Troca de comando, mais violência e nova facção: órgãos de inteligência identificam mudanças no PCC

19 abril 2024 às 09h37

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As mudanças provocadas pelo maior racha da história do Primeiro Comando da Capital (PCC) já começaram a ser percebidas pelas forças de segurança pública estaduais e federais. A alta cúpula da maior facção do país foi dividida entre membros da “sintonia final”, a “nata” do PCC e Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, apontado como o líder máximo da organização há mais de 20 anos.
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O racha foi confirmado por membros da inteligência do Ministério Público de São Paulo, berço da facção, delegados das polícias Civil e Federal e advogados ouvidos, que apontam para mudanças no controle do tráfico, alianças com o Comando Vermelho (CV) e até o possível surgimento de uma nova facção: Primeiro Comando Puro (PCP).
As primeiras informações sobre o racha no PCC surgiram em fevereiro, quando os serviços de inteligência interceptaram uma mensagem atribuída a membros da ala mais radical da facção. Nela, Camacho estava sendo excluído do PCC e teve a morte decretada por, supostamente, ter delatado colegas.
Na liderança dos rebelados está Roberto Soriano, o Tiriça, apontado pela polícia como um dos mais temidos integrantes da cúpula do PCC – considerado o número dois da facção, atrás apenas de Marcola. Ele é seguido por Abel Pacheco de Andrade, o Vida Loka, e Wanderson Nilton de Paula Lima, o Andinho, todos presos no sistema federal.
No entanto, dias depois do chamado “salve”, os órgãos de inteligência interceptaram uma nova mensagem, em resposta à primeira. Nele, a cúpula do PCC trazia à tona a rebelião do trio, classificada como calúnia e traição, e dizia que a atitude havia custado a expulsão dos rebelados, além da decretação da morte de todos. Neste momento se concretizou, de fato, a guerra interna na facção.
Traição e “cagueta”
O motivo da discórdia teria sido uma conversa entre Marcola e um funcionário da Penitenciária Federal de Porto Velho, quando o líder máximo passava por atendimento médico, em julho de 2022. O preso teria dito que Soriano (Tiriça) seria um psicopata e insinuado que agia contra agentes.
A conversa foi usada pelo Ministério Público contra Soriano, que acabou condenado a 31 anos pela morte de uma psicóloga da Penitenciária Federal de Catanduvas (PR), em 2017. Irritado com a situação, o preso condenado teria convencido os colegas de que Marcola cometeu um erro imperdoável, a chamada “caguetagem”.
Na resposta interceptada, os criminosos afirmam que analisaram o teor da conversa e “fica claro que não existe nenhuma delação por parte do irmão [Marcola] e sim um papo reto de criminoso com a polícia”.
“A promotoria pegou esse áudio e criou um cenário falando o que bem entendia. Todos sabemos que promotores vão sempre criar um cenário favorável a eles”, diz trecho da mensagem que informa que a gravação estava disponível a todos que quisessem acessá-la para tirar as próprias conclusões.
A rapidez da resposta gerou dúvidas nos órgãos de inteligência. Em um primeiro momento, foi pensando que seria um trabalho de contrainformação de membros PCC, com o intuito de tirar a atenção de um suposto plano de resgate em curso. A dúvida foi descartada com o decorrer dos dias.
Os serviços de inteligência apontam que apenas a segunda mensagem foi compartilhada pelos chamados “sintonias de rua”, os chefes em liberdade, o que indica que os criminosos tomaram o lado de Marcola na guerra. Entre eles estariam as lideranças das principais favelas, como Paraisópolis e Heliópolis, redutos da facção.
Um sinal disso foi o fato de que pontos de venda de drogas que pertenciam ao grupo rebelado foram tomadas e repassadas para criminosos ligados ao chefe do PCC. Em um desses locais, na região do Sacomã, zona sul da capital paulista, vizinhos das biqueiras afirmam que todos os gerentes ligados a Tiriça foram trocados.
Até mesmo um time de futebol ligado a esse criminoso teria sido desativado por conta do decreto. No sistema prisional paulista, até agora não houve nenhuma grande alteração. Os presos estariam em “compasso de espera”, aguardando os desdobramentos fora do presídio.
Prestígio entre a massa carcerária
Para a Polícia Federal (PF), Marcola ainda possui um grande prestígio entre a massa carcerária e possui fortes aliados. A guerra interna, entretanto, pode enfraquecer consideravelmente a liderança do criminoso, no poder desde 2002.
Marcola, inclusive, ascendeu ao poder da facção durante a última grande disputa sangrenta entre chefes do PCC, quando entrou em rota de colisão com César Augusto Roriz da Silva, o Cesinha, e José Márcio Felício, o Geleião, dois dos fundadores da organização. A dupla perdeu a disputa, fazendo com eles e as esposas fossem sentenciados à morte.
A massa carcerária ficou do lado de Marcola devido a morte da advogada Ana Maria Olivatto, 45, ex-mulher do faccionado, que foi assassinada a tiros em Guarulhos. A principal suspeita era Aurinete Carlos Félix da Silva, a Netinha, mulher de Cesinha.
Depois de assumir o comando, o PCC tentou matá-los por anos. Cesinha acabou sendo assassinado, enquanto Geleião morreu de Covid-19. Ele convivia em uma cela especial depois de realizar um acordo de delação premiada, onde deu informações à organização que ajudou a criar.
Com Marcola no topo da organização, a facção mudou. Criado sob o discurso de combater “a opressão dentro do sistema prisional paulista”, o grupo criminoso passou a se dedicar ao tráfico internacional de drogas. Caso Camacho seja destituído do comando, apontam os policiais, o PCC tende a mudar de perfil e se tornar um grupo muito mais violento.