Sem Barbosa, o Supremo será uma casa para o governo acabar de mobiliar ao seu gosto
31 maio 2014 às 11h37
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A aposentadoria do ministro permite ao Planalto ocupar com aliados em torno de dois terços das 11 cadeiras de juízes no STF
A. C. Scartezini
A disposição do ministro Joaquim Barbosa em se aposentar precocemente no final deste mês, ainda como presidente do Supremo Tribunal Federal, tem a ver com pelo menos três razões. Uma delas, o desencanto com a vida de juiz. Outra, as hostilidades que recebe de petistas. Enfim, a doença com que lida há seis anos, supostamente degenerativa.
“Hoje é uma tarde triste para o Supremo Tribunal Federal”, definiu Barbosa a sessão de 27 de fevereiro último, quando seus colegas absolveram oito mensaleiros, à frente José Dirceu, da acusação de formação de quadrilha e reduziram a pena de cada um.
Com aquela frase, preparou-se para oferecer o seu voto sobre o conceito de quadrilha, mas Barbosa ainda revelou espanto:
— Ouvi de ministros a alegação ‘não acredito que os réus tenham se reunido para a prática de crimes’. Há dúvidas de que se reuniram? Que se associaram? Que a associação perdurou por quase três anos?
Era a maior derrota de Barbosa como relator do julgamento do mensalão. Os ministros voltavam a julgar mensaleiros porque o tribunal aceitou a prevalência de embargos infringentes, em outro revés para o presidente.
“Ouvi de ministros a alegação ‘não acredito que os réus tenham se reunido para a prática de crimes’. Depois daquela quinta-feira pré-carnavalesca, Barbosa perdeu o interesses pelos julgamentos da casa. Aquietou boa parte de sua agitação costumeira nas sessões do tribunal. A crise existencial enquanto juiz chega agora ao fim.
A decisão sobre quadrilha foi uma reviravolta no mensalão. O Supremo revogava a decisão anterior sobre formação de quadrilha graças ao voto dos dois ministros mais novos nomeados pela presidente Dilma Rousseff, Roberto Barroso e Teori Zavascki. Ambos pegaram o bonde no fim da linha, não chegaram a participar do julgamento propriamente dos mensaleiros.
Com eles, formou-se a maioria que mudou a face do Supremo. Por seis votos a cinco, mudaram o conceito de quadrilha. A opinião de Barroso e Zavascki se somou ao que pensavam quatro ministros: Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Rosa Weber. Todos os seis nomeados pelo Planalto depois da eclosão do mensalão.
Sem Barbosa, o Supremo perde um tanto de graça, mas o governo ganha mais uma cadeira de ministro para indicar aos seus senadores. Será vaga a preencher-se ainda neste ano, pois o futuro é incerto. Se Dilma se reeleger, o PT terá mais uma cadeira no próximo ano, com a saída de Celso de Mello. Daqui a dois anos, mais uma, na vaga de Marco Aurélio de Mello.
Uma encarnação de herói popular, Joaquim Barbosa sentia a popularidade quando circulava pelas ruas como gosta. Rodeado de aplausos em bares e restaurantes. Mas ultimamente se inibiu por causa de hostilidades e provocações de petistas que passam pelo seu caminho.
Há três meses, estava com amigos na madrugada do Frédéric Chopin na Asa Sul de Brasília quando a mesa ao lado encarnou nele. Dali chamaram companheiros para se incorporarem às provocações ao relator do mensalão. O pior veio depois com ameaças de morte despachadas por petistas em redes sociais.
Muito antes foi hostilizado num plenário do Congresso. No começo de fevereiro, Barbosa participava da mesa solene pela abertura do ano legislativo, quando a afronta veio da cadeira ao lado, onde o deputado paranaense André Vargas, então vice-presidente da Câmara em nome do PT, caçoou com o punho erguido e cerrado à la Zé Dirceu e José Genoino, mensaleiros.
Entre as notícias sobre a aposentadoria do ministro, o médico paulista Raphael Marcon, especialista em coluna cervical, afirma que a dor sentida por Barbosa vem de uma doença degenerativa, sem cura. Seria um caso de sacroileíte, inflamação na junção entre os ossos sacro e da bacia. Aposentado, Barbosa teria mais tempo para se cuidar e viver a vida.