Mês Orgulho LGBT+: conheça Amanda Souto Baliza, advogada e ativista trans em defesa dos direitos humanos

11 junho 2024 às 13h01

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Esta é a primeira reportagem de uma série especial intitulada “Mês Orgulho LGBT+”, que celebra as conquistas, a diversidade e os direitos das pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, queer e demais identidades, orientações sexuais e de gênero.
“Motivo de orgulho é fazer parte dessa história, que é uma história de conquista para muitas pessoas”, afirma a advogada, Amanda Souto Baliza, ao se referir à atuação que desempenha no campo jurídico em defesa da pauta LGBT +. Ao Jornal Opção, Amanda compartilha parte de sua trajetória pessoal e profissional, que a levou a se tornar uma das figuras mais influentes em todo o estado ligado à luta da comunidade LGBT +.
Nascida em 1991, na cidade de Estrela do Norte, a 340 km de Goiânia, Amanda foi criada em um lar religioso. Filha de pais atuantes na comunidade católica, sua criação foi muito conservadora. Seu pai era balconista em uma farmácia e a mãe costureira. Em seu lar, havia um irmão biológico mais novo e dois irmãos de criação, um mais velho e outro mais novo.
Quando, ainda na infância, começou a questionar pontos ligados à identidade de gênero (sem saber ao certo do que se tratava), logo reprimiu qualquer ação nesse sentido. “Sabia que aquilo seria algo proibido”, disse ao se referir à criação que teve. “Não vou viver isso e vou deixando para lá”, afirmou.
Apesar da escolha consciente em reprimir os questionamentos que tinha desde a infância, havia consciência de que algo a incomodava. Entre os 5 e 6 anos de idade, durante um evento do dia das mulheres na escola, no qual todas as meninas foram chamadas à frente, Amanda conta que se incomodou por “não estar na frente também”.
Aos 12 anos, veio o ‘click’, o ponto em que se identificou como mulher. Ao assistir o vídeo clipe da música “I love the nightlife”, do filme ‘Priscilla rainha do deserto’, no qual aparece um homem diante de um espelho e começa a se maquiar, assumindo uma figura feminina. “Hoje eu acho até meio boba, porque não tem nada haver com trans, mas na época fez sentido”, comentou bem humorada.
Carreira
A transição de Amanda começa aos 27 anos, mas até esse ponto já havia construído uma carreira de destaque dentro do Direito. Aos sete anos foi para Anápolis continuar seus estudos e, aos 10, foi para Goiânia pelo mesmo motivo. Aos 15 anos, finalizou o Ensino Médio e logo na sequência, já com 16, retornou à Anápolis para cursar Direito. Aos 21 anos, já estava formada e atuando em escritórios.
Quando questionada se carrega arrependimentos dessa época, a jurista destaca que “quando a gente começa um curso assim tão jovem, falta um pouco de maturidade”. A diferença de idade entre ela e os colegas gera, hoje, desconforto. Como não acompanhava as atividades da maioria dos estudantes, já maiores de idade, o “ambiente me deixava um pouco deslocada”, lamenta. Entretanto, o campo de estudos foi algo acertado desde o início.
Após sua graduação, ainda em Anápolis, atuou em um escritório que trabalhava questões do direito penal, ações criminais. Entre 2012 e 2014 a advogada recém formada aprendeu “bastante como funcionava o direito penal e a prática do norte do estado”. Na sequência, se mudou para Goiânia e atuou por quase dois anos em um escritório ligado ao Direito Trabalhista.
Entre o final de 2017 e o início de 2018, Amanda decidiu que “não dava mais”. Nesse ponto iniciou sua transição. À época, trabalhava em um escritório de massa, que atende centenas de demandas, e foi demitida depois que iniciou sua transição. Durante as adaptações, a advogada sofreu para conseguir novos empregos. “Quando a gente não tem passabilidade [aparência feminina], isso realmente atrapalha, infelizmente”, explica.
Transição
Aos 27 anos, Amanda Souto Baliza dá início a sua transição. Atendimentos psicológicos, médicos e terapias hormonais eram recorrentes. Seu pai e irmão biológico mais novo aceitaram a transexualidade de Amanda, entretanto, sua mãe teve resistências. Além dos problemas que enfrentou com parte da família e no meio profissional da época, houve também os preconceitos internos que existiam dentro dela mesma.
“Eu tinha muito preconceito internalizado naquele momento”, explicou. A advogada via os estereótipos da mulher transexual relatados na mídia e no dia a dia das pessoas e temia se tornar um dos clichês tão atacados por todos. “Com o tempo, eu não fui me tornando aquela figura caricata”, explicou ao dizer que o passar do tempo ajudou a pacificar a questão.
No quesito mais técnico e prático de sua transição, a advogada conta que, por ter feito o processo através de plano de saúde, não encontrou muitos problemas. Entretanto, “reconheço que a pessoa que não tem acesso ao plano de saúde ou que está numa condição mais precária, ela tem grandes dificuldades”, explicou.
No campo profissional, durante a transição, Amanda se vinculou aos grupos do Direito que trabalham com os movimentos sociais. Hoje, a advogada é um dos maiores nomes da advocacia de movimentos sociais no estado, mas afirma que no início “foi essa necessidade que me fez trabalhar nessa pauta”. Depois da transição, já inserida em um novo campo profissional, a carreira de Amanda se tornou destaque.
Atuação profissional
Hoje, Amanda acumula conquistas. Ela se tornou a primeira mulher transexual a presidir uma comissão estadual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a nível de Brasil, foi a primeira pessoa trans eleita para um conselho da OAB e atualmente é Presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB Nacional.
Sua atuação na Ordem é destaque, já que trouxe diversos direitos à comunidade LGBT +. “Um estudo de 2006 mostrava que esse grupo [comunidade LGBT +] tinha 37 direitos a menos que a população no Brasil”, explicou ao se referir ao ramo do Direito da Família. “De 2006 para cá, a gente conquistou todos esses direitos”, compartilha orgulhosa.
Outro ponto de destaque foi a aprovação do Provimento da Diversidade da Ordem, aprovado ainda neste ano. O Provimento aprovado garante uma série de direitos para a comunidade LGBTQIA +. O reconhecimento do direito de pessoas LGBT + como direitos humanos pelo conselho federal da OAB, a autodeclaração de orientação sexual e identidade de gênero nos documentos da advocacia e nos sistemas da Ordem, o uso de espaço segregado de gênero de acordo com a identidade do usuário e a garantia de que o nome social seja o único nome exibido nos registros são alguns exemplos de vitórias que vieram com o Provimento da Diversidade.
“É um motivo de orgulho fazer parte desse grupo que constrói os direitos que temos”, afirmou logo antes de concluir dizendo: “Cada vitória que a gente tem deve ser celebrada por milhares de pessoas”.
Quando questionada se sofreu transfobia em alguns dos espaços que atua, Amanda diz que, após a demissão do escritório que atuava no início de sua transição, não encontrou grandes problemas nos espaços ligados à Ordem nacional ou regional, nem nos movimentos sociais. “As pessoas têm alguma curiosidade de fazer algumas perguntas, mas nada no sentido desrespeitoso”, afirmou, destacando também a “passabilidade” (aparência feminina) que pode ajudar na recepção nesses ambientes. “Não vejo como maldade, vejo como querer aprender”, concluiu.
De agora em diante, a advogada planeja se dedicar ao Direito Constitucional, com planos de fazer um mestrado e doutorado, além de seguir na atuação junto aos movimentos sociais.