto posicionados, pois são esses que farão a balança se mover e é deles que pode, perigosamente, sair um candidato que surpreendentemente chega à frente por algum motivo imprevisto de campanha. Dois fatos marcam o momento e os dois são da direita: Le Pen está na frente, cada vez mais na frente, e Fillon caiu, mas está estável. O que Fillon precisa é reduzir os estragos. Relembro que o processo judicial recai sobre Penélope Fillon e não sobre o marido. Penélope é o fantasma da ópera, a mulher do momento; se não fosse o processo, dificilmente alguém pararia François Fillon. Não perdoam Penélope estar casada com Fillon desde 1980; não lhe perdoam o fato de, nos piores momentos em que se percebia que Fillon queria desistir, ela, sempre tão apagada, surgir ao lado dele silenciosa, discreta e dura; não lhe perdoam por não ser francesa e, pior, não lhe perdoam ter empurrado o marido para o cargo de primeiro ministro, quando todos queriam enterrar politicamente o presidente Sarkozy. A galesa salvou a direita francesa e chegou ao Hotel Matignon ao lado do marido com uma faísca nos olhos: vocês nunca nos vencerão. Uma mulher vinda do país do Gales no centro do xadrez político francês gera, convenhamos, alguns ódios. Toda a gente sabe que Penélope tem um plano: quer que o marido seja presidente da República e é por isso que as acusações que lhe fazem recaem, por exemplo, sobre financiamentos que recebeu de revistas de literatura. Cada vez mais, quem não vota decide eleições. Decide de forma indireta, ao alterar os universos de votos absolutos, e decide se muda de ideia na última hora e vai votar. Esses votos de última hora são, por vezes, muito imprevisíveis e uma coisa é certa: os franceses (os europeus no geral) votam cada vez menos. Alguns levantamentos sociológicos atribuem isso, além das questões sociais, por exemplo, o natural comodismo moderno, às grandes desilusões do ciclo François Mitterrand e Jacques Chirac. Os dois ex-presidentes, quando estavam em campanha, conseguiram dar uma injeção de  confiança e esperança no eleitorado francês, mas suas presenças no Palácio do Eliseu foram profundamente decepcionantes, deixando marcas que, segundo os sociólogos, perduram no eleitorado. Todos os que votaram pela primeira vez nos anos 1990 têm agora mais de 40 anos e essa faixa etária apresenta níveis muito grandes de desinteresse pelo processo político. É o que se chama de “Não há nada a fazer e nem quero saber disso para nada” (rien à foutre et rien à faire). Sociologicamente nota-se que as pessoas, apesar de continuarem assistindo ao espetáculo do processo eleitoral, não votam. O entusiasmo da “luta” política é grande, mas as pessoas não são seduzidas a participar diretamente.  As razões são simples e têm dois fatos: os políticos dão maus exemplos e as pessoas são individualistas. O primeiro é evidente em qualquer parte do mundo e o segundo é preocupante, pois as pessoas, pela força também dos aparelhos de comunicação individuais, tendem a se fechar em círculos de interesse cada vez mais reduzidos. É um daqueles efeitos perversos das redes sociais: isolam socialmente. Num ponto, à medida que a troca de informação é cada vez mais entre indivíduos sobre o indivíduo e seus interesses imediatos, os temas das grandes decisões nacionais vão sendo afastados. Quando se faz um levantamento sociológico do motivo do abandono e desacreditação dos políticos, é fácil verificar em que pé está o descontentamento:

  1. Não dizem a verdade e não cumprem o que prometem. Os diagnósticos dos políticos são autênticos contos de fadas e qualquer pessoa totalmente desinformada é capaz de dizer de cor uma dezena de promessas que ouviu na boca de políticos (locais, regionais, nacionais e internacionais) e que não foram cumpridas. O homem do século XXI está pouco disponível para participar num processo que sabe estar eivado de mentiras e falsidades.
  2. Os políticos normalmente saem impunes de seus crimes e ilegalidades, o que tem sido devastador para a participação do cidadão no processo político.
Diante disto, dá-se, por parte do cidadão,  um afastamento silencioso da política. Não só se afasta, como não acredita que algo ou alguém possam mudar seja o que for, o que nos leva a um paradoxo, eu diria, “filosófico”: os extremistas acabam por ser os únicos que acreditam verdadeiramente na política, sendo eles os que, normalmente, negam o processo democrático. Não passa despercebido, por exemplo, nas redes sociais, uma forte presença de participação política de grupos ideológicos descrentes da democracia. O processo político vai sendo cada vez mais, típico também dos períodos de crise, entregue a extremistas. Talvez seja bom lembrar momentos como o da República de Weimar ou como da República Portuguesa: ao misto de democracia e grande instabilidade se segue, quase sempre, a história ensina, regimes totalitários. No momento em que este artigo é publicado no Brasil, decorre na Holanda um processo eleitoral que trouxe às luzes da ribalta uma vez mais a extrema direita. É neste quadro que entram os apoiadores calorosos e empenhados da Frente Nacional. Enquanto os apoiadores das outras forças e candidatos políticos são mais ou menos ocasionais, os da Frente Nacional estão ali, muitos há décadas, de pedra e cal. Os “centristas”, na sua gigantesca maioria, não o são por opção politico-econômica, mas porque, subjetivamente, acham que “é melhor ser moderadozinho”. Não vai ser fácil combater esta decepção permanente. Esse combate vai exigir honestidade, participação e também uma profunda reflexão de como a informação é tratada. Os números brutos da abstenção são assustadores e o grande problema destas eleições presidenciais na França é que, a par de uma campanha que não arranca e de candidatos que só fazem manobras palacianas, há uma sombra gigantesca de abstencionistas, ausentes, desinformados, decepcionados e desiludidos que podem e, provavelmente pressionados pelos últimos acontecimentos, vão entrar em cena influenciando de forma decisiva o futuro da França, da Europa e do mundo. Frank Wan vive em Portugal. É ensaista, poeta, tradutor e professor.

Há um princípio universal que a família Le Pen tem dificuldade em entender: um voto conta

Marine Le Pen deve ir ao segundo turno, mas sua velha política encontrará dificuldade nas urnas [caption id="attachment_88263" align="aligncenter" width="620"] Filha de Jean-Marie Le Pen, Marine deve ir ao segundo turno, mas enfrentará dificuldades | Foto: Charles Platiau[/caption] Frank Wan Especial para o Jornal Opção Parece ser evidente, para muitos que se fiam à contagem tradicional de votos, que Marine Le Pen passa ao segundo turno das eleições presidenciais francesas. Coloca-se então a questão: quem é o melhor candidato para derrotar a filha de Jean-Marie Le Pen, partindo do princípio –  coisa que a gigantesca maioria da mídia faz – que derrotar Le Pen é defender algum estado da civilização que, com a vitória dela, se perderá? Os leitores já estão habituados a estes axiomas: se Donald Trump vencesse eram também anunciados diversos apocalipses e tsunamis, mas, na lógica midiática, a grande catástrofe vem sempre a seguir. A Frente Nacional (Front National, FN) não é apenas um partido político, tem também os traços antropológicos de uma religião. Não é incomum perpassarem no discurso dos seus apoiadores expressões como “até ao sangue”. Tal como todos os movimentos religiosos, a Frente Nacional  também tem uma visão particular da história (e de certos momentos chave da história) e esta leitura histórica é uma referência permanente no seu pensamento. Tendo um discurso anti-estruturas políticas, a FN bate-se permanentemente com o grave problema das fontes de financiamento, mas, como muitas magias que a política faz, o dinheiro sempre aparece e, desta vez, voltou a aparecer sob o título de “dinheiro russo” — e aqui os menos distraídos já se recordam do “fantasma russo” na eleição que levou Trump ao poder. [relacionadas artigos="87921"] Pelo mundo afora, o momento das eleições parece ser um momento de depuração. Há uma súbita febre de honestidade e denúncia, sempre ausente em tempos não eleitorais, onde a pureza ética parece tirar férias. Nos EUA, por exemplo, as mulheres só se lembram que foram vítimas sexuais de algum candidato no período eleitoral — com a dupla perversidade de, não apenas lançar suspeitas, provavelmente injustas, sobre algum candidato, mas também de fazer um péssimo serviço às vítimas reais desse tipo de crime, descredibilizando-as. Recentemente uma socióloga nos chamava a atenção para o fato de, nos anos 1980, com uma dada ficha de inquérito, 30% das pessoas acreditarem que os políticos eram todos corruptos e, com a mesma ficha, em 2010, o resultado ter dado acima de 75%. Mas, curiosamente, isso não altera significativamente o sentido do voto tomando um conjunto de eleições — embora, na minha opinião, não deixe de ter repercussões no número de abstenções. Seja como for, em período eleitoral alguma lama será sempre mutuamente atirada. Se François Fillon é acusado de desvios financeiros pessoais pouco consideráveis, mas eticamente muito pesados, Marine Le Pen e seu pai já têm um patrimônio de peso. Também sobre a família Le Pen pairam fortes suspeitas de gigantescos desvios de dinheiro, normalmente, sob a forma de desvalorização dos bens patrimoniais para fuga aos impostos. É surpreendente para muitos que Fillon esteja sob tantos holofotes por quantias irrisórias enquanto que Le Pen há anos passe incólume, embora recaiam sobre si somas muito mais avultadas. Diria que Le Pen usa a arma da pureza financeira com algum equilíbrio, o que é até estranho para esta família política, mas os telhados de vidro, provavelmente, a isso obrigam. Já Fillon usou e abusou dos bonecos conceituais tão do gosto dos políticos modernos: a honestidade, a transparência, as diversas incompatibilidades dos cargos políticos, etc. Isso levou-o onde o levou, mas agora está pagando uma gigantesca fatura pelo discurso moralista. Os pecados dos políticos “santos” aparecem sempre que eles deixam o poder e, concomitantemente, de controlar a aparição dos pecados. Afinal, Trump também não pagou impostos e ganhou as eleições! Não só não pagou, como, quando lhe perguntaram se usou um certo fundo para evitar impostos, deu a famigerada resposta: Of course I do, of course I do (Claro que sim, claro que sim). Afinal — e Trump acaba de demonstrá-lo, na puritana  América do Norte —, não pagar impostos e, talvez, andar por aí atrás de umas garotas, não incapacite quem quer seja de ganhar eleições. Em política tudo é assimétrico, o que é válido para Fillon, mas não para Le Pen. Como em todas as eleições presidenciais no mundo, embora no caso de Portugal isso nunca tenha sido muito evidente, tirando as bizarras eleições de Mário Soares e Freitas do Amaral, o resultado no segundo turno raramente esteve em jogo, o importante é continuar no pleito obtendo o famoso “ingresso” (ticket). Como o equilíbrio partidário na França está muito mais estilhaçado do que em qualquer outro país europeu, depois de obtido o “ingresso”,  o jogo muda quase a cada 24h, entra-se num “xadrez relâmpago” vertiginoso de negociações, jogadas e golpes espetaculares. Se, para o primeiro turno, o importante é ter uma boa base fixa, que é o caso máximo de Le Pen, para o segundo, o importante é a flexibilidade. É por isso que Le Pen, e seu pai já tinha esse fantasma, tem o perfil da eterna derrotada no segundo turno. Ainda ecoa nos ouvidos franceses o famoso bordão eleitoralmente suicida de Jean- Marie Le-Pen: não quero nem um voto de esquerda! Marine fez imensas maquiagens à filosofia e métodos do pai, mas, para as eleições presidenciais nunca (digo eu) tocará no eleitorado de centro e centro-esquerda que decide eleições. Estratégia cínica: quem tiver o ingresso contra Le Pen “arrisca-se” a vencer,  nem será uma vitória do próprio, será sempre uma derrota do extremismo lepenista. O que os adeptos do Apocalipse aguardam é que à vitória de Trump se siga a de Le Pen, mergulhando o mundo em trevas políticas. São diversos os temas que apartaram a FN dos outros partidos, entre eles contam-se  os tradicionais temas queridos da extrema direita: a agricultura, a segurança, os imigrantes, entre outros. No quadro europeu, Marine volta ao grande cavalo de batalha de todos os extremistas: a saída da “zona do euro”. A “saída” tem, ultimamente, numa tentativa  de mitigar  a violência da medida, tomando formas bizarras como: a França mantinha o velho franco no seu território, mas negociava em euros nas exportações ou entre as grandes empresas. Claro que isso é visto como um imenso recuo face às posições que a FN já defendeu no passado — recordo que a saída era quase a bandeira primeira do movimento em tempos recuados, a tal ponto que, nos bistrôs se dizia que Marine era “moeda, moeda, moeda” (“monnaie, monnaie, monnaie”). Marine defende-se dizendo que é uma medida mais prática, uma vez que a saída do euro seria mais violenta. Le Pen e todos os europeus assistem com perplexidade à incapacidade da Inglaterra de sair da “zona do euro” após o referendo. Marine também agita a bandeira do referendo na França e esta é, aliás, a primeira medida que diz tomar, se sair vitoriosa. A verdade é que a França padece de todos os males dos países europeus desde a implementação da moeda euro: dívidas pública e privada altíssimas, difícil acesso ao crédito, etc. Na França, país com uma democracia velha e astuta, o discurso mágico tradicional dos políticos de “aumentar os salários dos professores, policiais e médicos e baixar os impostos”, decididamente, não pega. Marine vê-se na contingência de recorrer a propostas dentro da sua cultura política: não tratar os estrangeiros em situação irregular (muitos brasileiros) nos hospitais públicos! Recorre a estes estratagemas argumentativos porque sabe perfeitamente que a maioria das outras medidas faraônicas que propõe teriam custos incomportáveis. Marine recorre à relação “tratamento médico/estrangeiros” para manter vivo o simbolismo fascista da xenofobia porque, neste momento, está  provado para a sociedade que não é possível, por exemplo, fazer um automóvel sem recurso a peças e materiais oriundos de diversos países — lembrando que a indústria do automóvel na França tem um peso importante. É preciso ver tudo o que Marine Le Pen propõe com uma pitada de sal porque ela, normalmente,  sabe que não vai ganhar e pode, portanto, dar-se ao luxo de dizer qualquer coisa. Estas medidas, propostas e ameaças servem apenas para capitalizar votos.  Muitas vezes também se usa com a FN uma medida diferente da que se usa com os outros partidos, leem até aos últimos caracteres tudo o que está no programa da FN e põem-se a acusar Marine Le Pen de cada detalhe programático. Ora, é sabido: os eleitores não leem programas de partidos, guiam-se por muitas outras coisas. No limite dos argumentos de Marine está sempre o bordão: a Europa não funciona por causa da imigração...

O que vai acontecer agora, então?
A questão numérica é simples de equacionar: qual é a porcentagem de votantes de Fillon que poderiam eventualmente votar na Marine Le Pen? Segundo números das últimas 48 horas, votariam, dos absolutos, 18% em Fillon e desses votantes em Fillon, 30% dizem-se dispostos a votar na Marine num segundo turno. Tomando como referência geográfica e nacional  todas as votações até hoje, faltariam a Marine Le Pen cerca de 10 milhões de votos. Para uma proposta política tão rígida é difícil vislumbrar que tipo de votante faria toda a viagem do espectro político para aterrar no voto da extrema direita (democrática). O interessante em quase todas as eleições europeias é que quem decide, muitas vezes, é a abstenção e os abstencionistas. A abstenção absoluta desestabiliza as porcentagens relativas e, não há desejo, nem pavor maior para os candidatos do que o cidadão que “finalmente”, portanto, inopinadamente, decidiu ir votar. Não cessa de me espantar que a França tenha tanto candidato, tanto partido, tanto movimento, tantas frentes e haja tanta gente que se não se sente, de todo, representada. Estas pessoas, muitas vezes, decidem eleições. Uma das manobras clássicas nestas eleições é os candidatos mostrarem-se ao lado de políticos no governo ou com peso institucional internacional das suas famílias políticas. Para isso fazem estas vistas relâmpago. Marine Le Pen visitou agora o Líbano e o pormenor de se recusar a usar as roupas tradicionais islâmicas tem sido sublinhado. Uns veem nisso um ato de coragem de defesa dos valores ocidentais. Na França, alguns dizem que é um ato contraditório, uma vez que Marine Le Pen defende que os estrangeiros na França têm que respeitar os valores da França, ora, ela deveria também ter respeitado os do Líbano. Penso que as posições políticas de Marine Le Pen, face ao mundo moderno, se depauperizam. As ideias tradicionais cada vez mais se afastam das necessidades e desafios modernos, as linhas divisórias passam pouco por dicotomias obsoletas, mas — e isso não é irrelevante — a força da FN é a fraqueza de todos os outros. A FN é  obsoleta, mas os partidos e candidatos democratas são de uma fragilidade de cristal: corruptos, carreiristas, totalmente vazios ideologicamente, cínicos, mentirosos, contraditórios, ao serviço de interesses econômicos, ao serviço dos seus interesses, com discursos oficias de plástico, bonitões filhos do marketing, pagos por corporações, e toda a sorte de vícios humanos. O preço é elevado porque, por exemplo, vejo que há cada vez mais pessoas muito atentas, esclarecidas, informadas e com memória. Assim sendo, os velhos truques políticos do tipo “promete-se qualquer coisa atrativa e depois, no poder, faz-se outra” cada vez funcionam menos. Há um princípio universal e eterno que Marine Le Pen e a sua família política têm dificuldade em entender: em POLÍTICA um voto conta! PS: François Bayrou acaba, neste momento, de assinar um acordo de apoio a Emmanuel Macron. Frank Wan vive em Portugal. É ensaista, poeta, tradutor e professor.

Projeto de poder da esquerda francesa passa pelo assassinato da reputação de François Fillon

Ex-primeiro ministro e deputado apoiado pelos Republicanos é o alvo a ser abatido. O jogo já começou e um escândalo financeiro veio à tona. Veremos se funcionará [caption id="attachment_87925" align="aligncenter" width="620"] François Fillon é preparado e, se sobreviver ao “Escândalo Fillon”, ex-primeiro ministro francês pode ser alçado à Presidência | Foto: Fxgallery[/caption] Frank  Wan Especial para o Jornal Opção As eleições presidenciais francesas avizinham-se e há muita gente que até perde o fôlego, tamanha a tensão: muita coisa está em jogo. A vitória de Donald Trump nos Estados Unidos, acontecimento tido por muitos analistas como “anormal” e com graves repercussões em diversos níveis, vai ser importante apenas dentro dos EUA e na relação dos mesmos com o resto do mundo? Ou, muito mais grave: vai ser o início de um dominó imprevisível pelo mundo afora? É possível isolar o fenômeno Trump? As presidenciais francesas são as primeiras eleições num país centro-europeu com graves repercussões no futuro próximo. Os olhos viram-se todos para Marine Le Pen, a filha do famoso Jean-Marie Le Pen, o homem mais à direita do espectro político francês. Sob certos aspectos é a continuadora de seu pai, mas, cada vez mais, em mais áreas, afasta-se quer dos métodos quer do discurso político a que ele nos habituou. Talvez seja bom recordar que a Frente Nacional, partido de suporte, tem ideias pro-fascistas (ou mesmo fascistas) e segue defendendo teses negacionistas da Segunda Guerra Mundial. As apostas seguem altas no nome de Emmanuel Macron, ex-ministro da Economia e qualificado como “Independente” — seja lá o que isso signifique nestes tempos de conceitos políticos brumosos — e, ainda à esquerda seguem-se outros nomes como seja o de Benoît Hamon e Jean-Luc Mélenchon. O labirinto de candidatos é gigantesco com misturas heterogéneas de origens e apoios, mas, como sempre, o tempo esclarecerá todas as coisas e estes muitos nomes e apoios acabarão por se fundirem à medida que forem vendo as suas reais possibilidades. Conviria à esquerda que Le Pen fosse a candidata para o segundo turno, pois poderiam assim agitar todas as bandeiras que ainda estão desfraldadas da recente eleição de Trump e aproveitariam a carona do histerismo midiático para o lançar tudo sobre a candidata de coloração fascista, com a gigantesca vantagem de ainda se poder atribuir qualquer peso da direita extrema europeia a Trump. Trump passaria a ser culpado até do fato de o Sol ter nascido de manhã — a mídia gosta disso e as redes sociais também se alimentam de figuras que se possam odiar sem grande esforço de pensamento. Nesta equação da esquerda, o grande problema é François Fillon. Fillon é um girondino clássico, antigo primeiro ministro e deputado apoiado pelos Republicanos (Les Républicains). Um homem que está longe de ideologias xenófobas, revisionismos históricos ou qualquer outro extremismo, um homem sério que veio para ganhar e está longe do perfil histriônico de Trump. Para muita gente, de interesses dúbios, este homem, obviamente, tem que ser abatido. Como se abate um candidato? Nos EUA, com algum escândalo sexual de última hora e, no moderno manual de caça às bruxas, na Europa, através de escândalos financeiros que tomam sempre o título diabólico de “corrupção”.  As acusações tomam a forma habitual deste tipo de circo: ter recebido 21 mil euros dos Fundos Públicos do Senado entre 2005 e 2007 (soma irrisória face ao que ganha um antigo primeiro ministro e qualquer quadro superior francês e outras acusações que, materialmente, não são relevantes). A partir do “Escândalo Fillon” (Affaire Fillon), todos os noticiários abrem com o assunto, todos os jornais fazem dele a primeira página. Neste momento, na última conferência que Fillon deu foram colocadas 87 perguntas, das quais 83 foram sobre o “escândalo” financeiro. Estamos, portanto, perante um “assassinato político-midiático”, ou um “assassinato de reputação”. Fillon reage e passa ao ataque: denuncia os “comunistas enrustidos”, denuncia as pseudo-agências de informação, etc. O tom do discurso muda e, na minha opinião, aparecem em Fillon um orador exímio e um pensador profundo. Liberto das malhas do diktat das campanhas, Fillon começa a voar livre e, apesar da máquina contra ele, os franceses percebem que estão perante um homem que não teme e não treme. Obviamente que Fillon vai pagar um preço elevado por este processo, seja qual for o resultado. A tensão é tão grande que se cogita até mesmo a retirada da candidatura. Quem poderia substituir Fillon? A alternativa mais “pesada” seria Alain Juppé, o candidato que perdeu as primárias presidenciais da direita em 2016 para Fillon. Nas eleições presidenciais francesas cada candidato deve ter um trunfo: o seu primeiro-ministro. Fillon, de alguma forma, não está bem acompanhado. Os chamados “pesos pesados” (poids lourd) não o veem acompanhando e não têm um bom “primeiro ministro” para apresentar. Sem manobras de escândalos convenientes, Fillon pode obter o chamado “ingresso” (ticket) para o segundo turno e, se isso acontecer, tornaremos a falar no mais sério candidato da direita francesa, um homem na esteira dos velhos valores de respeitabilidade, honestidade, tolerância e liberalismo (num sentido próprio). Um homem que tem uma visão moderna sobre os novos desafios e que sabe que não pode recorrer a velhos conceitos, estratégias e instrumentos. Voltarei a esta coluna para falar das candidaturas de Emmanuel Macron, Benoît Hamon e Jean-Luc Mélenchon. Todas elas com características politicamente muito interessantes, uma vez que, resolvem problemas político-ideológico modernos, sem mobilizar grandes conceitos de Teoria Política e dão respostas aos desafios econômicos sem grandes quadros de referências. Sei que os leitores portugueses irão rir até às lágrimas, mas a grande referência da esquerda francesa é a coligação que governa Portugal. Frank Wan vive em Portugal. É ensaísta, poeta, tradutor e professor.