Demóstenes Torres*

O que o advogado Admar Gonzaga, o locutor Cuiabano Lima e o empresário Marcos Ermírio de Moraes têm em comum? Além de merecidos reconhecimento e sucesso nas respectivas áreas de atuação, os 3 foram vítimas de vazamento de sigilo bancário na semana passada. A mídia atribui o delito ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). É a mal-lavada pela Lava Jato falando do sujo.

Nos governos Lula 1 e 2, Dilma 1 e 2, o PT foi de parceiro a saco de pancada dos órgãos cujos integrantes se submetem à pressa da mídia, sobretudo da TV aberta, para emporcalhar a vida alheia. Os próprios Lula e Dilma tiveram conversas ilegalmente reveladas quando uma nomeou o outro ministro. A operação apunhalou ainda os ex-presidentes José Sarney, Michel Temer e Fernando Collor. Dos que foram ao 2º turno nas disputas pelo Palácio do Planalto, a Lava Jato manchou também Aécio Neves, Fernando Haddad, Geraldo Alckmin e José Serra. Jair Bolsonaro apanhou igual a couro de tamborim em roda de samba.

Faltou o jornalismo investigativo descobrir que saíram da ferragista de um patriota os pregos martelados contra Jesus no Calvário. Insistente, JB manteve a guerra aos veículos de comunicação. Desprezou o corporativismo das instituições e chamou quem considerava melhor, não quem o coleguismo interno impôs em lista. O resultado foi o fim do terror e a nação respirou aliviada ao sobreviver a 80 fases de gangrena constitucional.

Por algum tempo, o brasileiro de bem respirou em paz, sem a missão de acordar diariamente… às 5 da manhã, trocar o pijama, escovar os dentes e aguardar a Polícia Federal; às 6 em ponto, ver pelo olho mágico o mandado de prisão, busca e apreensão; ao abrir a porta para receber os agentes, se deparar com câmeras e repórteres das emissoras favoritas de juízes federais e procuradores da República.

A organização montada para criminalizar a política e destruir a economia brasileira se aquietou depois de o Supremo Tribunal Federal barrar suas atrocidades. A luta dos moros contra os cristãos enxovalhou 600 pessoas diretamente, fora seus parentes, aliados, mandatos e empresas.

Deputados federais fãs do ex-presidente pediram nas mídias sociais doações para Jair Bolsonaro quitar multas atrasadas em São Paulo. Quase 800 mil atenderam e enviaram R$ 17,2 milhões. Os ladravazes da honra pulverizaram nos diversos lugares as identificações de Admar, Cuiabano, Marcos e outros solidários como se tivessem cometido monstruosidade depositando uns caraminguás para o ex-presidente. O que fizeram de errado os doadores, os que pediram e o beneficiado? Nada. Errada voltou a ser a máquina estatal permissiva. Monstruoso é o leviatã reinstalado na administração Lula 3.

O princípio da inocência nos obriga a acreditar que o presidente esteja fora dessa armação ilimitada.
De vez em todo minuto, surgem em grupos de aplicativos bandidos oferecendo cadastros com dados completos do país inteiro. Comprou no cartão de crédito? Estão lá foto, CPF, endereços, números dos telefones fixos e móveis, seus ascendentes e descendentes. Faltava somente a movimentação bancária.

Não falta mais: o Coaf divulga até os centavos (no caso de Bolsonaro, foram 80, R$ 17.196.005,80). Reativaram a festa de sequestradores, extorsionários, arrombadores de casas e demais colegas dos afastadores de sigilo. Lula se lembra de quanto doeu em si e em sua família o gotejamento elaborado pelos marginais para minar-lhe a honra. Espera-se um basta urgente a essa prática nefanda. Ele e Temer não puderam disputar em 2018, eliminados por artimanhas do (por enquanto) senador Sergio Moro e seus miquinhos amestrados. Um estava no xilindró, outro na Presidência, e do cárcere à chefia do do Executivo o Brasil era enlameado pela assinatura digital da Lava Jato. Será que Lula deseja a volta da perversidade? O que tem a lucrar com a bagunça institucional e o desespero generalizado?

Tracei respostas antecipadas aqui no Poder360 no texto “Deltan Dallagnol, Lava Jato e compaixão”, em agosto de 2019, quando destaquei a ausência de civilidade da finada farsa-tarefa. O Intercept Brasil acabava de divulgar mensagens da Vaza Jato nas quais procuradores tratavam como chacota a morte-relâmpago de 3 parentes de Lula: a mulher, Marisa Letícia, o irmão Vavá e o neto Arthur. Lula conhece, portanto, o rito desses abomináveis. Começam fustigando o ex e acabam sabe-se lá onde, talvez rastejem rumo à porta do gabinete nº 1 do Executivo. “Ah, não vão incomodar o Lula porque ele não está fazendo nada ilícito”.

E precisam? Devendo ou não, vai pro facão. Lucra quem lacra: mídia e o percentual de magistrados, integrantes dos Ministérios Públicos e delegados de polícia que fez opção preferencial pelos holofotes. Ontem foi Lula, hoje é Bolsonaro, amanhã será o de ontem. Ontem foram familiares e amigos de Lula, hoje são familiares e amigos de Bolsonaro, amanhã se repetirão os de ontem. O vazamento seletivo não é de esquerda, centro ou direita; do governo nem da oposição, do atraso nem da modernidade. Virou detalhe da democracia. Lula não pode se esquecer de que o diabo mora nos detalhes.

Um local de residência é a memória dos computadores, celular inclusive. Ou seja, estamos todos na mão dos interessados. Bastam 10 segundos de pesquisa e jorram informações do PT pedindo dinheiro à militância. Lula só não recebeu Pix quando estava segregado em Curitiba porque o sistema foi implantado 1 ano depois de ele ser solto. Mudam apenas os rostos, as lágrimas que desfilam nas faces vermelhas transportam o mesmo argumento: “Nosso companheiro foi multado por inimigos ferozes e, tadinho dele!, não dispõe do vil metal.” “Ah, isso é coisa antiga, da época do Mensalão!”

Nada. Novíssima. O site alvirrubro conserva banner com a foto de Lula balançando a bandeira nacional abaixo de um letreiro com o clamor: “Doe e ajude a fazer a festa da posse mais popular da história [a de 1º de janeiro de 2023]”. E tasca o tutorial do Pix com a exigência de “contribuições de R$ 13 a R$ 1.064”. O truque de arrancar tostões funcionou para os 2 lados. Porém, os adeptos de um atravessaram anônimos 2 governos de adversários, enquanto a parte verde-amarela foi exposta em tempo real. Os artífices da fake news contra Bolsonaro violaram no mínimo a privacidade protegida pela pela Constituição e pelo Código Tributário Nacional. No máximo, receberão as penas previstas nos artigos 127 da Lei 8.112 (inciso 3, demissão), 52 da Lei Geral de Proteção de Dados (pagar até R$ 50 milhões de multa) e 325 do Código Penal (até 6 anos de reclusão). Pouco, muito pouco, pouquíssimo. Porém, a consequência imediata está prevista não em documento jurídico, mas numa canção de Geraldo Vandré, adepto da direita celebrado pela esquerda:“É a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar.” E ele retorna, ah se retorna… Lula e Bolsonaro têm isso em comum, exibem na pele as marcas dessa volta indigesta. E inexorável.

Demóstenes Torres, 62 anos, é ex-presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, procurador de Justiça aposentado e advogado.