Pesquisador goiano é destaque mundial por avanços no tratamento de doenças cardiovasculares
08 dezembro 2024 às 00h00
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A medicina de precisão tem avançado no Brasil, e o professor goiano da Universidade Federal de Goiás (UFG), Dr. Weimar Kunz Sebba Barroso de Souza, de 54 anos, está na vanguarda dessas pesquisas. Atuando há mais de 25 anos, ele se dedica a estudos que buscam individualizar tratamentos e prevenir doenças cardiovasculares e cerebrais de forma mais eficiente. Com uma trajetória marcada pela paixão pela cardiologia e pela formação de novos pesquisadores, Dr. Weimar tem contribuído para a ciência brasileira, validando métodos internacionais e desenvolvendo inovações locais que estão transformando o cuidado com a saúde em Goiás e no país. Em entrevista exclusiva ao Jornal Opção, ele detalhou as suas trajetórias de pesquisa e os avanços que têm mudado o entendimento sobre doenças cardiovasculares e seus efeitos no cérebro.
A força de uma trajetória acadêmica sólida
Formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG), onde ingressou aos 16 anos, Weimar construiu um currículo acadêmico robusto. Mestre em 2005 e doutor em 2011, ele consolidou sua carreira como professor associado em cardiologia e vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da UFG. Atualmente, é também chefe do Departamento de Clínica Médica da instituição e coordena a Unidade de Hipertensão Arterial, onde lidera estudos clínicos de relevância internacional.
“Eu sempre admirei os professores, mas entendi que o verdadeiro impacto estava em gerar dados que poderiam ser ensinados e aplicados. A pesquisa é o que permite a evolução do conhecimento”, afirmou o professor.
A trajetória de Dr. Weimar é marcada por uma forte inspiração familiar. Sua especialização em cardiologia foi, em grande parte, inspirada por seu pai, um cardiologista que não conseguiu concluir sua formação, mas que sempre foi apaixonado pela área. Barroso revela que acompanhava seu pai em congressos médicos desde muito cedo, o que consolidou ainda mais seu interesse pela cardiologia. “Ele sempre me ensinava a tratar cada paciente como se fosse o primeiro. Esse amor pela medicina, especialmente pela cardiologia, eu devo a ele”, afirma, emocionado.
O passo decisivo na sua carreira aconteceu em 1997, quando recebeu um convite para se integrar à Liga de Hipertensão Arterial da UFG, que existe desde 1989 e é reconhecida por sua atuação no ensino, assistência e pesquisa. Para Barroso, esse espaço foi a sua verdadeira escola, onde iniciou suas investigações científicas. Ao longo de sua carreira, ele não apenas se aprofundou em estudos sobre hipertensão, mas também expandiu seus interesses para áreas correlatas, como o envelhecimento biológico e o impacto da pressão arterial sobre a saúde cerebral.
Contribuições científicas
Um dos estudos mais notáveis que Weimar está envolvido é o FEEL (Influência do Bem-Estar Espiritual na Pressão Arterial Central Hemodinâmica e Função Endotelial), iniciado em 2022, em parceria com a criadora do estudo que o estruturou para sua tese de doutorado, Maria Emília Figueiredo Teixeira. A pesquisa revelou como intervenções baseadas na espiritualidade podem reduzir a pressão arterial e melhorar a função endotelial, evidências que destacam o papel da espiritualidade na prevenção de doenças cardíacas.
O estudo acompanhou 100 pacientes goianos voluntários hipertensos submetidos a intervenções baseadas na espiritualidade, como meditação e práticas reflexivas. As conclusões preliminares apontam para uma redução na pressão arterial e melhorias na função endotelial — o tecido que reveste o interior dos vasos sanguíneos.
Dr. Weimar explicou que o estudo foi estruturado para estimular os participantes a desenvolverem quatro pilares fundamentais: gratidão, propósito de vida, predisposição ao perdão e religiosidade. A intervenção incluiu tarefas diárias que incentivavam os participantes a refletirem e agirem sobre esses sentimentos. “No primeiro dia, mandávamos uma mensagem falando da importância de ser grato. No segundo, uma tarefa para exercitar esse sentimento. No terceiro, os participantes eram estimulados a escrever sobre o que fizeram. E isso seguia com o perdão, o propósito de vida e a prática religiosa organizada”, detalhou.
Os resultados apontaram benefícios concretos para a saúde cardiovascular em três desses pilares: gratidão, perdão e propósito de vida. Essas práticas não apenas reduziram a pressão arterial, mas também melhoraram a função endotelial, um indicador de saúde arterial. “Nós avaliamos isso em relação à medicina de precisão, ou seja, o quanto essa intervenção era capaz de melhorar a saúde das artérias. Os nossos vasos são revestidos por uma membrana chamada endotélio, que produz substâncias que podem fazer bem ou mal ao sistema cardiovascular. Usamos um método chamado dilatação fluxo-mediada para medir essa capacidade. É um equipamento único na América Latina e mostrou que as pessoas que participaram das intervenções apresentaram maior capacidade de vasodilatação”, explicou o pesquisador.
Por outro lado, a religiosidade organizada, que inclui a participação em igrejas ou instituições religiosas, não apresentou impacto significativo. Segundo o Dr. Weimar, o diferencial está na compreensão do valor ético e moral, independente da prática religiosa formal. “Religião de forma organizada não interferiu. Se sou espírita, católica ou evangélica, ou se não frequento igreja alguma, isso não faz diferença. O que importa é entender que precisamos ser bons. Não adianta ir à igreja e não compreender que o objetivo é tentar sair dessa vida melhor do que chegamos”, afirmou.
A pesquisa também identificou uma maior resiliência emocional em profissionais da saúde espiritualizados, fator que contribui para a redução do burnout.
“A espiritualidade não é necessariamente religiosa; é uma conexão maior consigo mesmo e com o ambiente”, explica Weimar. Ele enfatiza que às práticas utilizadas no estudo podem impactar positivamente a saúde cardiovascular, reduzindo fatores de risco como estresse e hipertensão.
“Saúde não é apenas ausência de doença, mas também equilíbrio emocional e espiritual”, explica Weimar. Ele ressalta que o FEEL é mais do que uma pesquisa acadêmica; é uma proposta de cuidado humanizado que valoriza o paciente como um todo.
O estudo FEEL foi reconhecido como um marco na medicina de precisão, recebendo prêmios e sendo apresentado em eventos de alto prestígio. “O estudo foi premiado como o melhor trabalho científico em nosso congresso. No Congresso Americano, ele ganhou o status de Late Breaking Clinical Trials, que é reservado para os principais estudos científicos do momento”, destacou o Dr. Weimar. A importância do estudo também foii reconhecida no congresso da American College of Cardiology, em Atlanta, e no Congresso Brasileiro de Cardiologia, onde recebeu o prêmio de melhor pesquisa científica em 2024.
Outro projeto relevante de Weimar é o ARCHIMEDES, que explora terapias anti-inflamatórias e antitrombóticas para reduzir eventos cardiovasculares em pacientes com acidente vascular cerebral isquêmico agudo. Já o estudo NEXT, iniciado em 2021, compara combinações de três medicamentos anti-hipertensivos em doses baixas/moderadas com dois fármacos em doses elevadas. Essa pesquisa, conduzida pela UFG, busca redefinir estratégias terapêuticas para pacientes com hipertensão resistente, impactando diretamente a prática clínica. O professor Weimar conta ainda sobre o estudo PROVEN-DIA, que avalia a efetividade de um programa de prevenção de diabetes tipo 2 na população brasileira.
Impacto da hipertensão na saúde cerebral
Outro foco importante de sua pesquisa é a relação entre hipertensão arterial e saúde cerebral. A hipertensão é um dos maiores fatores de risco para o desenvolvimento de doenças cerebrovasculares, como o acidente vascular cerebral (AVC), além de prejuízos cognitivos que podem levar a quadros de demência, como a doença de Alzheimer. Barroso e sua equipe têm se dedicado ao estudo dos mecanismos que ligam a hipertensão ao dano cerebral. Eles investigam, por exemplo, como a pressão intracraniana se comporta em pacientes hipertensos. “A hipertensão arterial é a principal causadora de danos cerebrais, mas os mecanismos exatos que levam a isso ainda são pouco compreendidos”, explica Barroso.
Em 2021, o pesquisador se deparou com uma publicação revolucionária de um grupo da USP que desafiava conceitos estabelecidos sobre a autorregulação cerebral, que postula que o cérebro mantém a pressão intracraniana constante, independentemente das flutuações na pressão arterial. Essa descoberta motivou Barroso a entrar em contato com os pesquisadores da USP e a colaborar ativamente para avançar no estudo dos efeitos da hipertensão sobre a pressão intracraniana. Atualmente, sua unidade de pesquisa coordena projetos de investigação junto a esses grupos, incluindo pesquisadores da Universidade de Barcelona e do Hospital Albert Einstein.
Ademais, ele também coordena o Estudo Cérebro, que acompanha idosos goianos por cerca de 10 anos, analisando o impacto da saúde cardiovascular na cognição. Paralelamente, pesquisas como o VISIONAIRE exploram estratégias antitrombóticas em pacientes com fibrilação atrial e doença renal crônica.
Medicina de precisão: uma abordagem transformadora
Para Barroso, uma das maiores conquistas de sua carreira foi contribuir para o avanço da medicina de precisão. Essa abordagem visa personalizar o tratamento dos pacientes, levando em consideração não apenas os fatores de risco conhecidos, mas também características individuais, como a idade biológica e alterações subclínicas que podem indicar riscos futuros. O objetivo é intervir precocemente, antes que as doenças se manifestem de forma mais agressiva. Ele acredita que a medicina de precisão é o futuro, pois permite uma avaliação mais precisa e menos arriscada para os pacientes, o que evita tratamentos desnecessários.
Essa abordagem é aplicada de forma prática em seu consultório e em suas pesquisas clínicas. Seus pacientes têm acesso a métodos inovadores, como a avaliação de pressão intracraniana e testes cognitivos, que visam não apenas tratar, mas também prevenir o agravamento de doenças relacionadas à hipertensão.
Inovação na área de cardiologia brasileira
Além disso, Barroso e sua equipe também têm se dedicado à identificação precoce do risco de envelhecimento vascular acelerado. Um dos marcos dessa linha de pesquisa foi a validação de um score clínico de avaliação para a população brasileira, o SEIGE. “Esse score, que validamos para o Brasil, é um exemplo de como conseguimos aplicar a pesquisa em benefício direto dos pacientes”, explica.
Hoje, o SEIGE é utilizado no atendimento diário aos pacientes do Hospital das Clínicas da UFG, permitindo um diagnóstico mais preciso e eficaz e completamente gratuito pelo SUS. Segundo Weimar, o SEIGE, avalia fatores como idade, função renal, glicemia e pressão arterial, ajudando a classificar os indivíduos em risco de doenças cardiovasculares ou envelhecimento biológico acelerado.
Com mais de 280 mil pacientes monitorados em bancos de dados de hipertensão no Brasil, Barroso tem contribuído diretamente para a redefinição do tratamento da hipertensão e da classificação dos tipos de hipertensão. Ele acredita que essas pesquisas podem mudar a forma como o Brasil lida com doenças cardiovasculares, promovendo uma medicina mais eficiente e acessível.
Um legado de sucesso e valorização humana
Weimar Barroso é autor de mais de 200 artigos publicados em periódicos de alto impacto, com suas pesquisas amplamente citadas e reconhecidas globalmente. Sua trajetória, marcada por dedicação, inovação e compromisso com a ciência, o coloca entre os pesquisadores mais influentes da atualidade. Em 2023, a Universidade Federal de Goiás (UFG) celebrou a inclusão de nove de seus docentes na lista de pesquisadores mais influentes do mundo. Destes, cinco foram reconhecidos como os mais citados ao longo de suas carreiras em suas respectivas áreas, conforme levantamento realizado pela Universidade de Stanford em parceria com a editora Elsevier. Entre os nomes destacados, está o de Weimar S. Barroso, que também é o primeiro goiano a presidir a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).
Em meio ao reconhecimento de Stanford, Weimar mantém os pés no chão. “Esse mérito não é só meu, mas de uma equipe dedicada, formada por colegas pesquisadores, estudantes e pacientes que participam de nossos estudos”, afirma. Ele destaca que o trabalho científico é fruto de colaboração e que o avanço no campo da medicina depende de esforços conjuntos.
Ao refletir sobre sua trajetória, Barroso destaca que, mais do que os artigos publicados e as descobertas científicas, a maior contribuição de seu trabalho tem sido a formação de novos pesquisadores e professores na área da saúde. “A pesquisa é um trabalho de equipe, e um dos maiores legados que podemos deixar é melhorar a formação de outros profissionais”, conclui o cardiologista.
Valorização dos pacientes e da vida
Além da contribuição científica, Weimar é conhecido por sua empatia e dedicação aos pacientes. Um episódio marcante em sua vida foi a substituição de todos os prêmios do consultório por um desenho de uma mão feito por sua filha, realizado durante um momento delicado de saúde na família. Para ele, esse gesto simboliza a essência da medicina: a humanidade e o cuidado com o outro.
“Os pacientes não são apenas números em gráficos ou estatísticas. Cada um tem uma história, uma vida que merece atenção e respeito. É isso que tento transmitir em tudo que faço, seja no consultório ou em pesquisas”, conclui o cardiologista.
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