Candidato que foi jogado para extrema esquerda tem subido nas pesquisas e deve sair bem do debate da próxima segunda-feira, mas as eleições são como as guerras: todo mundo sabe como começam, ninguém sabe como terminam 

Jean-Luc Mélenchon tem uma oratória brilhante, mas não consegue tratar dos principais temas de interesse da população francesa | Foto: Thomas Samson/ AFP

 

Frank Wan
Especial para o Jornal Opção

À direita da direita temos Marine Le Pen, na direita moderada temos François Fillon e, depois, aparecem: Benoît Hamon, o candidato oficial do Partido Socialista (que ganhou as eleições contra Manuel Valls, que acabou, nestes dias, por lhe recusar o apoio – assunto que, nas hostes socialistas, é visto de forma diversa), o mágico Emannuel Macron que fundou o Movimento “Em Marcha” e que tem uma promissora carreira no mundo dos negócios a serviço da “Rotschild & Companhia”. Na extrema esquerda do espectro aparece Jean-Luc Mélenchon.

Jean-Luc Mélenchon era o candidato da esquerda, mas o processo eleitoral acabou por empurrá-lo para a extrema esquerda. Coisas que o processo eleitoral tece. Era membro do Partido Socialista, saiu por volta de 2008 e fundou o Partido de Esquerda (PG, Parti de Gauche), o nome, praticamente, diz tudo. Mélenchon fecha o espectro de candidatos elegíveis.

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A semana anterior tinha sido dominada pelas diversas temáticas relacionadas à saúde. A saúde tem um peso considerável no orçamento da França, sobretudo nas últimas décadas, com o crescimento fulgurante dos casos de câncer e crianças que nascem com problemas diversos. O desespero político-econômico é tão grande que levou Marine Le Pen a propor que os estrangeiros em situação ilegal não tivessem direito a cuidados médicos. Como a saúde está sempre ligada à alimentação – é cada vez mais evidente, entre as populações, que os problemas de saúde estão ligados a acelerações químicas da agricultura – seguiu-se, com naturalidade, a problemática da agricultura. O tema é caro a Marine Le Pen, que propõe, há muito, medidas protecionistas para a agricultura francesa. É conhecido que a retórica da extrema direita sempre assenta na agricultura e na segurança.

Mélenchon aborda o problema da agricultura com certa destreza, mas não consegue escapar dos velhíssimos chavões da esquerda da aliança dos operários e dos agricultores (relembro que Mélenchon foi ministro do Ensino Profissional). Nesse momento, para Mélenchon e para todos os candidatos, coloca-se uma das grandes questões da política moderna: qual é o verdadeiro impacto da televisão na vida dos cidadãos? Sempre que algum candidato vai a algum canal de televisão é sempre flechado com as perguntas no seu calcanhar de Aquiles e com um rendilhado de questões sobre sua relação com outros candidatos.

Mélenchon, honra seja feita, foi um dos primeiros a perceber que as “idas à televisão”, nesta fase, não estão dando um bom resultado e decidiu voltar a um velho mecanismo: o comício. É curioso como o abuso dos meios modernos, muitas vezes, faz regressar velhos métodos. Por exemplo, as eleições que decorreram na Holanda, devido às suspeitas de contagens eletrônicas fraudulentas e ataques de hackers, foram feitas totalmente de forma não eletrônica.

Por trás da ideia do comício estão as onipresentes redes sociais: faz-se um comício para um número controlado de já convencidos e estes, depois, naturalmente, chegam a mais pessoas também através das redes sociais.

Mélenchon reúne mais ou menos 4 mil pessoas num comício e aparece sempre como um tribuno poderoso vestido com uma indumentária vagamente semelhante às velhas fotos de Trotsky e outros camaradas. Começa por desfiar o rosário das propostas doces: a agricultura alternativa, sem nunca explicar muito bem como a ia pagá-la, típico da esquerda em geral e de Mélenchon em particular; as cantinas escolares totalmente gratuitas – esta medida anda enchendo a boca de todos os candidatos; e segue de proposta em proposta.

Sem o jogo da pergunta-resposta, em discurso livre, Mélenchon mostra os seus dotes geniais de oratória, arranca risos nas plateias, domina totalmente. Recorre a truques magníficos: finge perder umas folhas de apontamentos, começa a fingir que está perdido no discurso e inicia umas piadas sobre Fillon; como está diante de um auditório de esquerda, as piadas caem como uma luva. Depois começa a imitar o tom melodioso e ensaiado de Macron e esmaga na ironia totalmente o pseudo-centrista.

Mélenchon evoca Jaurès e, com isso, conquista os jovens e emociona os que já não são tão jovens assim, mas nostálgicos de uma velha França que perderam. Claramente, temos duas gerações de socialistas em disputa: Mélenchon é filho do velho socialismo, filho das humanidades, do tempo em que tudo se decidia em discursos de congresso, de academia, de agremiação; Macron é filho do plástico televisivo, do Marketing, dos estudos de mercado, dos números das estatísticas e dos discursos orientados para perfis sociológicos.

Todos os candidatos sabem que Donald Trump ganhou as eleições dos EUA centrando-se no problema do desemprego e todos ensaiam sempre alguns compassos da música do desemprego: Mélenchon recorre a estudos que indicam que o desemprego gera doenças e doenças graves, mas mostra que os modernos empregos também estão na origem de muitas doenças. Pisca o olho para 7 milhões de desempregados (10%). Como vai cobrir todas as dificuldades? Perseguindo os paraísos fiscais. Eis os novos velhos lugares-comuns. Mélenchon dá-lhes um toque de classe de esquerda “se eu for eleito, a festa acabou” (“La fête est terminée si c’est moi qui arrive”), vai pôr todos os vigaristas do capital para trabalhar.

No discurso de todos os candidatos há sempre uma preocupação ecológica e Mélenchon também propõe umas medidas perfumadas com o nome de econômica-social-ecológica e segue com grandes frases e promessas vagas e interessantes, típicas desta fase do processo eleitoral.

A França sente que esta quinta república está a definhar, a que Mélenchon chama, com alguma graça, de monarquia republicana e também reconhece a gigantesca necessidade de “reformas estruturais” – embora nunca se perceba bem o que os políticos querem dizer com este chavão. É bem conhecido que se ganhar teremos uma Assembleia Constituinte que irá iniciar a sexta república.

No fundo, Mélenchon prega aos convertidos e sabe isso, pretende apenas com este Comício fornecer uma espécie de kit argumentativo para que seus apoiantes possam chegar a mais pessoas. Apesar de tudo, pela primeira vez nestas eleições, um candidato expõe publicamente em geral, de forma livre, o desenho das suas propostas e discorre sobre as mesmas apelando mais à nossa inteligência que ao primitivismo das frases e imagens feitas dos meios de comunicação.

Mélenchon revisita os lugares comuns da esquerda acerca dos problemas sociais das grandes cidades, relembrando que todos os franceses são misturas de várias raças e todos vieram de algum lugar para as grandes cidades e que não é possível “desmistiçar” (vaga alusão ao nazismo e à direita mais pura).

Mélenchon é um orador brilhante e trouxe o processo eleitoral para as velhas fronteiras francesas: a política é uma grande troca de palavras que antecede qualquer decisão importante, é feita de discursos, debates, artigos e conversas entre cafés e almoços. É por isso que a França é um país de literatura (e artes em geral), política e culinária.

Terminado este brilhante comício, pessoalmente, a minha nota para Mélenchon é um zero absoluto: depois dos atentados diversos, Bataclan, Nice e outros, a França vive mergulhada no medo, Mélenchon não tem uma palavra sobre terrorismo, que é, praticamente, o tema número um das populações; num momento em que está em pauta a saída da Inglaterra da União Europeia pós-referendo, Mélenchon não tem uma palavra para a questão europeia; não forneceu uma única explicação de como tenciona relançar a competitividade das empresas, num momento em que a dívida francesa atinge os 100%.

Segunda-feira, dia 20 de março, realiza-se na TF1 o primeiro debate televisivo que colocará frente a frente os cinco candidatos com maiores intenções de votos nas últimas pesquisas. Este debate, que oporá Jean-Luc Mélenchon, Marine Le Pen, François Fillon, Benoît Hamon e Emmanuel Macron mudará, naturalmente, a direção do processo eleitoral.

Desde o início da campanha eleitoral, Mélenchon subiu surpreendentes 10 pontos nas intenções de votos. Na segunda-feira dar-se-á o primeiro grande embate televisivo num formato em que Mélenchon é temível: perguntas e respostas com tempo controlado.

As eleições são como as guerras: todo mundo sabe como começam, ninguém sabe como terminam.

Frank Wan vive em Portugal. É ensaista, poeta, tradutor e professor.