Leonardo Péricles garante ter projeto inédito na história do país, ao colocar a classe trabalhadora para liderar diretamente

Em entrevista ao Jornal Opção, o pré-candidato à presidência da República pelo UP (Unidade Popular pelo Socialismo), Leonardo Péricles explicou como o projeto de seu partido se diferencia daqueles dos demais partidos de esquerda. Péricles foi candidato como vice na chapa de Áurea Carolina, do Psol, à Prefeitura de Belo Horizonte, ficando em quarto lugar. Ele, que é o presidente nacional do UP, o mais novo partido do Brasil, não teve mandato, mas garante que o projeto é diferente de todos na história do país, ao colocar a classe trabalhadora para liderar diretamente.

“Eu proponho que se coloque em xeque o poder dos ricos no Brasil.”

Leonardo Péricles

Nielton Soares dos Santos – Você ficou em quarto lugar entre 15 candidatos disputando pela chapa do PSOL à prefeitura de Belo Horizonte. Por que decidiu disputar a presidência sem passar pela candidatura ao governo do estado?

Leonardo Péricles – Porque entendemos que existe um vácuo na esquerda política do Brasil. Seguimos um dos princípios centrais da esquerda, que é articular com setores populares sem nos conciliarmos com a direita, mas lutando para superá-los. Não vemos isso em nenhum partido outro. Montamos a Unidade Popular criticando a postura conciliatória que, na nossa opinião, levou a muitos problemas. Conciliar com setores que sempre mandaram e desmandaram no país impede que a esquerda possa apresentar um programa efetivo de transformações profundas para o Brasil. 

Nessa candidatura, apresentamos um programa de base socialista para reformar o país estruturalmente, mexendo com instituições seculares e atrasadas. Entendemos que essa é uma de nossas duas tarefas principais; sendo a outra o enfrentamento ao governo Bolsonaro e ao projeto nazifascista que ele tem para o Brasil. Sua clara intenção é dar um golpe e restabelecer uma espécie de ditadura militar. Entendemos que derrotá-lo passa por impor uma derrota eleitoral para Bolsonaro, mas vai além das eleições, com repúdio claro do povo nas ruas. Essas são as razões por termos lançado nossa candidatura. 

O que diferencia a UP de outros partidos de esquerda como PSTU, PCO?

Buscamos desenvolver um trabalho a partir das periferias. Há uma ausência muito grande da esquerda nas periferias do Brasil. Esse é um erro gravíssimo, porque um dos pilares da esquerda é o trabalho junto às classes exploradas e oprimidas, sobretudo os trabalhadores, camponeses, povos tradicionais e as minorias. 

Quando fizemos o trabalho de coleta de assinaturas para criação do partido, buscamos articulação nesses lugares, onde tivemos apoio de 1,2 milhões de pessoas. Vimos que o vácuo estava aí. Encontramos um povo a fim de mudanças sendo disputado permanentemente pela extrema direita: falsos religiosos (“falsos” porque não podemos dizer que quem defende tortura é cristão de fato), milícias, parlamentares fascistas. 

Essas são bases onde o PT começou, na década de 1980. Acha que o PT se afastou disso?

Não só pelo PT, mas houve um abandono, sim. Setores que ocuparam espaços tradicionais e passaram a priorizar a articulação política em detrimento da relação com as bases. O trabalho da esquerda mais efetivo acontece fora das instituições, do parlamento. Estamos falando das lutas populares, da articulação da força e dos movimentos. Então para a UP não se tornar mais um, nossa concepção é a presença “de baixo para cima”, e não o contrário. A UP está presente nas greves, nas ruas, nas manifestações e nas ocupações – é daí que vem a credibilidade para representação no parlamento, e não o contrário. 

Consideramos que coisas como o golpe de 2016 acontecem pela enorme distância entre os políticos de esquerda e as bases dos trabalhadores. A esquerda não pode abandonar o trabalho popular, pois isso mostra para a população que político não é tudo igual. Esse discurso de que os políticos são todos ruins favorece muito os políticos que realmente são ruins, que há muito mandam e desmandam no Brasil. 

Ao contrário de outros partidos na esquerda, nós não negamos a política por inteira. Negamos a política institucionalizada atrasada que nos levou até aqui porque é comandada pelos muito ricos (os muito ricos são aquela parcela de menos de 1% da população). Mas partindo de baixo, dos pobres, acreditamos que é possível articular essa força para governar o país pela primeira vez na história. Não tivemos na república moderna, mas temos de ter. 

Pobres trabalhadores também elegeram Bolsonaro.

Boa parte dessas pessoas já mudou de opinião, porque perceberam que foram enganadas. Quando Bolsonaro disse que era anti-sistema, que não ia governar com o centrão, que ia “mudar tudo isso que tá aí”, muita gente se convenceu. No entanto, o governo Bolsonaro não foi só mais do mesmo – ele foi o pior presidente desde o final da ditadura militar. A corrupção aumentou enormemente, até propina para vacina tentou dar, como mostraram os senadores na CPI da Pandemia. 

É um governo genocida. Em um total de 660 mil mortes pela Covid, pelo menos 300 mil teriam sido evitadas sem o atraso da compra das vacinas, sem a propaganda contra máscara, contra a ciência. 

Outra questão é o golpismo, a ameaça de não aceitar resultados das eleições via militarismo. É um governo que não merece nenhuma credibilidade do povo, e as pesquisas mostram 48% de rejeição. Os setores dos militares, dos muito ricos – esses segmentos estão desesperados porque sabem que muito provavelmente vão perder pela democracia e precisam de intervenção externa no processo. No dia 7 de setembro e no dia 1ª de maio fizeram apologia ao golpe porque é um governo fraco, em decadência. Isso prova que maioria da população não considera mais Bolsonaro uma alternativa.

Como um governo da UP, mantendo seu discurso, conseguiria conviver com as forças armadas?

As forças armadas não cabem em governo algum. Não é função dos militares compor com nada. A constituição é bem clara: militares não têm que atuar na política porque não são eles que tomam decisões; os representantes eleitos democraticamente decidem e as forças de defesa são parte do Estado. Se a UP vencer as eleições, nosso primeiro passo é colocar as forças armadas no lugar constitucional delas. General não manda em governo, general recebe ordens, é para isso que serve a burocracia militar.

O Brasil é o único país da América do Sul que passou por ditadura no século XX mas não apurou crimes cometidos contra os Direitos Humanos. Continuam aí militares que comandavam tortura, prisão ilegal, ocultação de cadáver, estupro, assassinato (inclusive de crianças como mostraram documentos acessados pela Comissão da Verdade). É um absurdo ficarmos conciliando com essas pessoas, aceitando ter a democracia feita de refém por torturador. Temos de respeitar a história do nosso povo. 

As pessoas atacam esse processo da Justiça de Transição como revanchismo, mas qualquer país minimamente sério considera nossa situação absurda. Imagine se, após a Segunda Guerra Mundial, os nazistas falassem: “a guerra acabou, deixa isso pra lá, é revanchismo isso, já passou, bola para frente.” Agora imagine que essa conversa convence – como estaria a Europa e o Mundo? Por que aqui aceitamos esse papo, todos os militares anistiados, enquanto no Uruguai, Chile e Argentina todos os generais responsáveis foram presos?

A anistia aconteceu por conta da correlação de forças no momento do final da ditadura, que propiciou um apoio com a burguesia brasileira – essa entidade afeita à um “acordão” e habituada a sair pela culatra sem assumir responsabilidades. Mas, segundo todos os tratados internacionais, o crime de tortura jamais prescreve. Então essa conversa de “já passou” não faz sentido. Nós continuamos com a obrigação de responsabilizar até quem já morreu, temos obrigação de rever a história. Facínoras, assassinos do nosso povo, essas pessoas não podem ser homenageadas com nome de avenida. 

As forças armadas me preocupam muito porque são um grupo que saiu do ostracismo nos últimos anos e foram exaltados pela intervenção no Haiti, pela Copa do Mundo e Olimpíadas, e pela intervenção militar no Rio de Janeiro. É um grupo que merece a lata de lixo da história e merece cumprir seu papel que é cuidar de fronteiras e garantir segurança internacional – coisa que não fazem. Nossas fronteiras são permeáveis ao tráfico de drogas e fica por isso mesmo enquanto generais aproveitam a propaganda desses “feitos” que nem estavam em sua alçada. Cocaína viaja até em avião da Força Aérea Brasileira (FAB) e esse pessoal acha que tem condição moral de se apresentar como exemplo. 

A UP conseguiria liderar sem apoio das alas fisiológicas, sem o centrão?

Nós defendemos um governo popular democrático cuja credibilidade venha do apoio da população, e não de acordos com o empresariado. Eles são menos de 1% da população mas influenciam o processo eleitoral, emplacam a maioria dos deputados. Fundo eleitoral e fundo partidário somados resultam em R$ 1,5 bilhões para cada um dos maiores candidatos participarem do pleito. Enquanto isso, a UP não tem fundo partidário e nosso fundo eleitoral é de 0,02% sem tempo de TV e rádio. Quem paga a banda escolhe a música: concretamente quem manda nos representantes é esse 1% e não o interesse de quem votou. 

As pessoas estão certas em parte ao se indignarem com os políticos, porque são eles que colocaram a cara para receber votos, mas existe quem financia e manda nos políticos. Impõem uma democracia burguesa que elege maioria no congresso e aprovam votações contra interesse popular. Desde a redemocratização todas as pesquisas dizem que o Brasil em peso é contra as privatizações, mas as privatizações estão sendo aprovadas em ritmo crescente. Interessa o que a população quer?

Existem soluções que podem amenizar esse problema; a Constituição tem dois mecanismos chamados Referendo Revogatório e os Plebiscitos. Queremos abusar disso. Hoje, com tecnologia, é muito fácil consultar a vontade da população. Por que não decidimos sobre o orçamento do Brasil em termos limpos, mas por procuração a 513 deputados orientados por tecnocratas ligados a bancos e grandes empresas? A reforma trabalhista – uma das maiores enganações da história com a promessa de gerar empregos – o teto de gasto e a reforma da previdência; você tem dúvidas de que o povo não votaria em massa para acabar com isso?

Isso não criaria um conflito com o Legislativo? O Congresso não veria os plebiscitos como um atalho por cima deles? 

Sim, mas, na minha opinião, desde o fim das coligações partidárias, ninguém mais conseguirá contar com maioria no Congresso Nacional. O esquema está montado para o centrão ficar ali decidindo por acordos. Por isso, penso que a esquerda deveria estar focada em reunir apenas um terço do Congresso. Enquanto as decisões são aprovadas com consulta direta da opinião da população, porque essas são reformas estruturais urgentes para resolver problemas gravíssimos históricos do povo. 

UP terá uma chapa puro sangue?

Queremos contar com mais movimentos populares, movimentos sem terra e sem teto, mais sindicatos e entidades de minorias. O partido é um pedacinho apenas do que realmente é a política. Conversamos com o PCB, por exemplo, e conversamos com políticos descontentes de outros partidos – acolhemos, mas não trabalhamos com aliança com a direita.

Como conseguir chegar nas massas sem tempo de TV e Rádio?

Com o trabalho de formiguinha, que foi a mesma forma que conseguimos montar o partido e aparecer em pesquisas. Exigiremos nossa participação em debates, faremos pressão para colocar nossas pautas no ar. 

Como pensa a economia brasileira?

Eu venho dizendo que uma crise econômica profunda como a que passamos é insuperável sem investimentos – é preciso movimentar a própria economia. Sem atitude, a crise piora, pois uma de suas causas é o desemprego que causa baixa no consumo e quebra de empresas e isso retroalimenta o desemprego. 

A dívida pública brasileira consome em refinanciamento R$ 1,9 trilhões do total de R$ 4,7 trilhões do orçamento do país. Refinanciamento não necessariamente é gasto, mas significa contingenciamento. Em outras despesas, a Secretaria da Economia despende R$ 573 bilhões em juros e amortização da dívida. 

Então, apesar de muitos países contraírem dívidas por várias razões, o problema do Brasil é que a dívida não foi contraída para investimento real. Não foram feitas escolas, hospital, saneamento, infraestrutura no país. Quem se beneficiou com a dívida pública foram bancos nacionais e internacionais. Como a dívida impõe juros altos, quem investe também se beneficia. É um problema que os trabalhadores sustentam. 

O teto de gastos não vale para a dívida pública; o Congresso pode comprometer quanto quiser para pagar a dívida enquanto metade da população vive na segurança alimentar. O que dá para fazer com R$ 573 bilhões? Segundo a prefeitura de Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte, uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) custa R$ 1,9 milhões. Então davam para fazer 318 mil upas. Em um ano de pagamento de juros e amortização, resolvemos todos esses problemas mais imediatos. 

Além da auditoria da dívida pública, propomos imposto progressivo com taxação de grandes fortunas. São 315 bilionários no Brasil com R$ 1,9 trilhões em patrimônio. Então esses são apenas dois exemplos de onde pode sair o dinheiro para investimento no Brasil. No Brasil, teríamos condições de ser soberanos, rompermos com nossa dependência internacional. 

Em conjunto com a reforma agrária, penso que problemas como a fome podem acabar. Colocar recursos na agricultura familiar, de forma ecológica, isso é possível em massa. Nenhuma nação bem sucedida no mundo – socialista ou capitalista – deu certo sem fazer alguma espécie de reforma agrária. A extrema direita, além de muito burra, tem a prática de mentir, de forma que hoje se pensa que reforma agrária é coisa de comunista. Eu estive nos Estados Unidos recentemente e lá foi feita a distribuição de terras para famílias populares desde a Guerra Civil Americana, com os Homestead Acts.

Defendemos que não haja acionistas privados em empresas públicas como a Petrobrás. De imediato, precisamos reduzir o preço da gasolina e diesel acabando com PPI (preço de paridade de importação), que é um sistema que vincula o preço do barril produzido aqui ao preço internacional, o que faz com que ganhemos nosso salário em real e compremos em dólar. O refino é feito quase 97% no Brasil, então não faz sentido.

Precisamos reestatizar a BR distribuidora – que foi entregue pelo governo Temer a preço de banana. Então existem várias frentes para atacarmos. Áreas estratégicas são muito sérias para ficarem na mão do setor privado, que é bom em ter lucro mas não em atender interesse público. Coisas como a água são direitos básicos, não devem servir para lucro.