STF decide que Estado tem responsabilidade por morte ou ferimento em operações policiais

12 abril 2024 às 12h19

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O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu nesta quinta-feira, 11, que o Estado deve ser responsabilizado, na esfera cível, por morte ou ferimento de pessoas que tenham sido vítimas de disparos de armas de fogo em operações de segurança pública. Com isso, o Poder Público deve indenizar a vítima ou seus familiares.
O Plenário também definiu que a existência de uma perícia sem conclusão sobre a origem do disparo, por si só, não retira a obrigação de indenizar. Conforme o entendimento, para não ser responsabilizado, o Poder Público deverá demonstrar, nos casos concretos, que seus agentes não deram causa à morte ou ao ferimento.
Por maioria, Tribunal determinou que a União deveria ser responsabilizada pela morte de uma vítima de bala perdida disparada durante operação militar realizada no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro (RJ), em 2015. “Às vezes você não é capaz de determinar de onde veio o tiro. Mas se estiver uma operação policial no local, há responsabilidade. Mas frequentemente a perícia é capaz de determinar, porque com muita frequência, o armamento do crime é mais poderoso do que o da polícia”, afirmou o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, durante a análise.
Em Goiânia
Um caso marcante com vítima de bala perdida aconteceu em Goiânia, em agosto de 1996. Neste caso não foi possível determinar de onde veio o tiro. Paulo Coelho Nunes foi atingido por uma bala que entrou em seu olho direito e atravessou o crânio. Ele ficou 2 meses em coma (induzido) na UTI, mas sobreviveu. Paulo é graduado em publicidade, audiovisual e pós-graduado em cinema.
Ao Jornal Opção, ele explicou como foi o acidente. “Era por volta de 21h30 da noite e eu estava sozinho andando numa rua, indo para um ponto de ônibus na Avenida Independência. Foi bem nessa esquina que eu tive esse acidente. Pelo que eu consegui ver, não foi um assalto. Como eu estava sozinho, não dá para saber se tinha duas pessoas ou mais, ou se estava havendo um tiroteio entre eles”.
Ele explica que, em casos como o dele, fica difícil comprovar de onde veio o tiro. Como ele entrou em coma, não sabe se algum familiar registrou um boletim de ocorrência. Como a bala atravessou o crânio, ele toma remédio anticonvulsivo todos os dias para evitar crises. Segundo os médicos, a bala pode ter vindo de um fuzil porque a perda de massa encefálica foi alta.
“Tive que adaptar. No sentido cognitivo, por ter perdido a visão e audição do lado direto. Pelo acidente, houve uma mudança no meu gênio, as vezes tenho conflito por isso. Eu ando e converso sem problemas, mas tive algumas sequelas na linguagem”, explica Paulo.
Entendimento
No julgamento de quinta-feira, foi definida a tese de repercussão geral, que deverá ser utilizada em todos os casos semelhantes, a partir da primeira decisão. A tese que será aplicada em casos semelhantes, é a seguinte:
- O Estado é responsável, na esfera cível, por morte ou ferimento decorrente de operações de segurança pública, nos termos da Teoria do Risco Administrativo.
- É ônus probatório do ente federativo demonstrar eventuais excludentes de responsabilidade civil.
- A perícia inconclusiva sobre a origem de disparo fatal durante operações policiais e militares não é suficiente, por si só, para afastar a responsabilidade civil do Estado, por constituir elemento indiciário.
Vítima do Complexo da Maré

O entendimento foi estabelecido a partir do caso de um homem morto por uma bala perdida em casa em um tiroteio envolvendo o Exército no Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio, em abril de 2015. Mesmo com perícia inconclusiva sobre a origem do disparo, prevaleceu o entendimento de que, como a operação foi realizada por uma força federal, a União deveria ser responsabilizada pela morte.
A perícia não concluiu a origem do disparo que matou Vanderlei Conceição de Albuquerque, de 34 anos, que estava em sua residência, na Vila dos Pinheiros. A família apresentou um pedido de responsabilização, mas ele foi negado na primeira e na segunda instância.Vanderlei foi atingido durante um tiroteio entre traficantes e integrantes da Força de Pacificação do Exército, que ocuparam a Maré, em que três soldados foram atingidos. Ele chegou a ser levado para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da comunidade, mas não resistiu aos ferimentos e morreu.
Em seu voto, o relator, ministro Edson Fachin, condenou a União a pagar à família da vítima indenização no valor de R$ 500 mil e também determinou o ressarcimento pelas despesas com o funeral e o pagamento de pensão vitalícia. A proposta foi confirmada pelo colegiado.