São apenas pessoas. De carne, osso e algumas marcas, pintas e cicatrizes. Parece clichê, mas é assim que vejo essas celebridades que resolvem sair de cara e alma lavada. Nem mais, nem menos bonitas. Apenas humanas 

Sabrina Sato, Ticiane Pinheiro, Paloma Bernardi e outras famosas participam de ensaio de cara lavada, para a revista "Glamour" | Foto: Cristiano Madureira/Glamour
Sabrina Sato, Ticiane Pinheiro, Paloma Bernardi e outras famosas participam de ensaio de cara lavada, para a revista “Glamour” deste mês | Foto: Cristiano Madureira/Glamour

“Marina, morena.
Marina, você se pintou
Marina, você faça tudo
Mas faça um favor
Não pinte esse rosto que eu gosto”

Estava exausta. Completamente exausta. Só queria descansar, cair sobre os travesseiros e dormir, principalmente depois de um dia tão intenso e tão desgastante como aquele. Joguei os sapatos de salto – que me doíam os pés, mesmo após tantos anos de “prática” – em um canto qualquer da casa e liguei o rádio, na velha estação de sempre. Tocava Dorival Caymmi, no volume mais baixo, quase como um sussurro.

“Marina, você já é bonita
Com o que Deus lhe deu”

Vovó que costumava gostar, lembrei-me. Todos os domingos, enquanto fazia o almoço, cantarolava aquelas cantigas de Dorival Caymmi, Pixinguinha e Noel Rosa. Com aquele sorrisão de iluminar e que eu achava tão bonito. Amarrei os cabelos e caminhei até o banheiro, ainda prestando atenção à letra da música, que me recordava um ensaio fotográfico que vi um dia desses na internet, com atrizes de cara lavada e sem Photoshop. Elas apareciam apenas pessoas comuns. Pessoas de carne, osso e algumas marcas, pintas e cicatrizes. Nem mais, nem menos bonitas. 

De frente ao espelho, comecei a retirar a maquiagem, pouco a pouco. O delineador preto, o batom vermelho, a máscara para cílios, tudo havia desaparecido e se esvaído. Era estranho, mas de repente me senti exposta, nua. Como se, de alguma forma, tivesse retirado uma espécie “de segunda pele ou uma cápsula protetora”. Não sei por quanto tempo fiquei ali, parada, observando meu rosto molhado e vermelho, que revelava olheiras de uma noite mal dormida e as marcas que uma adolescência cheia de hormônios me deixara.

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Foto: Reprodução/Facebook

Aquilo me fez lembrar dos vários ressentimentos comigo mesma. Das minhas cobranças. Das cobranças dos outros. Do olhar torto que mamãe me lançava, quando saia de casa sem me arrumar ou “sem me esforçar”, como costumava dizer. Da minha frustração por não me encaixar dentro de um padrão ou por sempre ter sido mais gordinha que minhas colegas. Deixei que aquilo me atingisse por tanto tempo, por mais tempo do que gostaria. Me sentia estúpida por um dia ter acreditado que eu precisava me encaixar. Que felicidade e até mesmo amor, dependiam disso.

Respirei fundo, os olhos ainda fixos no espelho. Observando a mim mesma, comecei a sorrir quase sem querer. Quase sem pensar. Um sorriso angustiante de alívio. Alívio por perceber que era bonita. Daquele jeito mesmo, de cara e alma lavada. Eu, sem maquiagem, exposta, nua. Não me importava se minha pele não fosse totalmente uniforme ou se, no auge dos meus 30 anos, algumas rugas já se formavam ao redor dos meus olhos. Nada daquilo poderia me roubar a beleza. Para ser sincera, achava até charmoso o vinco que aquelas pequenas rugas formavam quando sorria. Faziam o meu sorriso parecer mais sincero, mais radiante.

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Foto: Reprodução/Facebook

Claro que gostava de maquiagem e continuaria usando, mas quando quisesse e se quisesse. Gostava de batom vermelho e delineado gatinho, mas passaria a me dar ao luxo e sair de casa de cara lavada, ganhando vinte minutos a mais de sono. Percebi que não gostava era da obrigação, da imposição de estar maquiada para estar bonita. Ou, pior, para estar “feminina” e bem comigo mesma. Como se autoestima dependesse de pintar ou não o rosto, de estar ou não magra, de usar salto ou não, ou qualquer coisa do tipo. 

Estava cansada dos padrões, desses padrões que definiam se uma pessoa é bonita ou não. Só não quero mais padrão nenhum sobre o meu corpo. Quero ser livre para me achar bonita, para ser do jeito que sou, usar as roupas que quero, sem imposições, sem condições.

Não importava se havia me cansado da chapinha e há muito andasse com os cabelos rebeldes. Não importava também os quilos extras que ganhei nas férias ou que minhas canelas fossem grossas demais. Não importava se tinha celulite, se era baixinha ou se não tinha uma barriga definida como aquela minha colega de trabalho, que vivia postando fotos no Instagram. Nada disso me roubava a beleza. Muito menos a falta de maquiagem.

Lembrei mais uma vez daquele ensaio fotográfico, em como aquelas celebridades são sem maquiagem. Tão diferente das vezes em que estampavam capas de revista, mas, ainda assim, bonitas. Tão mais reais e mais próximas de mim ou de qualquer pessoa que vejo todos os dias nas ruas. Apenas humanas. Ensaios como esses me fazem pensar nessa pequena verdade que esquecemos. E também no fato de que todas nós, um hora ou outra, temos que aceitar nossas marcas, as pequenas cicatrizes dos nossos rostos, causadas pelo tempo e pela vida. Detalhes que não temos a obrigação de esconder e que são normais, em mim ou na Sabrina Sato.