O padre Vitor Simão é um goiano que hoje vive em Roma. Lá ele está prestes a terminar seu mestrado em Comunicação em uma das pontifícias universidades que fica na cidade que abriga o Vaticano. Depois de cerca de três anos de estudos, Vitor está a poucos dias de defender sua dissertação – chamada de “tesina” por na Itália, que foi toda escrita em italiano.

Intitulado “O papel do departamento de comunicação a serviço da comunhão da Igreja”, a ideia de seu trabalho é entender como se pode combater a desinformação causada pela polarização política no contexto religioso. “Já entreguei o trabalho escrito digitalizado e agora só falta fazer a defesa”, comentou.

O texto que deve dar o título de mestre ao padre é focado na comunicação institucional e busca entender como se dá a comunicação da Igreja. O padre buscou revelar as estratégias comunicacionais que favorecem a evangelização e enumerou cinco tópicos: transparência, verdade, amabilidade, coesão e coerência. “A Igreja sempre procurou integrar os meios de comunicação e as novas tecnologias a serviço da evangelização”, afirmou.

De fato, a Igreja Católica sempre esteve na vanguarda do uso dos meios de comunicação e não é de hoje que faz uso da comunicação para a pregação do evangelho. “A Igreja foi pioneira, usou primeiro a escrita, depois o rádio, a TV e o cinema. A primeira rádio do Vaticano foi construída pelo Papa Pio XI em 1939 em um cenário de guerra no recém criado Estado do Vaticano por meio do Tratado de Latrão. E pra isso chamou o inventor do rádio, o italiano, Guglielmo Marconi”, detalhou o padre Vitor.

A polarização política no Brasil e a religião

O ambiente polarizado da política brasileira foi o que motivou a pergunta que guia o trabalho de mestrado do padre. Ele relata que essa polarização sempre existiu, mas destaca que foi potencializada pelas correntes ideológicas políticas que também entraram, segundo ele, dentro da Igreja. E isso resultou em um fenômeno de mau uso da comunicação, chamado na academia de desinformação.

“Para responder a esse problema, a gente propõe a experiência de comunhão, que envolve confiança, transparência, escuta, diálogo e amabilidade, que também pode ser chamada de comunicação não-violenta”, relatou o padre Vitor que acredita que esses princípios guiam o combate à desinformação e pós-verdade no contexto religioso.

O padre lembra que, na Idade Média, tiveram situações de luzes e sombras. Assim como na Idade Moderna e na contemporaneidade. No entanto, ele acredita que a Igreja tem se renovado com o passar dos anos. “A Igreja de Jesus é uma Igreja em continuidade. A era da informação potencializou as falas dos papas e estamos vindo de uma linha de continuidade interessante que começou com João Paulo II, passou por Bento XVI e chegou agora em Francisco”, avaliou.

Para o padre, nenhum papa rompeu com o outro. “Cada um deu passos de acordo com seu tempo”, explicou. Além disso, o papa atual, com seu jeito latino-americano de falar, mais afetuoso e espontâneo, tende a ser melhor compreendido pela comunidade latina. Para o europeu, na visão de Vitor, a “rebeldia” de Papa Francisco, que quebra o protocolo por diversas vezes, é vista quase como “um golpe”.

De qualquer forma, Vitor comenta que o Papa tem uma resposta mais expressiva aos temas atuais, mas não está à frente do pensamento da Igreja. “Toca em temas polêmicos com a mesma doutrina de 100 anos atrás. Toda semana tem uma polêmica com uma fala do papa que é tirada do contexto e criam-se narrativas”, afirmou.

Padres estudantes

E a continuidade dos estudos do padre Vitor já está confirmada e, a pedido do novo arcebispo, Dom João Justino, permanecerá na Itália para fazer o doutorado. “Quando a gente vem pra Roma, as pessoas pensam que a gente vive e trabalha no Vaticano. Não é o meu caso. A maioria dos padres que vem pra cá, vem pra estudo”, declarou.

Roma é repleta de pontifícias universidades – todas ligadas ao Vaticano – que recebem padres de todo o mundo. Estima-se que atualmente cerca de 6 mil religiosos de todas as partes do planeta estão na Itália para estudar. “O motivo é que é onde está a sede da Igreja. A grande cidade de Roma abriga o pequeno país Vaticano. O santo padre, o Papa, é também um líder de Estado e ele é o responsável pelos organismos de gestão da Igreja Católica ao redor do mundo”, explicou Vitor.

Muitas das matérias oferecidas nas universidades romanas são orientadas para a vida eclesiástica. “São cursos bíblicos, de formação jurídica canônica, de teologia”, enumerou o padre goiano. Ao optar pelo mestrado em comunicação, uniu a necessidade da arquidiocese e sua aptidão pessoal.

Padres estudantes assistem a um jogo da seleção pela internet em Roma | Foto: arquivo pessoal

Para o próximo ano acadêmico, que, na Itália, começa em agosto, o Colégio Pio Brasileiro, que é mantido em Roma pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), deve abrigar 90 padres. Destes, cinco são goianos. De Goiânia, apenas o padre Vitor.

Proximidade com o Papa

Desde que mora na Itália, Vitor Simões já esteve com o papa em quatro oportunidades. “Sempre tudo muito rápido, só deu tempo de pegar na mão, dizer uma palavra e escutar um obrigado quando manifestei o meu carinho e oração por ele”, revelou o padre, que avalia que o Papa Francisco faz hoje um trabalho de reforma daquilo que é preciso.

Em Goiás ou em Roma, Padre Vitor adora andar de bicicleta | Foto: arquivo pessoal

O padre de 35 anos é ativo nas redes sociais, onde compartilha com seus seguidores sua rotina em Roma, dos estudos ao ciclismo, esporte que pratica nas horas vagas. E ele considera que estar presente na internet é importante. “Humaniza o padre”, disse.

Vitor nasceu em Indiara, no interior de Goiás. “Mas nunca vivi lá, só fui nascer”, brincou. Sua primeira infância foi na cidade de Varjão e aos 5 anos mudou-se com a família para Goiânia. Sempre estudou em escolas públicas na região do Setor Cidade Jardim e fez seus estudos de filosofia e teologia no seminário diocesano.

O padre relata ainda que a forma como se tornou religioso não tem nada de extraordinária. “Sou de família católica, mas que não participava ativamente da igreja, que comecei a frequentar aos 12 anos, na Capela Santa Teresa de Calcutá, na Vila Mauá, depois de um convite de uma funcionária da escola. Me encanto muito com as delicadezas de Deus”, contou.

Antes de ir pra Itália, o padre Vitor era o responsável pela Paróquia São João Batista, no setor Colina Azul, em Aparecida de Goiânia. Por lá, foi pároco entre 2013 e 2020, quando, a pedido do arcebispo de Goiânia, na época, Dom Washington Cruz, ofereceu a oportunidade para que ele pudesse estudar em Roma e Vitor aceitou o desafio. “Estava pronto pra ir pra outra paróquia, quando recebi a proposta e trabalhei minha vontade”, afirmou.