O caso do padre César Garcia, as fotos de Fernandão e a praga da fofoca

12 junho 2014 às 11h12

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Não há nada que atraia tanto o ser humano como uma boa morbidez. A maldade está em nós, resta-nos saber lidar como domá-la
Cada vez me convenço de que o grande problema das relações humanas é a picuinha. Antigamente, esse tipo de praga se dava por meio do boca a boca, o disse me disse, a conversinha. Uma forma dissimulada — e por isso mesmo, mais perigosa — de crueldade.
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Hoje, não. Os mexericos com o vizinho por cima do muro são coisa do passado. Eles mudaram de plataforma e potencializaram seu dano por meio da internet e das diversas formas de interação.
É nesse contexto de tecnologia multimídia que se inserem duas grandes maldades em forma digital: a divulgação de fotos dos corpos do acidente que matou o ex-jogador Fernandão e a “denúncia” de que o padre César Garcia estaria celebrando um casamento gay.
Este segundo caso chegou à Cúria Metropolitana, provavelmente por alguém que tenha visto as fotos no Facebook ou algo assim, e o arcebispo achou por bem punir preventivamente o padre. Um fato que, quando apurado de fato, pela via da verdade, deve certamente provar que não houve nada do que a fofoca que chegou aos ouvidos de dom Washington Cruz. Ironicamente, são as próprias fotos que comprovam que não estava ali o “padre” César Garcia, mas o “cidadão”. De toda forma, não fosse a tentação da injúria todo esse desgaste teria sido evitado.

Nesse ponto, é admirável o posicionamento externado pelo papa Francisco: “Quem sou eu para julgar?”, disse ele, ao ser questionamento sobre o que pensaria sobre a afetividade entre duas pessoas homossexuais. Em outras palavras, ele quis dizer ao jornalista que, se cada um cuidar da própria vida e deixar às dos outros em paz, seremos todos mais felizes.
A outra questão é mórbida em si. Hoje os jornais sanguinários, assim como as revistas pornográficas, são artigos em extinção: ora, se tudo isso pode chegar no celular de graça, por que pagar? E é pelas redes sociais, notadamente pelo aplicativo WhatsApp (que tem muita utilidade, é bom ressaltar, tanto que com apenas um ano de aparição no mercado se impôs quase que de forma necessária na população, apelidado de “zap zap”), que se propaga tudo, de bom e de ruim.
E não há nada que atraia tanto o ser humano como uma boa morbidez. É quase tão irresistível olhar um acidente, ou a exposição de um corpo, como foi para a mulher de Lot se virar para trás e ver Sodoma e Gomorra em chamas. Ocorre que, como ninguém vira estátua de sal, alguns do que veem acham “legal” propagar as imagens, para se tornar popular na rede, para “dar a notícia”. Acham bonito, como achava bonito o que fazia aquela vizinha fofoqueira do bairro.

No meu “zap zap”, pela segunda vez, recebi hoje fotos nada agradáveis do ex-jogador e da cena do acidente com exposição dos corpos. Foram quatro ou cinco, provavelmente divulgadas por alguém que teve contato direto com a cena. Nem é bom pensar que a divulgação das imagens tenha se iniciado por um agente público — haviam vários para isolar a área —, mas essa hipótese não pode ser de forma alguma descartada.
A maldade está em nós. É um fato. Resta-nos saber lidar com ela, domá-la. Para evitar a propagação de coisas malévolas, uma regra de ouro é contar até dez e se perguntar “o que eu faria se isso fosse com meu filho, minha mãe ou alguém da minha família?”.
P.S.: Nem falei sobre a questão do boato sobre o serial killer da motocicleta, propagado pelo WhatsApp. Nem do linchamento da mulher inocente no Guarujá. Mas esses exemplos dão bem a ideia da força destrutiva que tem uma fofoca.