O juiz Rodrigo de Melo Brustolin, da 30ª Vara Cível de Goiânia tomou uma decisão inovadora. Ele aplicou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para condenar um homem a indenizar a ex-mulher por estelionato sentimental.

O magistrado definiu o valor de R$20 mil, por danos morais, e mais R$9.890,01 de danos materiais. Ainda cabe recurso contra a sentença. De toda forma, o juiz explicou que o protocolo orienta o judiciário quanto ao valor probatório da palavra da vítima. Especialmente em casos de relacionamentos abusivos ou de violência de gênero.

“Nesse caminho, a palavra da vítima deve se somar a outros elementos probatórios e, corroboradas por esses, valoradas com peso maior em comparação às afirmações do agressor”, disse o magistrado.

De acordo com ele, o peso probatório diferenciado é legítimo porque a vítima costuma estar em vulnerabilidade e com hipossuficiência na relação jurídica. Ou seja, está de acordo com o aspecto material do princípio da igualdade, equilibrando uma relação imparcial. Além disso, o protocolo serve como ferramenta para evitar a manutenção de estereótipos e preconceitos.

No caso em questão, o depoimento da autora teve grande relevância. Ainda assim, recebeu reforços de testemunhas que relataram a mudança de comportamento do réu após o casamento. “Ainda que o requerido não tenha agido com dolo premeditado ou com intuito de maltratar a autora, resta evidenciado que houve uma quebra de expectativa”, disse.

Relacionamentos abusivos ou violência de gênero

De acordo com o relato dos autos, a autora vivenciou um cenário de abuso emocional e manipulação. Os autos comprovam o tratamento das sequelas psicológicas geradas durante o casamento. De acordo com o relato dos autos, o réu era romântico e educado, com direito a juras de amor eterno; pelo menos até o casamento. Ela compartilha que planejaram enxoval, casamento e lua de mel, que ele se comprometeu a pagar com a parceira.

Entretanto, o príncipe virou sapo e o sonho se transformou em pesadelo após o matrimônio. O comportamento do homem mudou drasticamente, ele se tornou frio e abusivo. Depois, voltou atrás em sua palavra e não ajudou nos custos do enxoval e do casamento. Além disso, não cumpriu a promessa de lua de mel, e ainda levava uma vida boêmia e até mantinha relações fora do casamento.

O homem deixava para ela todos os trabalhos domésticos e ainda exigia que ela arcasse com todas as despesas do casal. O advogado da vítima afirma que essa transformação súbita do marido resultou em uma grande decepção, que causou sofrimento emocional profundo. Por isso, a vítima se internou, com diagnóstico de depressão, o que culminou em um divórcio prematuro.

Decisão Legal

A fundamentação da sentença se baseou na responsabilidade civil subjetiva (artigos 186 e 927 do Código Civil). Este, por sua vez, estabelece que quem causar dano a um outro alguém, por ação ou omissão, comete um ato ilícito, deve reparações a vítima. Nesse caso, a conduta é culposa, porque causou sofrimento a autora, o que, portanto, configura o dever de indenizar.

“A decisão ressalta a necessidade de reconhecer a importância das expectativas legítimas em relacionamentos pessoais e a responsabilidade civil daqueles que as violam, contribuindo para a construção de uma sociedade mais equitativa, além do evidente avanço na justiça brasileira ao incorporar perspectivas de gênero nos julgamentos, destacando a relevância de decisões que respeitam e protegem a dignidade das vítimas em casos de relacionamentos abusivos”, disse o advogado.

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