Eleições presidenciais francesas tornam claros os grandes dilemas da política moderna ocidental: a judicialização da política, o desânimo dos eleitores e a ascensão da direita

Embora esteja no centro de processos jurídicos, Penélope Fillon salvou a direita francesa e tem um projeto: tornar o marido, François Fillon, presidente da França | Foto: E1

Frank Wan
Especial para o Jornal Opção

Qual é a sensação que domina neste momento? A campanha não arranca. Todos os candidatos sabem que há um momento em que tudo se harmoniza e começa a girar em torno de um conjunto de temáticas e cada um deles empurra para frente esse momento, sem procurar os temas fortes. De Emmanuel Macron, não esperem nada. Ele vem com a imagem polida pelos marqueteiros e tem a técnica dos televangelistas: emociona e não diz nada. Já François Fillon tem mais a perder do que a ganhar: joga no ataque enquanto o processo jurídico contra ele avança e na defesa quando tudo se acalma. Todos os outros estão perdidos nas manobras e nas maquiavelices políticas.

Resumo: a campanha não “arranca”, os candidatos atolam-se nas suas máquinas de apoio e Marine Le Pen sai na frente. Apesar de uma semana em que esteve sempre em foco o processo jurídico contra sua secretária e um guarda-costas, Le Pen segue na frente. Ela fez, no domingo, 5, um discurso brilhante — quer no tempo, quer no vocabulário utilizado, quer no ritmo, quer nas temáticas — e, pasmem os deuses, é da boca de Le Pen que vem a grande temática do mundo político moderno: estaremos diante do domínio e controle dos juízes sobre o sistema político, armadilha em que caiu a Roma antiga?

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Na França, estamos longe do que se chama, em sociologia e estatística, “cristalização”: o momento em que as intenções de voto se estabilizam e as margens de erro diminuem de modo a nos permitir tirar ilações do que será o voto real. Lição esquecida por muitos no passado recente: podem fazer todos os truques na imprensa e redes sociais, mas é sempre o voto que conta.

Neste momento, embora a imprensa, nos seus resumos de um minuto, mostrem sondagens de resultados finais, o mais importante para quem acompanha as filigranas do processo político é saber quem são os terceiro e quarto posicionados, pois são esses que farão a balança se mover e é deles que pode, perigosamente, sair um candidato que surpreendentemente chega à frente por algum motivo imprevisto de campanha. Dois fatos marcam o momento e os dois são da direita: Le Pen está na frente, cada vez mais na frente, e Fillon caiu, mas está estável. O que Fillon precisa é reduzir os estragos.

Relembro que o processo judicial recai sobre Penélope Fillon e não sobre o marido. Penélope é o fantasma da ópera, a mulher do momento; se não fosse o processo, dificilmente alguém pararia François Fillon. Não perdoam Penélope estar casada com Fillon desde 1980; não lhe perdoam o fato de, nos piores momentos em que se percebia que Fillon queria desistir, ela, sempre tão apagada, surgir ao lado dele silenciosa, discreta e dura; não lhe perdoam por não ser francesa e, pior, não lhe perdoam ter empurrado o marido para o cargo de primeiro ministro, quando todos queriam enterrar politicamente o presidente Sarkozy.

A galesa salvou a direita francesa e chegou ao Hotel Matignon ao lado do marido com uma faísca nos olhos: vocês nunca nos vencerão. Uma mulher vinda do país do Gales no centro do xadrez político francês gera, convenhamos, alguns ódios. Toda a gente sabe que Penélope tem um plano: quer que o marido seja presidente da República e é por isso que as acusações que lhe fazem recaem, por exemplo, sobre financiamentos que recebeu de revistas de literatura.

Cada vez mais, quem não vota decide eleições. Decide de forma indireta, ao alterar os universos de votos absolutos, e decide se muda de ideia na última hora e vai votar. Esses votos de última hora são, por vezes, muito imprevisíveis e uma coisa é certa: os franceses (os europeus no geral) votam cada vez menos. Alguns levantamentos sociológicos atribuem isso, além das questões sociais, por exemplo, o natural comodismo moderno, às grandes desilusões do ciclo François Mitterrand e Jacques Chirac.

Os dois ex-presidentes, quando estavam em campanha, conseguiram dar uma injeção de  confiança e esperança no eleitorado francês, mas suas presenças no Palácio do Eliseu foram profundamente decepcionantes, deixando marcas que, segundo os sociólogos, perduram no eleitorado. Todos os que votaram pela primeira vez nos anos 1990 têm agora mais de 40 anos e essa faixa etária apresenta níveis muito grandes de desinteresse pelo processo político. É o que se chama de “Não há nada a fazer e nem quero saber disso para nada” (rien à foutre et rien à faire).

Sociologicamente nota-se que as pessoas, apesar de continuarem assistindo ao espetáculo do processo eleitoral, não votam. O entusiasmo da “luta” política é grande, mas as pessoas não são seduzidas a participar diretamente.  As razões são simples e têm dois fatos: os políticos dão maus exemplos e as pessoas são individualistas. O primeiro é evidente em qualquer parte do mundo e o segundo é preocupante, pois as pessoas, pela força também dos aparelhos de comunicação individuais, tendem a se fechar em círculos de interesse cada vez mais reduzidos. É um daqueles efeitos perversos das redes sociais: isolam socialmente. Num ponto, à medida que a troca de informação é cada vez mais entre indivíduos sobre o indivíduo e seus interesses imediatos, os temas das grandes decisões nacionais vão sendo afastados.

Quando se faz um levantamento sociológico do motivo do abandono e desacreditação dos políticos, é fácil verificar em que pé está o descontentamento:

  1. Não dizem a verdade e não cumprem o que prometem. Os diagnósticos dos políticos são autênticos contos de fadas e qualquer pessoa totalmente desinformada é capaz de dizer de cor uma dezena de promessas que ouviu na boca de políticos (locais, regionais, nacionais e internacionais) e que não foram cumpridas. O homem do século XXI está pouco disponível para participar num processo que sabe estar eivado de mentiras e falsidades.
  2. Os políticos normalmente saem impunes de seus crimes e ilegalidades, o que tem sido devastador para a participação do cidadão no processo político.

Diante disto, dá-se, por parte do cidadão,  um afastamento silencioso da política. Não só se afasta, como não acredita que algo ou alguém possam mudar seja o que for, o que nos leva a um paradoxo, eu diria, “filosófico”: os extremistas acabam por ser os únicos que acreditam verdadeiramente na política, sendo eles os que, normalmente, negam o processo democrático. Não passa despercebido, por exemplo, nas redes sociais, uma forte presença de participação política de grupos ideológicos descrentes da democracia.

O processo político vai sendo cada vez mais, típico também dos períodos de crise, entregue a extremistas. Talvez seja bom lembrar momentos como o da República de Weimar ou como da República Portuguesa: ao misto de democracia e grande instabilidade se segue, quase sempre, a história ensina, regimes totalitários.

No momento em que este artigo é publicado no Brasil, decorre na Holanda um processo eleitoral que trouxe às luzes da ribalta uma vez mais a extrema direita. É neste quadro que entram os apoiadores calorosos e empenhados da Frente Nacional. Enquanto os apoiadores das outras forças e candidatos políticos são mais ou menos ocasionais, os da Frente Nacional estão ali, muitos há décadas, de pedra e cal. Os “centristas”, na sua gigantesca maioria, não o são por opção politico-econômica, mas porque, subjetivamente, acham que “é melhor ser moderadozinho”.

Não vai ser fácil combater esta decepção permanente. Esse combate vai exigir honestidade, participação e também uma profunda reflexão de como a informação é tratada. Os números brutos da abstenção são assustadores e o grande problema destas eleições presidenciais na França é que, a par de uma campanha que não arranca e de candidatos que só fazem manobras palacianas, há uma sombra gigantesca de abstencionistas, ausentes, desinformados, decepcionados e desiludidos que podem e, provavelmente pressionados pelos últimos acontecimentos, vão entrar em cena influenciando de forma decisiva o futuro da França, da Europa e do mundo.

Frank Wan vive em Portugal. É ensaista, poeta, tradutor e professor.