Redes sociais impulsionam consumo e venda de cogumelos psicodélicos em Goiás e no Brasil

31 outubro 2024 às 12h51

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Populares em rituais religiosos e terapêuticos, os cogumelos do tipo Psilocybe Cubensis – também conhecidos como “cogumelos mágicos” – são comercializados livremente no Brasil, mesmo tendo a venda vetada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
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As substâncias sujeitas a controles especiais são reguladas pela Portaria 344 de 1998 e divididas em categorias e listas. E, apesar de os cogumelos não estarem na lista, a psilocina e a psilocibina constam na chamada lista F2 de substâncias psicotrópicas, cujo uso é ilegal no país.
Entretanto, mesmo proibido, basta uma rápida busca nas redes sociais para encontrar páginas e grupos específicos de venda de enteógenos (substâncias de origem vegetal ou fúngica que podem causar efeitos alucinógenos). Por duas semanas, o Jornal Opção acompanhou e negociou com vendedores de várias regiões do país, enquanto se passava por uma pessoa interessada na aquisição de cogumelos.
Alguns dos espaços públicos e privados visitados pela reportagem, que chegam a 49 mil membros cada, oferecem os fungos inteiros ou desidratados embalados à vácuo, exaltando suas propriedades psicodélicas e ritualísticas, enquanto outros comercializam as chamadas micro dosagens, já calculadas para um consumo controlado com objetivos terapêuticos.
Os fungos, conforme apurado pela reportagem, variam de valor a depender da espécie e do poder alucinógeno de cada cogumelo. O Amanita Muscaria, por exemplo, é comercializado por R$ 100 a cada 30 gramas, enquanto que 15 gramas de Amanita Pantherina sai a R$ 100.
“Tem o dobro da potência do Muscaria. O Cubensis Penis Envy é R$ 15 a R$ 17 a grama e o Cubensis Selvagens R$ 7 a grama. O Cacto São Pedro está 30 gramas por R$ 60, já a Argyreia Nervosa é R$ 10 (10 sementes)”, afirma o administrador do grupo “Cogumelos Mágicos 6”, que conta com 654 membros de ao menos 20 regiões distintas do Brasil e do exterior, incluindo Goiás.
Buscando não perder vendas, o “comerciante” que se aposentou como Roberto diz que a compra pode ser variada, pegando menos de determinados enteógenos e mais de outros. Por exemplo, 10 gramas de Cubensis Selvagens e 1 grama do Cubensis Penis Envy. Para concretizar a aquisição, o cliente precisa pedir ao menos 4 gramas.
O valor deve ser pago no ato do acordo via PIX ou boleto bancário – este último demora um dia a mais para chegar a encomenda, que leva de 24h a 48h -, conforme o vendedor. Questionado sobre a segurança da entrega, o administrador afirmou que envia para todo o Brasil por meio dos Correios e que as encomendas são enviadas descaracterizadas, a fim de evitar apreensões e consequentes prisões.
“Cada grama desse (Cubensis) equivale a 2 g do Cambodian. Vai dentro de uma caixinha, mas o frete é por conta do cliente. É limpo, cultivado em casa, pronto para comer. O selvagem nasce no esterco do boi. O melhor é fazer chá para matar as bactérias”, ensina.
Experiências
Além do comércio, os grupos também servem como um espaço coletivo de troca de experiências entre os usuários. Durante a enxurrada de mensagens, os membros reforçam o consumo dos fungos e exaltam o poder alucinógeno de determinadas espécies, como o Cubensis.
Um dos membros, identificado como Dell, diz que optou por misturar Cubensis com Amanita Muscaria por não “consagrar” apenas com um. Ele contou ainda que quer experimentar Amanita Pantherina, pretendendo consumir entre 30 a 40 gramas – a quantidade é considerada alta, podendo acarretar riscos à saúde.
“A Amanita não é igual a Cubensis. Já cheguei a tomar 10 gramas de Amanita pura e, literalmente, não sentir nada. Já cheguei a tomar 3 gramas de Cubensis e não ficar alto, mas sentir os efeitos do cogumelo. O administrador me falou que a Amanita precisa tomar uma quantidade pouco acima de 10 gramas para dar efeito. Quando quero umas visões diferentes eu tomo 10 gramas de cada”, disse.
“Depende também do organismo da pessoa. Já tomei 15g e bateu bem, mas não é bom tomar mais que 10 gramas. Esses dias tomei e foi uma paulada. Se é alguém que não tem muita experiência, dose baixa já bate forte”, reforçou um outro integrante do espaço.
Operação e crimes
Outro assunto comentado entre os membros e que chamou atenção da reportagem foi a Operação Toad, deflagrada pela Polícia Civil de Goiás (PC-GO) no mês de setembro, em Goiânia. Na ocasião, o filho de um advogado foi preso por comercializar cogumelos alucinógenos e produtos derivados do fungo fabricados no escritório do pai.
Enquanto compartilhavam links de reportagens sobre a ação, os usuários do aplicativo de mensagem WhatsApp se manifestaram contra a operação, demonstrando preocupação com a aquisição das substâncias.
“Existem algumas espécies onde sua comercialização é permitida, tais como champignon, shitake, juba de leão. Entretanto, alguns cogumelos contém o alucinógeno psilocibina, podendo caracterizar, neste caso, o crime de tráfico de drogas. Já os que não contenham substâncias proibidas, se utilizados para produção de produtos destinados a atividade terapêutica ou medicinal, sem a devida autorização do órgão competente, há possibilidade de responsabilização penal por crime contra a saúde pública”, explicou o delegado Francisco Costa, responsável pela Operação Toad.
A venda identificada e acompanhada pelo Jornal Opção, de acordo com o delegado, pode configurar tráfico interestadual e até internacional de drogas. Francisco diz que os cogumelos, geralmente, são comercializados para fins religiosos e terapêuticos, não havendo interesse do crime organizado no ramo.
“Geralmente são enviados do estado de São Paulo para os demais estados da federação. É um alucinógeno, tendo os efeitos e consequências similares ao LCD”, concluiu.