João Cezar de Castro explica como violência simbólica do discurso bolsonarista se concretizou em atentados
27 novembro 2024 às 17h34
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Com informações de Bonny Fonseca
Professor titular de Literatura Comparada na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e um dos grandes intelectuais do País, João Cezar de Castro Rocha pesquisou profundamente a violência simbólica no discurso bolsonarista. Em seus livros “Guerra Cultural e Retórica do Ódio: crônicas de um Brasil pós-político” e “Bolsonarismo: Da guerra cultural ao terrorismo doméstico”, o pensador previu que a agressividade nas manifestações do ex-presidente deixariam o campo da linguagem e se tornariam terrorismo doméstico.
Nesta semana, João Cezar de Castro vê suas “profecias” realizadas: a Polícia Federal (PF) divulgou série de reuniões realizadas entre Jair Bolsonaro e comandantes militares para subverter o Estado Democrático de Direito. O ex-presidente foi indiciado nesta terça-feira, 26.
Em entrevista concedida ao Jornal Opção na sexta-feira, 22, o professor João Cezar de Castro explica o processo da transformação da violência simbólica do discurso bolsonarista em violência concreta dos atentados ao estado democrático brasileirto.
Por que autoridades toleraram o discurso violento de Bolsonaro? Por que a sociedade não se alertou com sua retórica?
O que vivemos hoje no mundo inteiro — não é apenas uma questão brasileira — é a tentativa de colonização da política pela economia da atenção, pela lógica das redes sociais. O cotidiano já foi ocupado desta forma, e a política começa a ser também. Isso tem uma série de consequências extraordinariamente graves, que não nos damos conta, porque estamos, como diria o Guimarães Rosa, no meio do redemoinho.
Pela economia da atenção, para que você seja percebido nas redes sociais, é preciso gritar. É a dinâmica própria das plataformas que leva à escalada sempre maior da violência simbólica e da virulência. Isso significa que vamos nos dessensibilizando, naturalizando o absurdo. Neste sentido, nós estamos anestesiados. O caso do homem que cometeu um atentado com bombas em frente à sede do Supremo Tribunal Federal (STF) é outro exemplo de como é necessário ser extremo para ser notado.
Em 2021, publiquei o livro “Guerra Cultural e Retórica do Ódio: crônicas de um Brasil pós-político” pela Editora Caminhos, de Goiânia. Nesta obra, analisei o que chamei de tentativa de golpe que entre março e maio de 2020, e afirmei que aconteceria novamente. Em julho de 2023, publiquei pela Editora Autêntica um segundo livro de análise, “Bolsonarismo: Da guerra cultural ao terrorismo doméstico”. Nesta obra, defendo que o bolsonarismo sofreu uma inflexão radical e inesperada adquirindo contornos de guerra cultural, passando a ser algo como seita religiosa durante a pandemia de Covid-19, e que esse movimento converteria o bolsonarismo ao terrorismo doméstico.
Como o bolsonarismo conseguiu canalizar esse sentimento e mirar alvos específicos, como o STF?
A primeira vez que Jair Bolsonaro teve uma divulgação nacional forte foi quando, no final da década de 90, durante entrevista a um programa político no Rio de Janeiro, afirmou que a ditadura deveria ter matado pelo menos 30 mil pessoas, e o primeiro a ser assassinado deveria ser o presidente Fernando Henrique Cardoso. Não aconteceu nada. Houve uma enorme repercussão, ele começou a se tornar uma figura nacional, mas não foi responsabilizado por aquela fala.
Na campanha eleitoral para a presidência da República em 2018, no Acre, ele levantou o tripé de microfone e, como se fosse uma metralhadora, disse: “Vamos fuzilar a petralhada do Acre”. Em outro ato de campanha, disse que as minorias devem se curvar ou desaparecer. Durante seu governo, Jair Bolsonaro procurou sistematicamente criar situações de conflito com o poder Judiciário e mais especificamente com o ministro Alexandre de Moraes.
Por quê? Porque o ministro Alexandre de Moraes seria o presidente do Tribunal Superior Eleitoral em 2022, mas não apenas por isso. Porque havia um artigo de um jurista chamado Ives Gandra Martins, publicado em maio de 2021, em um site jurídico chamado Conjur. O jurista defendia que cabia às Forças Armadas exercer o “poder moderador” em caso de um conflito insolúvel entre os poderes. Assim, o bolsonarismo adotou como estratégia o conflito, para permitir uma situação de caos social que legitimaria a convocação do artigo 142.
Essa estratégia bolsonarista — a arquitetura do abismo — é isso o que justifica os atos antidemocráticos do 8 de janeiro de 2023. A intenção era criar uma situação de caos social para a convocação das Forças Armadas, de modo que o presidente Lula (PT) não recuperaria o poder. O mesmo explica a paralisação das estradas pelos caminhoneiros em novembro de 2022. Tudo baseado em um artigo “terraplanista” de Ives Gandra Martins, de maio de 2021.
Em 7 de setembro de 2021, em Brasília e sobretudo na Avenida Paulista, Bolsonaro disse com todas as letras para o ministro Alexandre de Moraes: “Pede para sair […] Deixa de ser canalha”. A agressividade crescente e a crescente violência simbólica de Jair Bolsonaro contra o ministro Alexandre de Moraes teve uma consequência de horror concreta.