A presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Maria Thereza de Assis Moura, autorizou a realização do aborto legal de uma menina de 13 anos que teve o procedimento negado pelo Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO). A decisão da Corte estadual ocorreu após um pedido do pai da adolescente, que acionou a Justiça para que ela não tivesse o direito de realizar o procedimento. A informação é da colunista Mônica Bergamo, do jornal Folha de S. Paulo.

“A situação que se apresenta impõe a imediata intervenção desta corte para fazer cessar o constrangimento ilegal a que se encontra submetida a paciente”, diz a ministra na decisão.

Para Maria Thereza, para tomar a decisão ela levou em conta a sua “convicção pessoal já manifestada em outros casos sobre o tema” do aborto.

A ministra afirmou estar diante de um caso de “presunção absoluta de violência”, dada a prática de estupro de vulnerável. Segundo ela, embora o pai se oponha à intervenção, há consentimento da própria gestante e também de sua mãe.

Na decisão, a magistrada citou um caso de 2023, também envolvendo uma menina de 13 anos que encontrou resistência de seu pai para que ela pudesse realizar o aborto legal. Na ocasião, o ministro Rogerio Schietti Cruz autorizou o procedimento.

Maria Thereza também disse que o procedimento solicitado pela Defensoria Pública, a assistolia fetal, é recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para a interrupção de gestações tardias. “Convém salientar, ainda, que a resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proibia o procedimento de assistolia fetal está suspensa por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes”, conclui a decisão.

Habeas corpus

A decisão da ministra atende a um habeas corpus apresentado pela Defensoria Pública de Goiás. O documento afirma que a menina foi vítima de estupro de vulnerável e teve um direito assegurado pelo Código Penal violado, que prevê o aborto em casos de estupro, risco à vida da mãe e feto com anencefalia.

A Defensoria alega que as decisões do TJGO que negaram o acesso ao procedimento ignoram, não só a vontade da vítima, mas também a recomendação médica do profissional que a acompanha.

Os médicos do Hospital Estadual da Mulher (Hemu) afirmaram que a antecipação do parto seria um processo doloroso para a menina, já que não haveria o uso de anestesia e revitimizador, além de considerar que ela teria que ouvir os batimentos cardíacos do feto. Além disso, o procedimento teria “elevado risco de complicações”, e que a taxa de sobrevida do feto seria baixa.

Entenda o caso

No início de julho, o pai de uma menina de 13 anos, vítima de estupro, entrou com recurso na Justiça para impedir que ela realizasse o procedimento de aborto legal. A menina teria engravidado de um homem de 24 anos, o que se caracteriza como estupro de vulnerável, e, segundo fontes, teria deixado claro que não gostaria de manter a gravidez.

Poucos dias depois, a desembargadora Doraci Lamar Rosa da Silva, do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), seguiu o pedido do pai, que defendeu que o feto teria direito à vida e ainda afirmou que o crime de estupro ainda está “sob investigação”. Ainda que o pai tenha essa posição, a lei brasileira considera qualquer relação sexual com uma pessoa menor de 14 anos como estupro de vulnerável. A lei permite o aborto em casos de estupro.

Por conta disso, o Ministério Público entrou com um pedido para reverter a decisão. A Promotoria afirmou que está acompanhando o caso, mas que o processo corre em segredo de Justiça, por isso não seria possível disponibilizar informações.

A menina, após ter o pedido negado, expressou desejo de realizar a interrupção da gravidez de forma clandestina e está em risco de suicídio, segundo relatou um funcionário do hospital onde ela foi atendida, que pediu para não ser identificado, ao jornal Folha de São Paulo.

O funcionário disse que a última vez que a menina foi ao hospital para uma consulta pré-natal foi em 9 de julho. Ela recebeu orientações sobre a entrega voluntária do bebê para adoção e a gravidez é considerada de alto risco.

A menina, que não estava comparecendo aos exames pré-natal, foi ao hospital após uma decisão judicial, acompanhada de uma equipe técnica do Juizado da Infância e Juventude. O pai dela também estava presente, com advogados, e afirmou que ela não seria mais levada ao hospital, pois estaria recebendo atendimento em uma clínica particular, segundo o funcionário.

Funcionários do hospital afirmam que o pai da adolescente disse que a filha havia desistido de fazer o aborto e que entregaria o bebê para ser cuidado pelo avô. Porém, pessoas que conversaram com a jovem dizem que ela mantém a vontade de interromper a gravidez e afirmam que as declarações do pai não são verdadeiras.

Ela também relatou que, se não conseguir fazer o aborto e o bebê for colocado para adoção, não quer que a criança fique com seu pai, pois não acredita que ele vá cuidar bem. O criminoso de 24 anos nunca acompanhou a adolescente no hospital.

Segundo fontes internas do hospital, a adolescente disse aos funcionários que o pai parou de trabalhar por 30 dias para vigiá-la, mas que ela quer estudar para ter uma vida diferente da mãe, que vive em outro estado. Ela também afirmou sofrer assédio sexual por outros homens próximos da família.

O pai da jovem é representado por três advogados: Viviane Porto Pereira, Apoena Nascimento Veloso e Jennifer Puls Gama. Apoema integra a Comissão de Defesa da Vida da Associação dos Juristas Católicos de Goiás.

Não é o primeiro caso de abuso sexual sofrido pela menina. Segundo documentos do Conselho Tutelar, de abril deste ano, a menina já denunciou outro caso, quando tinha 12 anos. Segundo o texto, a adolescente contou o ocorrido para uma professora e manifestou medo de ter engravidado.

Na ocasião, ela foi encaminhada ao Instituto Médico Legal (IML) para fazer exames e seguir protocolos de proteção contra Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST). Também foi registrado um boletim de ocorrência sobre o caso, e o exame de gravidez deu negativo.

O Conselho Tutelar considera que a adolescente está afastada da escola desde 2023 e que ela já foi acompanhada por um conselheiro devido às faltas. O pai foi alertado sobre o perigo da ausência na escola. Frente a isso, o Conselho Tutelar vai exigir matrícula especial para a adolescente na escola. Foi pedido em março que a menina iniciasse exames pré-natais mensais que até abril não foram feitos.

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