“O uso de um imóvel público não justifica uma sanção tão grave” diz autor da Lei da Ficha Limpa sobre sentença
11 dezembro 2024 às 18h30
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O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), vai recorrer ao Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE- GO) da decisão que dada em primeira instância que condenou o prefeito eleito de Goiânia, Sandro Mabel (UB); a vice-prefeita eleita, Cláudia Lira (Avante); e o governador do estado por abuso de poder político durante as eleições municipais deste ano.
Especialistas em direito eleitoral apontam que o governador possui chances consideráveis de reverter essa decisão nas instâncias superiores, especialmente com base na interpretação da Lei da Ficha Limpa.
Márlon Reis, um dos autores da lei explica que a reversão de uma decisão como essa passa principalmente pela análise da gravidade da infração. “A Lei da Ficha Limpa exige que a infração seja grave o suficiente para justificar a inelegibilidade e a cassação de mandato”, explica Reis.
O caso de Caiado se refere ao uso de bens públicos, no caso o Palácio das Esmeraldas, que é a residência governador, para fins eleitorais. Contudo, para que a sanção de inelegibilidade seja aplicada, é necessário que a infração tenha um impacto substancial sobre o processo eleitoral.
Reis acredita que a defesa de Caiado pode argumentar que, apesar da infração ter ocorrido, a gravidade dos atos não foi suficiente para comprometer a legitimidade da eleição. “A defesa pode sustentar que a utilização da instalação pública não teve o impacto eleitoral necessário para justificar a inelegibilidade”, afirma o especialista.
Ele ressalta que, conforme a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a análise de um caso como esse não pode ser binária; ou seja, a Justiça Eleitoral não deve fazer um simples juízo de ‘sim’ ou ‘não’, mas ponderar as circunstâncias do caso.
O uso de bens públicos para fins eleitorais é, de fato, uma infração prevista no artigo 73 do Código Eleitoral, mas essa conduta não é automaticamente punida com a inelegibilidade. “O uso de um imóvel público, por si só, não justifica uma sanção tão grave como a inelegibilidade. É preciso avaliar a gravidade do impacto da infração”, reforça Márlon. Para ele, a decisão final dependerá da comprovação de que houve um efeito prejudicial significativo ao equilíbrio do pleito, o que ainda está em disputa no caso de Caiado.
Além disso, a ausência de envolvimento direto de Caiado em ações como pedidos explícitos de votos pode ser um ponto favorável à defesa. “A Justiça Eleitoral tende a avaliar a intenção por trás das condutas. Se não houver um pedido claro de votos ou uma estratégia eleitoral evidente, isso pode enfraquecer a tese de abuso de poder”, afirma Reis. Esse argumento é importante, pois a acusação se baseia em reuniões realizadas em um imóvel público, mas sem evidências concretas de que essas reuniões tenham tido um objetivo eleitoral direto.
A gravidade das infrações, conforme a jurisprudência do TSE, deve ser analisada tanto qualitativamente quanto quantitativamente. No caso de Caiado, a defesa pode argumentar que, apesar de o evento ter ocorrido em um bem público, não há provas de que a reunião tenha impactado de forma significativa o processo eleitoral. “Em situações como essa, onde não há evidência clara de que o ato ilícito afetou o resultado das eleições, a aplicação de sanções severas é questionável”, acrescenta Reis.
Decisão é vista com desconfiança
A presidente da Comissão de Direito Político e Eleitoral da OAB, Marina Almeida Morais, compartilha da visão de Reis, afirmando que “a jurisprudência exige que a gravidade seja analisada de forma qualitativa e quantitativa: foi socialmente reprovável? Quantos eleitores foram efetivamente atingidos?”. Ela também destaca que, em casos semelhantes, práticas como essa geralmente resultam em multas, e não em cassações. O impacto real sobre o pleito é um fator crucial para a definição da pena, o que pode ser um fator favorável a Caiado.
A decisão de inelegibilidade ainda pode ser revista nas instâncias superiores, incluindo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que terá a responsabilidade de examinar o caso à luz dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. “O TSE tem o papel de avaliar se a decisão está de acordo com a gravidade da infração e se as sanções aplicadas são proporcionais”, observa Reis. Caso as instâncias superiores concluam que a gravidade da infração não foi suficientemente comprovada, a reversão da decisão é possível.
Um ponto adicional que pode influenciar a decisão do TSE é o argumento da defesa de Caiado de que as provas utilizadas para condená-lo foram “tiradas de contexto”. Reis considera que, se esse argumento for convincente, pode ter peso significativo no julgamento das instâncias superiores. “Se a defesa conseguir demonstrar que as provas foram mal interpretadas ou desconectadas do contexto geral, há uma boa chance de reverter a decisão”, afirma.
O processo de revisão de uma decisão de inelegibilidade no TSE leva em consideração não apenas a gravidade da infração, mas também o impacto real nas eleições. “Em casos em que a conduta não prejudicou de maneira substancial o equilíbrio do pleito, o TSE tende a ser mais flexível na aplicação das sanções”, explica Reis. Esse ponto pode ser crucial para o futuro político de Caiado, já que a aplicação de uma pena tão grave quanto a inelegibilidade depende de provas sólidas de que a infração afetou de maneira decisiva o processo eleitoral.
Embora a decisão da Justiça Eleitoral de Goiás tenha sido firme, especialistas acreditam que as chances de reversão são reais. O caso ainda se encontra em fase de recursos, e a análise das instâncias superiores será determinante para definir se a inelegibilidade de Ronaldo Caiado será mantida ou revertida. Em um contexto eleitoral cada vez mais complexo, a interpretação da Lei da Ficha Limpa e o rigor nas decisões do TSE terão um papel crucial nesse processo.
Se a sentença for revista, Caiado poderá seguir com sua elegibilidade intacta, mas, caso a decisão seja confirmada, o governador ficará inelegível até 2032, o que poderá ter implicações importantes para a política em Goiás. O cenário ainda está em aberto, e o desfecho dependerá da análise cuidadosa dos fatos e da aplicação proporcional das sanções, conforme os princípios da legislação eleitoral.
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