O riso atravessa os séculos. O Philogelos, cujo nome significa “Amor ao Riso” em grego, prova isso. Essa coletânea de piadas surgiu na Antiguidade Tardia e representa o primeiro livro de piadas da História. Com quase dois mil anos, traz piadas que ainda fazem sentido hoje.

Embora seja a coleção de piadas mais antiga preservada, o Philogelos não foi o primeiro livro desse tipo. O historiador Ateneu relata que Filipe II da Macedônia pagou para que um clube social de Atenas reunisse as melhores piadas de seus membros. O dramaturgo romano Plauto também mencionou livros de piadas em suas comédias, mostrando que essa prática era comum na Antiguidade.

Os estudiosos atribuem o Philogelos a Hierocles e Philagrius, mas pouco se sabe sobre eles. Provavelmente, apenas compilaram piadas populares na época. Com base na linguagem e nas referências históricas, pesquisadores estimam que o texto surgiu por volta do século IV d.C.

Philogelos – Sobre a obra

A obra contém cerca de 260 piadas, organizadas por arquétipos comuns: o estudioso distraído, o trapaceiro, o misantropo, médicos e pacientes, professores e alunos, maridos e esposas. Também inclui piadas étnicas sobre cimeus, sidônios e abderitas, geralmente retratados como ingênuos ou supersticiosos.

Os temas do Philogelos revelam muito sobre a sociedade grega de 1600 anos atrás. O humor frequentemente zombava de pessoas consideradas burras, assim como de escravos e carecas. Isso reflete a estrutura social da época, em que a ignorância provocava risos, a calvície carregava um estigma e os escravos eram tratados como mercadorias descartáveis.

Quer um exemplo? Uma das piadas diz: “Um idiota, um careca e um barbeiro viajaram juntos. Acampando em um local remoto, decidiram fazer turnos de quatro horas para vigiar seus pertences. O barbeiro ficou com o primeiro turno e, querendo se divertir, rapou a cabeça do idiota enquanto ele dormia. Quando seu turno acabou, ele acordou o idiota. Ao despertar e esfregar a cabeça, o idiota percebeu que estava careca e, indignado, resmungou: ‘Que idiota esse barbeiro é… ele acordou o careca no meu lugar!'”

Outra piada, que poderia estar em um show de stand-up moderno, diz: “Um indivíduo foi ao encontro de um idiota e reclamou: ‘Aquele escravo que me vendeste morreu!’ ‘Juro por todos os deuses – desculpou-se ele -, que ele nunca tinha feito tal coisa quando eu o tinha!'”

O ser humano e o humor

A psicóloga Hoorie I. Siddique explica que o riso pode reduzir inibições e interromper o pensamento crítico. Isso pode ser perigoso quando ocorre às custas de pessoas vulneráveis, pois desumaniza a vítima e impede a empatia. Por outro lado, zombar de figuras poderosas pode humanizá-las e incentivar a resistência contra a opressão.

Estudos também indicam que outros primatas compartilham comportamentos semelhantes. Pesquisadores analisaram 75 horas de filmagens de chimpanzés, bonobos, gorilas e orangotangos, catalogando diversas formas de brincadeiras provocativas. Segundo a primatologista Isabelle Laumer, essas provocações raramente resultavam em agressividade, sugerindo que serviam para testar limites sociais e fortalecer laços. Da mesma forma, o humor humano muitas vezes cria conexões sociais através do riso.

Em 2008, o comediante britânico Jim Bowen testou algumas piadas do Philogelos em público. O resultado variou: algumas arrancaram risadas, outras soaram confusas. O comediante Jimmy Carr comentou que algumas delas são “impressionantemente semelhantes” às piadas modernas.

O humor mudou ao longo dos séculos, mas algumas coisas nunca saem de moda. Rir de mal-entendidos, ironias e absurdos da vida sempre fez e sempre fará parte da experiência humana. Se até os gregos riam das mesmas bobagens que a gente, talvez o mundo não tenha mudado tão drasticamente assim.

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