Demóstenes Torres

Sim, houve a Era Mesozoica, aquela dos dinossauros. Nem precisa ir ao Google checar a data: ocorreu quando a gente se correspondia por cartinha de papel em quermesse ao querer conquistar alguém. Foi dividida em triássico, quando você levava um fora de 3 pretendidas por noite; o jurássico, quando não adiantava nem jurar amor eterno; e o cretáceo, quando o menor elogio ouvido era: “Sai pra lá, seu cretino”.

Nos últimos 65 milhões de anos, que passaram voando das asas do pterossauro para as da Panair, a evolução foi pequena, pois o medo continua sendo o mesmo, o do fim do mundo. No caso deles, a extinção caiu do céu. No nosso, sei lá, anda acontecendo tanta coisa que só pode ser anúncio de que a próxima manchete enfocará um meteoro. E não será o da paixão expressa nos bilhetinhos das festas de igreja.

Dra. Deolane Bezerra foi presa. Quem é Deolane? Precisei ir ao Google. Surpresa: supera nas redes sociais qualquer cientista, viúva de um mestre de cerimônias, o popular MC, também superior aos músicos nacionais que admiro.

Por que não conheci Deolane antes de ser presa? Para quem nasceu na Era Paleozoica, cheguei ontem de Marte. A tempo de flagrar algo em que a evolução tem sido zero: a vontade de aparecer, síndrome da subcelebridade latente, todavia ainda anônima.

Uma juíza mandou prender o cantor Gusttavo Lima e, suprema provocação, tratando-o pelo apelido de batismo, Nivaldo, algo como chamar uma perua de pterossauro. O artista foi envolvido pela Justiça e pela polícia (uma personagem de cada, não as instituições) de Pernambuco na armadilha em que caiu a viúva do MC, um emaranhado de crimes que só poderiam estar nas asas de uma mariposa, tamanha a ambição por luz alheia.

Na tarde de terça-feira, 24, um desembargador corrigiu o erro da colega de 1ª instância. Mas Gusttavo Lima já estava com os 2 nomes na lama, o artístico e o da certidão de nascimento. Passaporte lacrado. Integrante da lista vermelha da Interpol. Mandado de prisão em aberto.

O marciano recém-aterrissado perguntaria o que afinal fizera o artista para lhe negarem o direito à locomoção. Passou cerol na linha da pipa? Colocou bombinha no rabo do gato? Cantou música sertaneja no Rock in Rio? Quis vender o curso do Marçal no comitê do Nunes?

A lorota da polícia foi aceita pela Justiça sob a contrariedade do dono da ação penal, o Ministério Público. Você que é terráqueo e dos tempos modernos pós-Chaplin sabe que se até o MP rejeita uma possibilidade de aparecer na mídia é porque o caso era bem fraco.

No texto, a doutora (não a Deolane, a meritíssima) lamentava o dinheiro gasto em jogos na febre de bet, o termo usado em fim de expressão em inglês que em português brasileiro significa a camisa dos times de futebol.

De agora em diante, as cervejarias e as fábricas de charuto que se cuidem, pois seus diretores estão com o pescoço à espera da forca. Viciado em série? Cadeia para o pessoal da Netflix, da Disney e da Globo. Tenho o hábito de roer unha e cá estou com livros à espera da pesquisa sobre a tipificação dessa mania.

Em tal linha de entendimento, a juíza driblou a legislação, deu um chapéu na jurisprudência e uma caneta na doutrina em busca da batida perfeita para fazer gol contra a liberdade de Gusttavo Lima.

Numa dessas especializações EaD que pululam por aí deve haver a pós em Direito Airbnb, que prepara suas excelências para descobrir que quem sai de Goiânia e vai a Atenas e Kavala, na Grécia, não pode acrescentar à rota de retorno uma escala nas Ilhas Canárias antes de voltar à capital de Goiás. O cavalo de Troia tem a mesma lógica da Kavala da Grécia, alguém embarcado para enfrentar a guerra.

Com aquela sapiência que só as autoridades privilegiadas têm, polícia e Justiça pernambucanas deduziram que na paradisíaca ilha espanhola haviam ficado José André Rocha e Aisla Rocha, amigos que pegaram carona no jatinho do cantor. O problema é que a mesmíssima juíza havia mandado prender o casal antes da viagem para a comemoração greco-ladina do aniversário do cantor.

Junte a mente brilhante de uma autoridade policial e outro cérebro einsteiniano de uma juíza e está pronta a máquina de moer reputações. Confundiram Gusttavo Lima com piloto de Uber Jato que levou os passageiros ao barco de quase R$ 1 bilhão e os deixou no meio do caminho porque acabara a água de graça.

O esforço para enquadrar Gusttavo Lima e o enjaular encontrou oposição em uma coincidência, sua ida para a Flórida horas antes da aberração obrada pela juíza. Ou seja, o acaso impediu que um cidadão inocente fosse exposto às matilhas com o sangue que sobrasse do erro Judiciário.

O lavajatismo chegou a Pernambuco e precisa ser contido. Se tivesse sido pego, talvez algemado, nada iria repor o sofrimento de Gusttavo Lima diante de sua família, seus amigos e seus milhões de admiradores.

Além de escravas dos likes, as autoridades se aproveitam de uma falha na conjuntura nacional, a do que é sem ter sido nem deixado de ser, tipo Roque Santeiro, conhecido na Era do Cachorro de Cócoras, ou dicoca, como dizíamos quando crianças em meio aos saudosos dinossauros. A bet existe, fatura bilhões, o governo finge que fiscaliza, ela finge que obedece, outros fingem crer na pantomima e abre-se a brecha para doidivanas mandarem o sofá para o xilindró.

As prisões cautelares vitimam milhares de pobres. É imperativo valer-se de momentos como este, em que mariposas estão querendo com suas caquéticas estratégias ofuscar o brilho da Lua, para deixar as celas a condenados por crimes, não pela inveja, o único sentimento mais velho que os dinossauros. E mais resistente, porque não entra em extinção nem se chocando com um planeta de verdades.