Raio-x da democracia: conheça tudo sobre o processo eleitoral brasileiro
06 outubro 2024 às 00h00
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O Brasil tem uma história política conturbada: perseguições, ameaças, tortura, censura e ditadura. Desde a redemocratização, em 1985, uma série de mudanças sociais e tecnológicas impôs novas dificuldades às eleições, como o avanço da desinformação e disseminação de inverdades. Por outro lado, a modernidade e criatividade brasileira também fizeram com que desenvolvêssemos as urnas eletrônicas, um dos maiores alvos da desinformação no país. Esse equipamento foi desenvolvido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e utilizado pela primeira vez nas eleições de 1996, há 28 anos atrás.
Em 2024, as eleições municipais definem os prefeitos e vereadores a tomarem posse em 2025 em todo o Brasil. Para isso, desde o dia 24 de setembro, o Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO) iniciou o processo de carga e lacre das urnas eletrônicas que serão utilizadas no primeiro turno das eleições municipais de 2024 em Goiânia. O Ministério Público, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e representantes de partidos são convocados pelos juízes eleitorais para acompanhar a cerimônia de carga e lacre, que acontece antes da distribuição das urnas para as seções eleitorais que funcionarão no dia da votação.
O processo de carga e lacre envolve a transferência dos dados de eleitores e candidatos para as urnas eletrônicas, de acordo com as seções eleitorais de cada região. Após a inserção dos dados, as urnas são lacradas e os compartimentos são assinados pelos juízes eleitorais, promotores e representantes de partidos e coligações.
Depois disso, as urnas ainda são testadas, para ter o funcionamento garantido. Por fim, as urnas são lacradas e identificadas por município, local de votação e seção eleitoral. Então são armazenadas em caixas lacradas e assinadas pelas autoridades presentes.
Como surgiu a democracia?
A democracia é um conceito que remonta à Grécia antiga, especificamente à cidade-estado de Atenas, no século V a.C. Em Atenas, os cidadãos livres participavam diretamente das decisões políticas através de um sistema conhecido como democracia direta. Esse modelo permitia que cada cidadão tivesse voz nas decisões políticas, algo revolucionário para a época.
O modelo ateniense baseava-se em três pilares principais: a Assembleia, o Conselho dos Quinhentos e os Tribunais. A Assembleia era composta por todos os cidadãos atenienses do sexo masculino, que se reuniam para votar em leis e decisões importantes. O Conselho dos Quinhentos preparava a agenda para a Assembleia, enquanto os Tribunais julgavam disputas e questões legais.
À medida que a ideia de democracia se espalhou pela Europa, ela passou por adaptações e transformações. Durante o Renascimento, pensadores como John Locke e Jean-Jacques Rousseau refinaram os conceitos democráticos, enfatizando a importância do contrato social e da participação popular no governo. Estes filósofos influenciaram profundamente as democracias modernas, incluindo a brasileira.
No Brasil, a jornada democrática foi longa e turbulenta. Após a independência em 1822, o país experimentou breves períodos democráticos interrompidos por golpes e ditaduras. A Proclamação da República em 1889 marcou uma tentativa de instaurar um regime democrático, mas a instabilidade política perdurou.
Foi somente em 1988, com a promulgação da nova Constituição, que o Brasil consolidou seu regime democrático. A Constituição de 1988 garantiu direitos fundamentais e estabeleceu um sistema de freios e contrapesos entre os poderes executivo, legislativo e judiciário, inspirados pelos princípios democráticos desenvolvidos desde a Grécia antiga.
Quais são as características da democracia brasileira?
A democracia brasileira, conforme estabelecida na Constituição de 1988, é caracterizada por ser uma democracia representativa e presidencialista. Os cidadãos brasileiros votam periodicamente para eleger seus representantes em diversos cargos.
Os ciclos eleitorais são bem definidos: a cada quatro anos, ocorrem eleições para presidente, governadores, senadores, deputados federais, deputados estaduais e distritais. Para prefeitos e vereadores, as eleições ocorrem a cada quatro anos, mas em um calendário intercalado, de modo que nunca coincidem com as eleições gerais.
O sistema representativo é baseado na eleição de representantes que atuarão em nome do povo. O presidente da República é o chefe do Poder Executivo federal, enquanto os governadores e prefeitos são os chefes dos Executivos estaduais e municipais, respectivamente. No Legislativo, o Congresso Nacional é bicameral, composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, enquanto as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais representam os estados e municípios.
O sistema presidencialista define que o presidente é eleito diretamente pelo povo para um mandato de quatro anos, com a possibilidade de uma reeleição. O presidente possui amplos poderes, mas também está sujeito a um sistema de freios e contrapesos, onde o Legislativo e o Judiciário têm a função de limitar e fiscalizar suas ações, garantindo o equilíbrio entre os poderes.
Além disso, o Brasil adota o sistema de votação eletrônica desde 1996. As urnas eletrônicas são usadas em todo o país, proporcionando rapidez e segurança no processo eleitoral. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é o órgão responsável por organizar e supervisionar as eleições, garantindo a transparência e a integridade do processo.
Os três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – têm funções distintas e independentes, mas inter-relacionadas. O Executivo é responsável pela administração pública e execução das leis; o Legislativo, pela criação de leis e fiscalização do Executivo; e o Judiciário, pela interpretação das leis e garantia de sua aplicação justa.
De onde vem os termos “direita” e “esquerda”?
Os termos “direita” e “esquerda” surgiram durante a Revolução Francesa, em 1789. Na Assembleia Nacional, os apoiadores do rei se sentavam à direita do presidente, enquanto os revolucionários, defensores de mudanças radicais, se posicionavam à esquerda. Essa disposição espacial deu origem às terminologias políticas que usamos até hoje.
Durante o século XIX, a divisão entre direita e esquerda se consolidou em diversos países europeus. Movimentos liberais e socialistas eram associados à esquerda, enquanto conservadores e monarquistas eram associados à direita. Essas divisões políticas foram importadas para a América Latina e adaptadas às realidades locais.
No Brasil, a distinção entre direita e esquerda foi acentuada durante a Ditadura Militar (1964-1985). Os militares, que tomaram o poder em um golpe de estado, se viam como defensores da ordem e da segurança nacional, associando-se com a “direita”. Em contraste, os opositores do regime militar, que buscavam a restauração da democracia e a defesa dos direitos humanos, eram rotulados como “esquerda”.
Com o fim da ditadura, o espectro político brasileiro continuou a evoluir. Nos anos recentes, a ascensão do Bolsonarismo trouxe uma nova onda de polarização. Jair Bolsonaro, ex-capitão do Exército e parlamentar de longa data, se apresentou como um defensor de valores conservadores e críticos ferozes da esquerda, aumentando a tensão política no país.
Esse fenômeno não é exclusivo do Brasil. Nos Estados Unidos, a presidência de Donald Trump também acirrou as divisões políticas, com Trump se posicionando como uma figura de direita que rejeita os valores progressistas da esquerda. Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, as eleições e o discurso político se tornaram campos de batalha ideológicos, refletindo a luta global entre diferentes visões de mundo.
Como funcionam as urnas eletrônicas
A confiança nas urnas eletrônicas é essencial para a legitimidade das eleições brasileiras. Desenvolvidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as urnas eletrônicas são usadas desde 1996 e passaram por diversas melhorias para aumentar a segurança e a transparência do processo eleitoral.
O processo de votação eletrônica começa com a preparação das urnas, que são lacradas e só podem ser abertas pelos mesários no dia da eleição. Antes do início da votação, é realizada uma cerimônia pública de carga e lacração, na qual representantes de partidos políticos e da sociedade civil podem verificar que as urnas estão em perfeito estado e sem votos pré-registrados.
A votação é rápida e simples: o eleitor digita o número do candidato no teclado da urna e confirma sua escolha. O sistema eletrônico impede a contagem de votos duplicados e garante que cada eleitor vote apenas uma vez.
Ao fim do pleito, todas as urnas eletrônicas do país são recolhidas e armazenadas pelos Tribunais Regionais Eleitorais (TRE), sendo que algumas são armazenadas em um galpão do próprio TSE.
A urna pode ser hackeada?
A Justiça Eleitoral adquiriu a parte física, o hardware, através de um processo de licitaçao, elas são produzidas no Brasil. Enquanto isso, o TSE desenvolveu o programa usado para a votação, o software. Vale destacar que as urnas não são conectadas à internet em nenhum momento.
Por não ter acesso à internet e nem conexão com nenhuma rede de computadores, a urna eletrônica não pode ser hackeada. E ainda que isso fosse possível, modificar qualquer dado contido nas urnas faria com que o TSE identificasse imediatamente o ocorrido, pois haveria traços virtuais. Principalmente porque não existe uma forma para recriar ou manter as assinaturas digitais das autoridades em caso de invasão.
A urna eletrônica tem três cartões de memória que contêm dados sobre os eleitores e os candidatos. Ao fim de cada dia de votação, digitam um código no aparelho, que então imprime três vias dos Boletins de Urna – que aponta o número de votos que cada candidato recebeu naquela seção. Esses boletins são assinados pelos mesários e afixados nas portas das seções para que todos possam verificar.
Os dados das urnas são então transmitidos de forma segura para os servidores do TSE, onde são totalizados e divulgados para a população. Todo o processo é acompanhado por observadores internacionais e auditores independentes, que asseguram a lisura do processo.
O TSE realiza ainda testes públicos de segurança, onde hackers e especialistas em tecnologia são convidados a tentar violar o sistema. Até hoje, não há registros de fraudes comprovadas nas urnas eletrônicas brasileiras, o que reforça a confiança neste sistema.
Porque as urnas e eleições são contestadas e atacadas?
A contestação das urnas eletrônicas e das eleições no Brasil tem raízes em uma combinação de desinformação, teorias da conspiração e interesses políticos. A desconfiança nas urnas eletrônicas, apesar de sua comprovada segurança, tem sido alimentada por figuras públicas e movimentos políticos que questionam a integridade do processo eleitoral.
Nos Estados Unidos, a eleição presidencial de 2020 foi marcada por alegações infundadas de fraude eleitoral, promovidas pelo então presidente Donald Trump. Essas alegações culminaram na invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, quando apoiadores de Trump tentaram interromper a certificação dos resultados eleitorais. Esse evento chocou o mundo com a morte de cinco envolvidos e destacou os perigos da desinformação e da polarização política.
No Brasil, um cenário semelhante ocorreu após a derrota de Jair Bolsonaro nas eleições de 2022. Bolsonaro e seus apoiadores levantaram suspeitas sobre a integridade das urnas eletrônicas, apesar da falta de evidências concretas. Em 8 de janeiro de 2023, manifestantes invadiram a Praça dos Três Poderes em Brasília, em um ato de contestação aos resultados eleitorais. Assim como nos Estados Unidos, esses eventos sublinham a fragilidade da democracia diante da desinformação e do discurso extremista.
Vale destacar que Jair Bolsonaro, em julho de 2022, convidou embaixadores de dezenas de países para tentar propagar mentiras construídas ao longo dos anos sobre o sistema eleitoral brasileiro e as urnas, que o elegeram. Em resposta, a embaixada dos Estados Unidos da América compartilhou um comunicado afirmando que a eleições brasileiras são: “conduzidas e testadas ao longo do tempo pelo sistema eleitoral e instituições democráticas, servindo como modelo para as nações do hemisfério e do mundo”. Disseram ainda que o Brasil tem um forte histórico de eleições livres e justas, com transparência e altos níveis de participação dos eleitores.
A disseminação de informações falsas e teorias da conspiração nas redes sociais têm desempenhado um papel crucial na amplificação dessas desconfianças. Plataformas digitais permitem que rumores e mentiras se espalhem rapidamente, alcançando um grande número de pessoas e minando a confiança nas instituições democráticas.
Para combater essa desinformação, é essencial promover a educação midiática e a transparência no processo eleitoral. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem intensificado seus esforços para esclarecer o funcionamento das urnas eletrônicas e garantir a segurança das eleições. Além disso, a colaboração com empresas de tecnologia e organizações da sociedade civil é fundamental para identificar e combater a disseminação de informações falsas.
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