Em Nerópolis, cidade localizada a 36 quilômetros de Goiânia, uma iniciativa de Prefeitura tem chamado a atenção. Pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) que precisam de cirurgias eletivas estão sendo encaminhados para fazê-las em hospitais particulares – tanto na própria cidade quanto em Goiânia. Isso graças a editais de chamamento público de credenciamento realizados pela administração municipal com os estabelecimentos de saúde por meio de dispensa de licitação.

Para realizar o credenciamento, a Prefeitura realizou um ato declaratório de inexigibilidade, assinado pela secretária municipal de Saúde, Geyciane Rosa de Oliveira. No texto do documento, a justificativa para tal ato seria o nível de especialização do serviço contratado, além da “inviabilidade de competição”. No entanto, não se explica detalhadamente quais seriam os pormenores que inviabilizariam uma concorrência por meio de licitação.

De acordo com a advogada especializada em Direito Médico e conselheira da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Goiás (OAB-GO), Caroline Santos, legalmente, a Prefeitura pode fazer o credenciamento desde que o texto não beneficie nenhuma instituição específica. “Tem que ter iguais condições para todos que querem prestar o serviço”, pontuou. Ao analisar a documentação, a advogada, inclusive estranhou o fato de não estar bem especificado o motivo da impossibilidade de realização do processo licitatório.

Para a especialista, é importante que o Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) analise minuciosamente a questão “para que faça a fiscalização da lei e veja se há algum tipo de desvio ou não”. “O credenciamento é um tipo de instrumento administrativo possível, mas é uma forma de escolha dos prestadores de serviço mais rápida porque a saúde não pode esperar”, afirmou.

Em nota, o MP-GO informou que que não há nenhuma denúncia registrada envolvendo a saúde pública de Nerópolis. O Jornal Opção também procurou Hospital São Francisco de Assis, mas até o momento não teve retorno.

O termo de referência que possibilitou a contratação diz que, para participar do credenciamento, os hospitais precisariam possuir leitos de UTI adulto, além de realizar procedimentos cirúrgicos nas áreas de ortopedia, aparelho digestivo, cirurgia plástica e urologia. Com duração de um ano, o contrato firmado prevê o pagamento de tabela “Unimed” para cada paciente operado pela unidade de saúde credenciada.

Inclusive, ao explicar o porquê do pagamento do valor que o plano de saúde paga aos hospitais, o termo de referência diz o seguinte: “a tabela do referido plano é a mais utilizada pelos prestadores de serviços de procedimentos cirúrgicos de média e alta complexidade em nosso Estado, abrindo assim a possibilidade de uma quantidade razoável de hospitais se interessarem em prestar os serviços ora elencados”. No entanto, segundo a Prefeitura, apenas um estabelecimento de saúde participou do processo de credenciamento: o Hospital São Francisco de Assis, em Goiânia.

Nerópolis não é o único município que credencia hospitais particulares para realização de cirurgias eletivas. No ano passado, a Prefeitura de Abadia de Goiás credenciou o Hospital Santa Lúcia para fazer 170 cirurgias com o intuito de “zerar a fila”. Na mesma ocasião, também foi credenciada a Clínica CoreClin para atender 800 pacientes da cidade com exames eletivos. E Brasil a fora, em Foz do Iguaçu, a administração municipal recorreu ao mesmo instrumento para realização de mais de 3 mil procedimentos cirúrgicos eletivos de média e alta complexidade.

Tabela de plano de saúde

O texto do termo de referência publicado pela Prefeitura de Nerópolis prevê ainda que os valores que serão pagos ao hospital “passaram por auditoria interna da Secretaria Municipal de Saúde, realizada por profissional contratado para esta finalidade e com experiência de 20 anos de auditoria em serviços de saúde”. Além disso, a tabela de pagamento foi analisada e aprovada pelo Conselho Municipal de Saúde, que aprovou também a quantidade de cada procedimento que poderá ser feita no prazo de um ano.

Por exemplo: o documento prevê a realização de 77 mamoplastias redutoras (unilaterais) – popularmente conhecidas como cirurgia de redução de mama -, num valor unitário de R$ 4.522,77, totalizando um investimento total de quase R$ 350 mil. Se todos os outros 43 tipos de serviços forem utilizados, que incluem diárias de UTI e consultas pré-operatórias, eles custarão aos cofres públicos o montante de pouco mais R$ 4,3 milhões.

“Todas as outras cirurgias já são feitas aqui na cidade, por meio de outros convênios”, garantiu o secretário de Comunicação do município, José Roberto Silva. Desde 2017, a Prefeitura já realiza esse tipo de credenciamento e o Hospital Sagrado Coração de Jesus, um hospital particular de Nerópolis que realiza desde partos a cirurgias de hérnia.

Hospital particular de Nerópolis recebe do município tabela de plano de saúde para fazer cirurgias | Foto: Edmilson Hora

No entanto, segundo José Roberto, um novo credenciamento para outros tipos de cirurgia que exigem um centro cirúrgico mais complexo, com aparelhagem específica, se fez necessário uma vez que o hospital já credenciado não as comporta. Esse é o caso das cirurgias bariátricas, urológicas, ortopédicas e plásticas que a partir do mês de junho serão realizadas pelo Hospital São Francisco de Assis com o objetivo de atender a população de Nerópolis usuária do Sistema Único de Saúde.

O secretário reconhece que essas cirurgias já são realizadas pelo SUS em hospitais da rede estadual e isso não custaria nada à Prefeitura. No entanto, a demora na fila fez que essa medida fosse tomada. “Tem paciente que espera mais de dois anos por uma cirurgia no joelho. Nossa ideia é zerar a fila, como já fizemos com a cirurgia da catarata, por exemplo, que sequer é oferecida pelo SUS”, garante José Roberto.

O secretário de Comunicação ainda explica que na cidade já existe um Núcleo de Especialidades Médicas, todo mantido pela Prefeitura, onde os pacientes são atendidos em 28 especialidades distintas. Assim, de forma gratuita, médicos especialistas fazem o primeiro atendimento e, caso haja necessidade, uma cirurgia.