Dias de cativeiro: sequestros e resgates em Goiás

16 julho 2014 às 13h25

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Estatísticas sobre sequestros são difíceis de serem obtidas. Muitos dados não são informados por medo de retaliação, além de existir o temor por parte das vítimas de a divulgação atrapalhar as investigações policiais

Momentos de tensão. Dois homens entram armados em uma chácara, invadem a casa, rendem a família e levam uma criança. Sequestrado, o menino de quatro anos é mantido refém. Depois de três dias, a família, com ajuda de amigos, levanta R$ 200 mil para pagar o resgate. Após o pagamento, na madrugada seguinte, a criança é deixada sozinha em um posto de gasolina; chorando e assustada é socorrida pela polícia e devolvida aos braços dos pais – de onde sequer deveria ter saído.
O fato descrito anteriormente poderia ser roteiro de algum longa-metragem ou enredo de algum livro da romancista policial britânica Agatha Christie. Mas não, sequestros são costumeiros e ultrapassam as barreiras da ficção. Os casos vão de celebridades a pessoas comuns. O episódio narrado na abertura desta matéria ocorreu há menos de uma semana, em Goiás, e refere-se a uma criança de quatro anos, sequestrada na última quinta-feira (10/7) em Aparecida de Goiânia.
Após contato com os sequestradores, o pai do menino, que não quis se identificar, deixou o dinheiro que arrecadou dentro de um saco de lixo em um canteiro de uma avenida no Jardim dos Ipês, saída para Aragoiânia. De acordo com a Polícia Civil, as investigações do crime seguem em caráter sigiloso pelo delegado Glaydson Carvalho da Delegacia Estadual de Investigações Criminosas (Deic).
Em Goiás, existe uma unidade de elite policial responsável pela investigação e apuração de crimes de cárcere privado, o Grupo Antissequestro (Gas). “O objetivo principal do Gas, no caso de sequestro, é o de libertar a vítima do cativeiro com vida”, salienta o delegado chefe do Gas, Glaydson Carvalho.
Estatísticas confiáveis sobre sequestros são difíceis de serem obtidas por diversos motivos, como, por exemplo, o fato de muitos sequestros não serem informados por medo de retaliação por parte dos sequestradores; a existência do temor por parte das vítimas; e a preocupação de que a divulgação atrapalhe as investigações policiais.

O Centro de Gerenciamento de Crise (RED24) classifica o risco de sequestro no Brasil como alto, sendo que estes crimes são geralmente cometidos por grupos criminosos com a intenção de conseguir ganhos financeiros.
Sobre outros sequestros ainda em andamento no Estado, uma fonte da Deic, que prefere não ser identificada, disse à reportagem que sempre ocorrem. A pessoa preferiu não repassar maiores detalhes e encerrou a entrevista dizendo: “Sempre acontece, mas os dados sobre investigações não podem ser repassados para a imprensa, pois pode dificultar os procedimentos legais de apuração dos crimes.”
Justamente por conta da dificuldade de obtenção de dados sobre sequestros é que a reportagem não conseguiu o quantitativo de casos ocorridos em Goiás. O Jornal Opção Online aguardou por dois dias o repasse de informações solicitadas formalmente à Secretária de Segurança Pública, mas até esta publicação não obteve retorno. A assessoria de comunicação da pasta afirmou, a cada ligação, que o levantamento estava sendo providenciado e admitiu dificuldades na coleta de dados.
Legislação e punição
De acordo com o Código Penal Brasileiro, no artigo 148, privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado se configura crime.

Em entrevista ao Jornal Opção Online, o advogado Ronaldo David Guimarães, que já defendeu judicialmente quatro sequestradores em Goiânia, esclarece que existe uma diferença entre sequestro e cárcere privado. “No sequestro, a vítima tem maior liberdade de locomoção, por exemplo, uma vítima presa numa fazenda. Já no cárcere privado, a vítima vê-se submetida a uma privação de liberdade num recinto fechado, o exemplo seria ficar preso dentro de um quarto ou armário”, disse.
Para a lei, a duração da privação de liberdade é irrelevante. “Preliminarmente, quem sequestra não quer matar, já que se sequestra uma pessoa viva”, salienta Ronaldo David. Contudo, complementa, “se a pessoa for maltratada e não morrer a pena será de 2 a 8 anos, já se a vítima morrer o crime se torna culposo e a pena será menor do que os maus tratos, incoerência total”, critica o advogado.
Casos em Goiás

Em dezembro de 2012 três sequestradoras foram audaciosas. O empresário Joaquim Pereira Maciel foi mantido sedado dentro de um cativeiro em Águas Lindas, na região do Entorno do Distrito Federal. As criminosas, uma maior e duas adolescentes, exigiram um resgate de R$ 500 mil para liberar a vítima com vida. O Gas monitorou a quadrilha, conseguiu resgatar o empresário e prendeu as três mulheres.

Em Anápolis, nos últimos dois meses, quatro homens foram sequestrados e mortos após pagamento de resgate pelos familiares. No entanto, o delegado titular da 3ª Delegacia Regional de Polícia (DRP), Álvaro Cássio dos Santos, informou à reportagem que os sequestros na cidade são “diferenciados”. Mesmo tendo as características de um sequestro comum, “os sequestros daqui podem ter ligação com o tráfico de drogas e disputa territorial pelos traficantes, pois eles sequestram, exigem dinheiro, recebem e mesmo assim executam as vítimas”, asseverou o delegado.

Caso de grande repercussão foi o do irmão dos cantores Zezé Di Camargo e Luciano, Wellington Camargo, que foi levado de sua casa, em Goiânia, em dezembro de 1999. Wellington, que também é compositor, passou 94 dias em poder de sequestradores, que exigiam cerca de US$ 5 milhões para libertá-lo. No cativeiro, ele teve metade da orelha esquerda cortada e enviada à uma emissora de televisão do Estado, o que aumentou a comoção sobre o caso.
Após negociação, o irmão dos sertanejos foi libertado com o pagamento de US$ 300 mil. Para chegar aos sequestradores, a Polícia Civil teve acesso a sofisticados aparelhos cedidos pelo FBI. No final, toda a quadrilha foi presa, levando a uma série de prisões em Goiânia e Campo Grande. Ao todo, mais de 20 pessoas foram detidas por envolvimento direto ou indireto com o crime. Atualmente, segundo um parente, a família não tem dificuldades em comentar o assunto. “Meu tio Wellignton não tem problemas em testemunhar o ocorrido”, disse ao Jornal Opção Online.
Sequestro-relâmpago
Nos últimos anos o sequestro-relâmpago se tornou um método para roubo de carros em Goiás e no país como um todo. Em fevereiro de 2012, por exemplo, seis casos foram registrados pela Secretaria de Segurança Pública e de Justiça de Goiás (SSPJ-GO). Os veículos mais visados pelos sequestradores/ladrões são as camionetes e os carros de luxo. De acordo com a Polícia Civil, não se trata de uma inovação no crime, mas de uma ação sazonal, em que as vítimas são levadas pelos criminosos como reféns para garantir a efetivação do roubo.
No dia 16 de junho último, em Luziânia, no Entorno do Distrito Federal, uma mulher foi vítima de sequestro-relâmpago. O crime foi cometido em plena luz do dia, no centro da cidade e os bandidos abordaram a vítima enquanto um assaltante assumiu a direção e a obrigou a sentar-se no banco de trás do veículo. Segundo a Polícia Militar, os criminosos liberaram a mulher na saída da cidade, na BR-040. “Eles abandonaram a vítima com a ameaça de atirar na cabeça dela. Ela desceu do carro e eles fugiram”, disse o soldado Carlos Souza.

Em 2007, com apenas 13 anos, Giovanna Damando também foi vítima de um sequestro-relâmpago. A menina fazia aulas de jazz três vezes por semana numa escola que ficava próxima a sua casa, consequentemente, sempre ia a pé. “Um dia um carro que estava estacionado abriu a porta e uma pessoa me puxou para dentro, em seguida arrancou com o carro”, contou à reportagem a jovem, que hoje tem 20 anos.
Como reação, Giovanna destravou a porta do automóvel, com intenção de pular, fugir daquela situação. “Na hora o bandido sacou uma pistola e apontou para minha cabeça, disse que se eu saísse do carro iria atirar e começou a dirigir e fazer perguntas sobre quem eu era”. Após algumas horas, o criminoso desistiu de atentar contra a integridade física da menina. Instantes depois a deixou no mesmo lugar em que havia sido abordada. Hoje, sete anos depois, Giovanna confessa ainda sentir medo de sair de casa sozinha.
Sequestro e cárcere privado: consequências
A psicóloga Léticia Gueds Nóbrega, especialista em terapias comportamentais, esclareceu à reportagem que o caso de uma criança de apenas 4 anos ser sequestrada é considerado grave. “Nos dias de cativeiro, geralmente a vítima sofre maus tratos, tem uma alimentação precária, sente medo e não consegue compreender o que está acontecendo”.

As consequências de um sequestro podem ser as mais diversas possíveis, alerta a especialista. “Cada um de nós lida com a situação de forma diferente, não podemos generalizar [em certo ponto]. Após o sequestro, o indivíduo pode começar a sentir ansiedade, ter medo de conviver com adultos, além de ter problemas no sono e desempenho insatisfatório na escola”, esclareceu Léticia Gueds.
Um fator importante para lidar com a problemática é iniciar acompanhamento psicológico, tanto da vítima, quanto da família. “Dependendo de como a família lida com a situação, o vitimado pode trazer as consequências para a vida adulta”, finalizou.